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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Malícia


A visão que eu tenho do paraíso é antagônica daquela que expulsou Adão e Eva do jardim do Éden pela desobediência ao comer o fruto proibido. Afirmo isto porque a perda da inocência, ou melhor dizendo, a ascensão da malícia os fez perceber que estavam despedidos e o meu modelo mental de paraíso é justamente o retorno a uma visão não maliciosa de nós mesmos e dos outros.

Pensemos em alguém que podemos identificar como malicioso, ou maliiciosa, já que essa característica parece estar muito bem distribuída e equilibrada entre os dois sexos. Porém, antes de continuar a descrever minha visão de paraíso vejamos no dicionário a definição de “malícia”:

1. aptidão ou inclinação para fazer o mal; má índole; malignidade, maldade.
2. habilidade para enganar, despistar; astúcia, ardil, manha.

Agora que sabemos o significado lato de malícia imaginemos um local de total ausência de todos esses termos e eis aqui minha visão de paraíso, pois o fastio da malícia nos permitiria observar todas as manifestações humanas, inclusive a nossa, sem a inclinação para a perversidade. Assim, se ao comer o fruto proibido a nudez é motivo de lascívia, o meu retorno ao paraíso é aquela que não vê obscenidade no corpo humano e todas as taras perderiam os que as alimenta: a malícia.

No entanto, a malícia parece somente existir na vida em sociedade, pois acredito ser um pouco absurdo alguém ser malicioso consigo próprio. A maldade em si ocorre somente a partir de nossas relações com o mundo e o julgamento que fazemos daquilo que percebemos. Contudo, o julgamento malicioso não é a expressão da maldade enquanto restrita a simples manifestação da palavra, mas é maligna quando indutora de ações perversas e é bem verdade que todos nós carregamos malícias no pensamento e mente aquele que diz que não a tem. No entanto, o grande problema é quando deixamos esses pensamentos nefastos dominarem por completo nossas palavras e ações.

Hannah Arendt, uma filósofa judia alemã que foi testemunha dos horrores do nazismo apontou a banalização do mal no totalitarismo que busca no controle das ações humanas o alinhamento com as maldades que emanam do líder totalitário. Não há o respeito pela individualidade e a destruição de todas as instituições como sindicatos, escolas, associações, igrejas, famílias etc. que sejam contrários se faz necessário para que a maldade seja banalizada e incorporada com uma ação necessária.

A malícia está nas ações de governos e de algumas empresas que estão sob o comando de gente que personificam a maldade e tentam justificá-la como necessária a um interesse difuso, quando na verdade o preço da destruição das organizações de interesse difuso será para o benefício de uma coletividade que aderiu ao mal. Por isso destroem entidades que defendem a cultura, a ciência (universidades inclusas), as de proteção ambiental, as de interesse de grupos étnicos (índios inclusos) e buscam retirar das leis proteções trabalhistas argumentando que são boas e necessárias aqueles que justamente serão os mais prejudicados.

Embora o rol de maldades parecesse não promover diretamente a destruição das famílias, eis que a covid-19 vem escancarar que em prol da malícia que existe nessa gente é necessário que pessoas devam morrer por um suposto benefício econômico que no final de tudo não será garantia de êxito, mas é certo que já deixou famílias destroçadas pela perda de alguém muito importante em laço afetivo e, ou material. Famílias que perderam para a covid-19 o principal, ou membro importante para o sustento familiar e que provavelmente terão que enfrentar privações, perdas de patrimônio e de qualidade de vida em benefício de um projeto político e de poder que tem sua raiz na malícia. Governos quando expõem as famílias a um contato forçado com um vírus que não possui remédio ou vacina pode ser sim chamados de genocida e muitas dessas decisões ainda serão levadas aos tribunais pedindo reparação por todas essas mortes (hoje mais de 85 mil).

Alguns governos e empresas estão obrigando os declarados grupos de risco e de pessoas que coabitam com grupos de risco o retorno ao trabalho, ou seja, aqueles mais propensos a morrer de covid-19 estão sendo forçados a serem exporem ao vírus, ou mesmo de levar a doença para um parente idoso ou qualquer outro que tenha comorbidades que favoreçam a forma mais grave da doença. Quem tem mais de 60 anos costumam a ser os mais vulneráveis, pois possuem um sistema imunológico mais enfraquecido e toda aquela polêmica inicial de isolamento vertical ou horizontal agora está sendo reduzida a uma única via: a da completa exposição de todos e que morram aqueles que tem que morrer mesmo. Se essa ação de governos e empresas não é uma ato genocida então precisamos urgentemente revisar a história e absolver os condenados no tribunal de Nuremberg. Outro ponto importante é esclarecer que aqueles mais propensos a morrer são os que dependem de um hospital público, haja vista que as estatísticas dizem que a taxa de cura é 50% em hospitais privados, ou seja, novamente é a base da pirâmide social que mais tem a perder, inclusive a própria vida.

Finalizando, quando o Supremo Tribunal Federal determinou que as políticas de isolamento deveriam ser promovidas pelos governos estaduais e municipais foi por meio da perspectiva que o Brasil, por ter característica continental, obviamente em suas regiões geográficas haveria graus diferenciados de infecção e de controle da pandemia. O que fez, por exemplo, que Manaus fosse a primeira capital a colapsar o sistema público e privado e também a primeira, depois de quatro meses, a ter pouco menos de 50% de ocupação das UTIs. Infelizmente, algumas cidades começaram a viver o drama manauara e uma delas Ribeirão Preto, uma das mais ricas cidades do noroeste paulista que começou a colapsar. Essas diferenças de distintos momentos da pandemia nas regiões brasileiras faz que a média das mortes permaneça estável em mais de mil mortes diárias, pois quando um capital apresenta melhora, como o caso de São Paulo e Manaus, os casos explodem no interior sendo mais dramático em São Paulo devido ao tamanho de sua população.

Quando uma empresa ou entidade federal que tem funcionários em várias cidades de regiões brasileiras determina que os grupos de risco, ou aqueles que coabitam com esses retornem ao trabalho, ignoram justamente os diversos momentos que vivem as regiões brasileiras e expõem seus funcionários e familiares ao elevado risco de morte.

A malícia que carregam as ações de governos e de empresas simplesmente aumentam a sensação que vivemos em um inferno de longa duração e que tem por finalidade admitirmos que tudo isso foi inevitável e nos vejamos tacitamente banalizando o mal. Não podemos ser vencidos pelo cansaço e o nosso retorno ao paraíso passa pela constatação que eles é que estão sem roupa e por mais que se apoiem na mentira toda a sua malícia está exposta.

João Lago

domingo, 28 de junho de 2020

O escorpião está no meio da sala


Um ditado popular diz que “a vida imita a arte”, mas a bem da verdade, anterior a existência das artes está o que chamamos de vida humana. Nas cavernas o homem pré-histórico já deixou nas paredes as pinturas rupestres que é uma evidência que desde muito tempo é a arte que imita a vida.

Existe um filme de 1993, chamado O Dossiê Pelicano do diretor Alan Pakula, que conta a história de uma estudante de direito que desvenda o assassinato de dois juízes da Suprema Corte dos EUA. O roteiro foi construído, assim como ocorre no Brasil, no fato do presidente indicar os membros do Supremo e que, a depender das convicções do indicado, as decisões de determinado tema podem ser manipuladas. O filme conta a história de um empresário mafioso, aliado a advogados bandidos, que assassinam dois juízes da suprema corte para que o presidente pudesse indicar substitutos que fossem favoráveis a revogação da proteção ambiental de um santuário ecológico.

Na trama o presidente estadunidense estava sendo manipulado a partir da amizade que possuía com o empresário mafioso, além do fato de haver recebido ajuda financeira para sua campanha advinda do mesmo. O presidente não sabia dos assassinatos, mas com a exposição dos fatos desiste de concorrer a reeleição e é aconselhado a indicar para a corte dois novos juízes com profunda inclinação para as causas ambientais. É importante salientar que na trama a estudante de direito perseguida consegue ajuda e proteção de um jornalista que compreende a gravidade dos fatos e expõe o crime para o público.

Na mesma linha de bandidagem, o filme brasileiro “Tropa de Elite 2” de 2010, dirigido por José Padilha, aborda o envolvimento de políticos corruptos ligados a milicianos em uma simbiose de proteção mútua, seja no apoio político e financeiro para campanhas políticas ou pela eliminação de adversários que são assassinados pelos milicianos. Aqueles cidadãos de bem que assistiram ao filme de Padilha provavelmente não torceram nem para os milicianos, tão pouco para os políticos corruptos e devem ter vibrado com a vitória do Capitão Nascimento contra a bandidagem imiscuída na política e na polícia.

No filme O Dossiê Pelicano, apesar de políticos poderosos, advogados renomados e empresários com grande poder econômico, uma simples e desconhecida estudante de direito, com o auxílio de um jornalista diligente e independente, destruiu toda uma trama criminosa que teria sucesso se não houvesse uma imprensa livre capaz de expor qualquer fato sem censura, apesar do poder e influência dos atores envolvidos. Na obra dirigida por José Padilha, o capitão Nascimento, agora como secretário de segurança pública, consegue ajuda de um parlamentar da oposição para agir politicamente contra as milícias do Rio de Janeiro por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, porém no final há uma grande queima de arquivo (leia-se assassinato de envolvidos) e os políticos corruptos acabam reelegendo-se. Diferentemente do filme estrangeiro o cinema nacional foi mais verosímil a nossa realidade.

Em um país a existência de uma imprensa livre e de políticos de oposição é uma demonstração de maturidade democrática. Assim, quem apoia os discursos pedindo a supressão da liberdade de imprensa e a perseguição e eliminação da oposição em tese tem tudo para torcer para os bandidos de O Dossiê Pelicano e de Tropa de Elite 2. Também parece óbvio que as instituições democráticas somente podem funcionar se atuarem de forma independente e delimitadas em suas competências constitucionais. O poder executivo não é mais importante que o legislativo e judiciário, tão pouco dos dois últimos mais importantes entre si, nem existe hierarquia de relevância entre os três. Quanto a imprensa, apesar de não ser um poder constituído, sua existência e proteção está prevista na Constituição Federal – CF em seu artigo 220 e a antiga Lei de Imprensa, editada durante a ditadura militar, que nitidamente foi elaborada para constranger e ameaçar jornalistas, em decisão do Supremo Tribunal Federal – STF em 2009 foi considerada não recepcionada pela CF de 1988.

Em tempos atuais, parece que roteiro da vida real, que foi construído envolvendo políticos corruptos, milicianos, advogados e empresários com grande inclinação para o mundo do crime, não passa ao largo do que foi retratado no cinema. Contudo, uma parte da plateia tende a torcer descaradamente para os bandidos, ou mesmo coloca em dúvida o que demonstra ser a verdade dos fatos.

O que faz uma parte da população ainda não acreditar no que está sob os seus olhos não virá por meio de uma resposta fácil, pois este fenômeno não é motivado por uma única variável, mas arrisco dizer que há um desgaste do politicamente correto e um esgarçamento de valores cristãos por determinados grupos que tem os seus atos “glamorizados” por certos políticos, artistas e jornalistas. É importante acima de tudo que o respeito a ética seja restabelecido e perceber que não dá para continuar ignorando a relativização dos valores. A onda pseudoconservadora que assolou o Brasil e que culminou na eleição de Bolsonaro ainda não passou, mas é certo que muitos que ajudaram a elegê-lo perceberam que Bolsonaro não é aquilo que dizia ser, ainda fosse óbvio que Bolsonaro sempre foi o que é que não abandonaria sua essência. Aqui também vai uma dica: antes de intitular-se conservador, procure pesquisar o que é o conservadorismo para, pelo menos, entender porque ao tentar ser conservador venha a ser rotulado de fascista ou de coisa pior. Procure também estudar o que seja o fascismo.

O escorpião, apesar de perigoso, é um animal de hábito noturno, que vive escondido e não oferece muito risco. Porém, se inadvertidamente for pisado, ou a mão penetrar onde esteja escondido, fatalmente ele picará o incauto porque inocular veneno é da essência quando se sente ameaçado. Não se engane, o escorpião é uma praga que resiste ao veneno que mata baratas e insetos. Na verdade o escorpião é um parente mais robusto de uma aranha, sendo capaz de resistir até mesmo a radiação que mata um ser humano.

A sociedade brasileira colocou o escorpião no meio da sala e sinceramente assim como não dá para torcer para o bandido das telas do cinema, também parece não ser salutar crer que o escorpião possa mudar em sua essência.

João Lago.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

O exemplo de vida que conquista respeito e admiração


Existem certas expressões, nas mais variadas línguas, que demonstram sinal de respeito. Na adolescência, quando estudante de francês aprendi que o pronome “Tu” (pronuncia-se ti) não poderia ser utilizado nas conversas formais, naquelas que o interlocutor é um desconhecido, ou uma pessoa mais idosa, ou alguém na qual se deve respeito. O “Tu” no francês somente é aceitável quando falamos com crianças, ou com pessoas que tenhamos uma completa intimidade. Assim, para os demais casos devemos utilizar o “Vous” como sinal de educação e/ou respeito.

Quando estive na Colômbia pela primeira vez em 2008, em conversa com o padre Jorge Serrano, amigo e sacerdote jesuíta, disse-me que no Brasil chamar um bispo católico de “Dom”, que no espanhol somente é usual para atribuir distinção social ou muito respeito a alguém, em sua opinião foi a maneira única que a língua portuguesa adotou do espanhol para designar respeito ao líder católico. Em português não temos um similar para o “Dom” espanhol, mas temos uma corruptela do pronome de tratamento “senhor” que utilizamos com frequência. Por exemplo, quando alguém que merece distinção e respeito, mas temos o privilégio de sua convivência e intimidade, adotamos chamá-lo de “Seu”, em vez de senhor, porque esse último pareceria extremamente formal. O mais interessante é que chamar alguém de “seu” ou “dona”, em vez de senhor ou senhora, além do respeito está implícita uma certa intimidade.

Já se perde em minha memória o exato momento que deixei de chamar Alfredo Peroba da Paz Jatobá de senhor e passei a chamá-lo de simplesmente de Seu Alfredo, mas acredito que a educação familiar daqueles maiores de cinquenta anos hão de achar isso bastante comum e até mesmo deselegante e grosseiro se o chamasse simplesmente por “você”. Infelizmente, talvez por uma necessidade de rejuvenescimento, uma nova geração que chega aos quarenta anos já não deseja ser chamado de “seu” ou “dona” e deseduca os jovens ao sugerir em serem chamados por “você”. No entanto, a certa ojeriza dessas pessoas pela distinção que esses tratamentos trazem apenas colocam mais reverência naqueles aceitam serem chamados de “seu” e “dona”. Absolutamente, não se trata de uma simples discussão semântica, mas uma reflexão que busca colocar grau de distinção em nossas relações pessoais, principalmente quando o destinatário não solicita tal deferência, mas traz em nós a forma expressa que tal pessoa é merecedora de toda estima, respeito, amor e consideração.

Conheci o Seu Alfredo Jatobá nos meus dezessete anos e devo confessar que naquela época, como já descrito aqui, não me recordo quando deixei de chamá-lo por Senhor Alfredo, mas arrisco dizer que foi quando o simples respeito foi sucedido e adicionado a admiração e intimidade. Muito mais que o meu sogro, o Seu Alfredo transformou-se em um amigo a quem se pode buscar para um conselho, para compartilhar uma preocupação ou alegrias. Além de um pai exemplar, é exemplo de caráter altivo, de cidadão ético, justo e fraterno que nos dias de hoje tais qualidades parecem serem impossíveis de pertencerem a uma mesma pessoa. Como seu amigo, por meio de nossas longas conversas, pude passear pela Manaus dos anos 30, 40, 50 e 70 com uma riqueza de detalhes de alguém com uma memória privilegiada que merecia um estudo profundo, pois muitas das suas lembranças contam a história do crescimento de uma Manaus de cerca de 100 mil habitantes para a metrópole de 2,2 milhões. Por meio de suas recordações eu pude passear nos extintos bondes da capital manauara, assistir uma partida de futebol no Parque Amazonense, antigo palco do campeonato dos clubes de Manaus, andar nos regatões que abasteciam o comércio das cidades das margens do Rio Solimões e conhecer uma época e costumes que se perderam nos livros de história.

Alfredo Jatobá, com os 96 anos que completa em 2 de junho, é hoje o funcionário aposentado mais longevo do Banco do Brasil e várias homenagens já recebeu de seus colegas que demonstraram o carinho e, principalmente, a admiração que adquiriu de seus pares depois de décadas de bons serviços prestados. Nada de surpreendente para um ser humano integro que conquistou amigos e admiradores ao longo de sua vida. Eu tenho o privilégio de apenas ser mais um.
Eu poderia estender esta resenha, mas acho que um conteúdo biográfico de um cidadão tão admirável não poderia estar descrito em poucas palavras. A pandemia que vivemos não nos permite que façamos uma grande homenagem reunindo todos os filhos, netos, bisnetos, outros familiares e amigos, mas tenho certeza que não faltará oportunidade enquanto amor existir no mundo e haver nesta terra representantes que emulam tão sublime sentimento. Parabéns Seu Alfredo Jatobá pelos seus 96 anos.

João Lago

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Cloroquina é o placebo da política de Bolsonaro


Sabemos que dentre os organismos orgânicos complexos, eucariontes que habitam este terceiro planeta de nosso sistema solar, mais precisamente o único mamífero bípede que tem em suas células vinte e três pares de cromossomos, o ser humano é o único que expressa a consciência da sua existência. No entanto, pensar o existir de forma metódica veio a partir de “cogito, ergo sum”, que traduzido do latim é “penso, logo existo”, do filósofo francês René Descartes. Nesse primeiro ensaio racional da existência pela consciência, Descartes coloca o ser humano com um ser crítico das verdades óbvias, ou seja, nem tudo aquilo que se pode ler, provar, ouvir ou sentir não há de ser considerado verdadeiro sem antes passar pelo crivo da ciência. Isto significa que podemos ser enganados por nós mesmo pela necessidade de acreditar em algo que nos possa ser mais agradável.

Passado mais de três séculos após a morte de Descartes, em plena era da informação, assistimos boquiabertos tantos paradigmas, que foram construídos pela ciência, serem desconstruídos sem qualquer base de raciocínio lógico, método, experimentação científica e crítica, por pessoas que negam essa premissa que nos faz diferente de qualquer animal quadrúpede: O raciocínio crítico de nossa incapacidade de criar conhecimento pelo simples pensamento.

A consciência nasce a partir da aceitação de que nada que nos rodeia pode ser factual sem que possamos compreender as variáveis que compõem determinado fenômeno. Por exemplo, imaginemos uma tribo primitiva da Amazônia, dessas de índios isolados que não tiveram contato com o “homem civilizado” e que veem cruzar os céus um avião. A princípio podem duvidar que seja uma ave, pois o senso comum diz que os pássaros batem as asas. No entanto, um deles poderá dizer que o ruído do motor é o gralhar daquela ave prateada e, portanto, deverá ser mais uma criatura da natureza que habita os céus. No meio das opiniões divididas o xamã, que é o sábio da tribo dirá: Voa como um pássaro, gralha como um pássaro, é um pássaro. Um índio se oferece para seguir o avião e encontrar o seu ninho e ter mais uma evidência que seja uma ave, mas o xamã manda açoitá-lo e prendê-lo por divergir do iluminado, o sábio da tribo.

O dono da verdade é aquele que não aceita a divergência e nega a experimentação científica, ou pela ignorância, ou na ânsia por uma resposta acomoda-se com a mais óbvia. Durante dois mil anos ensinou-se nas escolas que a vida surgia de uma forma espontânea e o exemplo disto era uma carne exposta ao tempo que depois de alguns dias dela surgiam vermes. Era tão fácil acreditar nisto, porque qualquer pessoa poderia repetir o experimento e chegar a mesma conclusão, além de tal teoria ter sido defendida por alguém nada menos que Aristóteles, o grande xamã da Grécia Clássica. No entanto, um certo italiano chamado Francesco Redi, em 1668, resolveu cobrir com tela a carne em putrefação e percebeu que dali nada surgia, chegando a conclusão que se as moscas não tivessem acesso à carne não haveria a geração espontânea da vida. Francesco não sabia que os vermes eram larvas das moscas, mesmo porque a microscopia usada na ciência, que poderia identificar os ovos das moscas, ainda estava engatinhado na Inglaterra por meio das observações de Robert Hooke. Outra verdade que perdurou por séculos foi a teoria da terra plana, mas que hoje volta a conquistar muitas pessoas que preferem acreditar nos que os seus olhos podem ver, negando toda a tecnologia e as evidências mais elementares da esfericidade da Terra, mas isso é uma outra história.

O negacionismo pode ser placebo que tem como fórmula a ignorância, mas sempre haverá os estelionatários que se valem do raso conhecimento alheio, desespero ou ganância para ter sucesso financeiro. Alguns líderes religiosos, por exemplo, atuam nesse sentido, nadando de braçadas em uma legislação frouxa quanto ao enriquecimento de bispos, pastores e apóstolos que vendem a prosperidade na terra a preço de ouro com uma esperança futura de uma gleba no paraíso. Essa facilidade de sedução foi também que permitiu que esses mesmos líderes religiosos começassem a ter influência política, pois com um público tão cativo e obediente logo se percebeu que além de poder financeiro poderiam também obter poder político. Aliado a isso, considerando a existência de uma banda oportunista e corrupta na política brasileira, gerou a aproximação dessa da ala “religiosa” com uma súcia de políticos na qual foi pinçado como representante o mais abjeto, caricato, incompetente e antidemocrático político do baixo clero que se tem notícia.

O que comprova esse estelionato é o fato desse representante ter sido apresentado como contra a corrupção, defensor da família e dos bons costumes. Todos os fatos levantados até aqui pela imprensa livre já demonstraram que Bolsonaro não é alguém a mais do mesmo antro político, mas um sujeito que se destaca por não temer perder apoio popular enquanto as hostes religiosas, antidemocráticas e corruptas que o sustentam permanecerem fiéis. Nesse sentido, demonstrou-se competente em manipular com mentiras e desinformação qualquer assunto envolvendo pessoas ou ideias. Assim, sob essa édge, Bolsonaro aproximou-se do Centrão, que é um grupo fisiologista da política, cujo apoio está a venda, assim como a venda estão as mulheres das vitrines da luz vermelha de Amsterdã. Porém, essas mulheres merecem nosso respeito porque não enganam ninguém e muitas delas têm profunda vergonha do que fazem, sendo o oposto dos políticos do centrão.

A racionalidade que nos torna singular parece totalmente corrompida pelo obscurantismo religioso e político, mas não se engane pensando que esse movimento irracional browniano está totalmente desprovido de lógica. A razão da manutenção da tensão e de ataques constantes a todos que não se aliam ao governo é uma maneira de manter fiéis aqueles que restaram do caldo bolsonarista que foi derramado com a saída de Sérgio Moro e de tantos outros que já serviram de base de apoio. Já a relutância em adotar a ciência médica no combate ao covid-19, a leitura é que se a prosperidade é uma dádiva aos fiéis, a defesa da vida por meio do distanciamento social é um entrave para a felicidade que advém do dinheiro. Porém, não se pode mandar as pessoas para a rua sem uma proteção, ou alento, caso venham a ficar doentes. É justamente nesse detalhe que Bolsonaro insiste em receitar a cloroquina, pois assim daria a certeza que a fé no líder religioso mais a cloroquina será capaz de blindar o indivíduo de uma morte prematura.

As verdades podem parecer óbvias e temos a certeza que dessa carne putrefata não brotará nada de novo, mas enquanto não cobrirmos nossa democracia com o véu espesso da legalidade, da verdade e da ética, essas moscas varejeiras continuarão a depositar os seus ovos e a se reproduzirem sob a dor de uma nação que chora os seus mortos. Eu tenho certeza que se Bolsonaro obrigar as pessoas que hoje estão reclusas a saírem as ruas, novamente teremos uma multidão nas ruas pedindo a sua deposição e prisão em maior número do que os trezentos de Brasília. Estamos confinados, mas não duvide de nossa disposição de lutar pela democracia.

João Lago

segunda-feira, 4 de maio de 2020

O paradoxo da saída de um fechamento que nunca aconteceu


A pandemia do novo coronavírus, segundo o trends top do Google, uma espécie de termômetro que mede as buscas realizadas pelos internautas, no dia 27 de abril tinha o “fim do coronavírus” e “quanto tempo o coronavírus fica no corpo” respectivamente como os termos mais pesquisados. Estavam entre 140% e 500% acima dos demais termos pesquisados. Os dois termos evidenciados pelo Google refletem as duas maiores preocupações dos brasileiros que estão em isolamento e daqueles que estão com os sintomas do vírus. O primeiro grupo fatigado pela quase prisão domiciliar e o segundo com os sintomas da doença e contando os dias na esperança que a falta de ar termine, ou que nunca venha a se manifestar. Uma outra análise sobre a diferença entre 140% e 500% é aquela que parece indicar que havia muito mais pessoas doentes querendo saber se sobreviveriam ao vírus, em vez de pessoas preocupadas com quanto tempo de isolamento social ainda seria necessário. Pode ser uma mera especulação, mas em tempos de subnotificação de casos, aliada a quantidade anormal de sepultamentos, a busca de informação do tempo do vírus no corpo pode indicar uma maior quantidade de pessoas infectadas.

O ministro da saúde Nelson Teich, em declaração na última quarta-feira (29/04), afirmou que não é possível saber quando será o pico de casos no país e que uma segunda onda da pandemia é real. Outro ponto abordado por Teich é a dúvida da imunização do indivíduo após ter passado pela doença, ou seja, existe a possibilidade de quem se diga curado possa adoecer novamente. Nunca a ciência esteve tão no escuro quanto as estratégias de enfrentamento de um vírus altamente contagioso e com a capacidade de colapsar qualquer sistema de saúde, seja ele de primeiro mundo ou não. A Itália, Espanha e Inglaterra não suportaram a quantidade de pacientes em suas UTIs e mesmo a cidade da maior potência mundial sucumbiu. Os hospitais de Nova Iorque não deram conta da avalanche de doentes graves e a pandemia nos EUA parece estar fora de controle.

Nesse final de semana a Espanha, depois de decretar o confinamento nacional em 14 de março, hoje começou a flexibilizar a quarentena imposta ao país após mais de 25.000 mortes. A Itália, primeiro país ocidental a ser considerada o epicentro da doença, depois de registrar mais de 28.000 óbitos também ensaia sair da quarentena após redução do número de mortes. Essa liberação de ambas somente acontece porque os hospitais desafogaram os leitos e a velocidade do contágio diminuiu, mas enquanto não houver uma vacina para o covid-19 o perigo de uma nova onda é um risco que precisa ser bem calculado. Quanto a Inglaterra, depois dos médicos terem declarado que haviam preparado antecipadamente uma nota anunciando o possível falecimento de Boris Johnson, depois que o mesmo foi internado na UTI, indica que o premiê ter sentido na pele os efeitos da doença tenha modificado sua percepção quanto a letalidade do vírus. Antes relutante em iniciar o lockdown (quarentena), Boris Johnson achava ser possível um “isolamento vertical”, uma fantasia retórica que acredita conter o contágio somente isolando grupos de risco. A explosão de números de internações pela covid-19 colocou a Inglaterra em lockdown desde 23 de março, mas depois de 28.000 mortes e mesmo apresentando redução de internações, segundo publicação da BBC News em 27 de abril, Boris Johnson resiste flexibilizar afirmando que ainda era cedo para aliviar restrições, pois teme uma nova onda de infecções, mortes e novo colapso do sistema de saúde.

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, Donald Trump, que adotava idêntico negacionismo de Johnson, vê uma epidemia que destrói qualquer argumento que insiste colocar pessoas nas ruas e domar a curva de contágio e mortes ao mesmo tempo. O resultado dessa insistência perversa são mais de 67.000 mortes nos EUA e com possibilidade de ultrapassar o número de mortes de Itália, Espanha e Inglaterra juntas. Porém, Donald Trump agora empenha-se em negar o seu negacionismo e repete a receita dos incompetentes: buscar achar um culpado e tem como alvos a imprensa, a Organização Mundial da Saúde e a China. Porém, todas as imagens que mostram Trump subestimando o novo coronavírus voltam para desmenti-lo e restabelecer a verdade.

Olhar para o contexto nacional e internacional buscando informações, modelos e experiências que possam indicar de como agir localmente em nossas cidades é crucial para reduzirmos as mortes pelo colapso hospitalar e o mais rapidamente abrir os serviços, comércios e indústrias que estão parados pela falta de demanda. Não se pode desejar combater o vírus reduzindo parcialmente a circulação de pessoas insistindo em um tipo de isolamento parcial porque já se sabe que o vírus apenas espera um descuido de uma mão contaminada ser levada à boca, ao nariz ou aos olhos. E o vírus pode estar em qualquer lugar e com uma característica sinistra de indivíduos infectados e que sem sintomas algum podem transmitir a doença.

O governador do Amazonas Wilson Lima, em decreto assinado em 30 de abril, prorrogou para 13 de maio um fechamento parcial dos comércios e serviços que havia iniciado em 23 de março. O grande erro é a quantidade de estabelecimentos autorizados a funcionar como delivery o que implica em colocar pessoas circulando no transporte público, pois entregar em casa também requer alguém que se desloque até o local de trabalho. Outro ponto importante é que o decreto não cuidou para impedir que pessoas ocupassem locais públicos, como praças, campos de futebol em bairros e mercadinhos que, mesmo vendendo alimentos, tem nas suas calçadas mesas servindo bebidas, alimentos e gente desnecessariamente reunida contrariando a intenção do decreto. Não houve uma intervenção sistemática da Polícia Militar para impedir que as pessoas circulassem, mesmo porque já havia bastante pessoas nas ruas circulando pelo próprio fechamento parcial.

O resultado deste fechamento desastrado e anticientífico é que as mortes continuam acontecendo em hospitais superlotados, colapsando o sistema funerário e provocando a falta de medicamentos nas farmácias, mesmo após 41 dias de um pseudo “fechamento” e será completamente inócuo prorrogar por mais 51 dias desta forma. Ao final, poderá dar a falsa conclusão que o isolamento social não funciona. No entanto, como bem disse Arthur Virgílio Neto, prefeito de Manaus, como se pode afirmar que vai reabrir o que nunca verdadeiramente foi fechado? Essa interrogação aponta que a atitude do governo do Amazonas, no enfrentamento ao vírus visando desafogar o sistema de saúde, resultou em um imenso fracasso. Embora políticos amazonenses já tenham pedido o impeachment de Wilson Lima, não identifico vozes que se somem a necessidade de um lockdown efetivo em toda a cidade de Manaus por pelo menos 30 dias.

Infelizmente ainda não temos um paradigma de lockdown em nenhuma cidade do Brasil, mesmo em São Paulo de João Dória e o Rio de Janeiro de Wilson Witzel que também adotaram um isolamento light, mas com a diferença que São Paulo obteve no início uma maior adesão popular, mas que infelizmente está sendo relaxada com o passar do tempo em uma espécie de desobediência civil. Em parte essa defecção tem origem na mensagem desastrada e criminosa de Jair Bolsonaro que insiste em pregar uma volta ao trabalho com os hospitais lotados. O presidente Bolsonaro agora contradiz o seu atual ministro da saúde Teich, assim como antes contradizia o seu ex-ministro Mandetta. E o mais nefasto é que Bolsonaro destitui Mandetta visando retirá-lo o protagonismo do combate ao covid-19, mas se recusando a ocupar esse lugar de destaque como líder. Ao contrário, podemos considerar Bolsonaro com o mais forte aliado do novo coronavírus e responsável pela desobediência sanitária que impera entre seus apoiadores. Bolsonaro pode ter afirmado que não é coveiro, mas se comporta como Caronte, o barqueiro de Hades (deus grego do subterrâneo), que se empenha em levar os vivos para a morte. Esse é o papel de Bolsonaro que na sua perversidade, ou psicopatia, não reconhece que a forma mais rápida do país voltar abrir a economia passa pela necessidade de um lockdown. Basta pesquisar exemplos como Nova Zelândia e Paraguai, que fecharam por 30 dias e, agora como baixos casos confirmados da doença e com hospitais desafogados, planejam reabrir, mas com muito cuidado e monitorando a possibilidade de novas infecções.

Na insanidade do governo federal, personificada em Jair Bolsonaro, o protagonismo no combate ao covid-19 deve ser abraçado por aqueles que vivem nas cidades. Será em nossos hospitais que buscaremos atendimento, será nas farmácias de nossas ruas que buscaremos medicamentos e em nossos cemitérios que sepultaremos nossos mortos. O mínimo que esperamos é encontrar esses serviços disponíveis para que não perecermos nas portas do hospitais, ou em casa por falta de remédios e ao final sermos enterrados em uma vala comum como um indigente.

Um raio de racionalidade parece despontar no Maranhão, onde o governador Flávio Dino anunciou que desde primeiro de maio cumprirá a decisão do poder judiciário que decretou lockdown na Grande São Luiz, com o apoio da polícia militar mandando as pessoas de volta para suas casas. Flávio Dino declarou: “quanto ao descumprimento, todos serão objetos de sanções administrativas, multas e comunicação do poder judiciário. Agora, quem insistir no cumprimento de apenas orientações políticas, insensatas, estará simultaneamente infringindo normas estaduais e descumprindo a decisão do Poder Judiciário.

A sorte nunca foi lançada para nós brasileiros, amazonenses e manauaras, pois apesar de todos os exemplos de fracassos e êxitos do exterior, insistimos no pior caminho que leva a dor e ao sofrimento. A única saída é aquela que nos coloca em casa diminuindo o contágio e a morte do vírus no ambiente. Qualquer discurso diferente disso está carregado de má-fé, ignorância ou perversidade.

João Lago

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Como em 30 dias podemos matar o novo coronavírus em nossa cidade?


Antes de responder a esta pergunta, vamos conhecer melhor essa doença.

1. O que é o novo coronavírus (Covid-19) e como ele mata

O novo coronavírus, chamando covid-19, não um tipo de vírus que se cristaliza, ou seja, que pode ficar inerte até que tenha contato com uma célula de um ser vivo. O covid-19 não fica latente nas superfícies de objetos por mais de 30 dias. O covid-19 tem uma capa de gordura e proteína e por causa disso na temperatura do verão amazônico em três a sete dias (dependendo da superfície) ele degrada e morre.

O covid-19 surgiu como uma variação de uma “cepa” que infecta morcegos na China que sofreu uma mutação e começou a infectar o ser humano. Os vírus infectam a célula de um ser vivo, transformando a célula em um “zumbi” que passa a agir como uma fábrica de novos vírus. Em dado momento, a célula infectada se rompe como em uma explosão e novos vírus saem e passam a infectar outras células sadias. Quando isso acontece, o nosso organismo (por meio de nosso sistema imunológico) começa a travar uma luta contra o vírus. Nessa luta, conforme os relatos médicos, a batalha se trava dentro do pulmão causando uma imensa “inflamação” que nos casos mais graves têm característica de pneumonia que se não tratada adequadamente leva à morte em duas semanas. No entanto, existem pessoas que pegam o vírus e são assintomáticas, ou seja, carregam o vírus no corpo, mas ele não se desenvolve, ou causam sintomas de uma leve gripe. Segundo uma pesquisa realizada na Universidade de São Paulo – USP, isso acontece porque algumas pessoas têm uma mutação no gene ACE-2, presente na parede da célula que não permite que o vírus entre com facilidade. Por outro lado, a mesma pesquisa apontou que doenças crônicas como a diabetes, hipertensão arterial e obstruções pulmonares crônicas, “aumentam a expressão de ACE-2 facilitando a infecção do covid-19. Por isso essas pessoas acabam por desenvolver a forma mais mortal da doença.

2. Como surgem os vírus da gripe?

Os vírus de modo geral existem na natureza e o mais comum é que migrem de aves e mamíferos para o ser humano. Por exemplo, o vírus da gripe, dentre eles os H1N1 vem de aves e porcos, o SARS-COV2 (gripe do Oriente Médio) vem de camelos e o COVID-19 (novo coronavírus) vem do morcego. A proximidade do homem com esses animais é que faz que a mutação dos vírus que infectam esses animais passem para o homem. No caso da COVID-19, os pesquisadores apontam que o vírus passou do morcego para o ser humano pelo hábito alimentar exótico de chineses comerem morcegos. Porém, antes de criticarmos a cultura chinesa de comer morcegos, é necessário lembrar que nos alimentamos de suínos e aves e esses animais também desenvolvem vírus que passam para o homem. Assim, não devemos alimentar preconceitos contra os chineses, assim como desejar eliminar os camelos do Oriente Médio, haja vista a importância que esse animal tem no transporte de carga e de pessoas em um ambiente tão árido para um cavalo, mula ou jegue.

3. Por que o Covid-19 mata mais que e os demais vírus da gripe?

O que diferencia o COVID-19 dos demais vírus citados é a velocidade de contágio e o rápido ciclo da doença que pode levar em pouco mais de sete dias da internação à morte. Como não há uma vacina e um remédio eficiente que cure (esqueça a cloroquina, porque estudos ainda são inconclusivos) o rápido contágio e a demora no tratamento (que pode durar mais de 20 dias) lota os hospitais até o limite da capacidade e as pessoas que chegam depois morrem por falta de atendimento adequado. Com os hospitais lotados, as pessoas começam a morrer em casa e por causa disso o sistema funerário também entra em colapso. Colapso entenda-se a necessidade de sepultarem pessoas em valas comuns e isso já está ocorrendo na cidade de Manaus. As famílias não tem direito de velar os seus mortos que vão para direto para o cemitério e com número reduzido de familiares.

4. Como matar o vírus em 30 dias?

A melhor maneira de matar o vírus é deixá-lo morrer onde eles estão, ou seja, nos caixas eletrônicos, no dinheiro, nas maçanetas de portas de uso público, nos bancos de praça, nas prateleiras de supermercados, drogarias etc. O novo coronavírus morre na natureza se não infectar uma pessoa, considerando que não nos alimentamos de morcegos e não há indícios de contaminação de nossos morcegos. Ficar em casa por 30 dias, ou quando sair de casa usar máscaras (as máscaras caseiras funcionam), lavar com maior frequência as mãos e não levá-las suja em contato com boca, nariz, olhos ou ouvidos. Se não tiver álcool em gel em 70%, quando for inevitável sair, prepare uma garrafa com solução de água e sabão, água sanitária e leve consigo para limpar as mãos depois de manipular dinheiro, pegar em maçanetas ou tocar em qualquer superfície que possa ter sido tocada por outras pessoas. Chegando em casa, troque de roupa e as coloque para lavar. Tome um banho. Quando fizer compras, se o objeto/alimento comprado não puder ser levado diretamente com água e sabão, prepare uma solução de água e sabão, água sanitária e limpe cuidadosamente tudo. Ainda existe muita dúvida de quanto tempo o vírus pode permanecer latente (vivo) em superfícies, pois pesquisas dizem que podem permanecer até 28 dias em climas frios e até três horas suspenso no ar a partir do momento que uma pessoa espirra ou tosse (por isso usar máscaras quando sair de casa).

Desta forma, quando uma população se tranca em casa por mais de 30 dias e toma todos os cuidados de higiene que foram abordados aqui, o vírus vai desaparecer naturalmente, pois não terá o nosso corpo como hospedeiro para multiplicar-se dentro de nossas células.

Converse com os seus familiares e se possível leia para eles o que foi abordado aqui e discuta em família como todos podem se proteger do vírus. Se tiver dúvidas, pesquise em fontes confiáveis e jamais acredite em notícias que circulam em redes sociais (whatsapp, facebook, twitter etc.) de gente que se diz especialista, mas que por maldade e má-fé espalham desinformação e mentira.

Vamos exigir que o nosso governador e prefeito coloque a nossa cidade em quarentena por 30 dias para a quantidade de mortes possa baixar em toda a nossa cidade. Pessoas não circulando, o vírus não circula e desaparece, assim como um animal que sem ter o que comer morre de fome.

Prof. João Lago

domingo, 12 de abril de 2020

A história não nos esquecerá


Jamais poderia pensar a falta que tenho sentido do império do politicamente correto, mesmo sendo alguém que em passado recente tenha-lhe deitado sérias críticas. Raciocinando sobre tal contradição, não desejando render-me ao óbvio e assim diminuir esta minha pretensiosa reflexão, resolvi ampliar a visão além do discurso moralista ou posicionamento anárquico ao estilo de “se há governo sou contra”.

A sociologia, assim como a psicologia, apoiam que, “não sendo o indivíduo uma ilha”, é da natureza humana a busca da relação de pertencimento. Essa vontade de encontrar espelhos que possam refletir nossa visão de mundo e encontrar ouvidos e cabeças que possam balançar afirmativamente a cada palavra pronunciada. Porém, em uma sociedade na qual as pessoas para terem voz hão de mostrar certa competência intelectual, respaldada por títulos acadêmicos, o medíocre, que não consegue ler um texto com mais de duzentos e oitenta caracteres, sentia-se intimidado a abrir a boca, afinal não leu, não estudou, não se especializou intelectualmente em nada. No entanto, o sucesso empresarial começou a abrir plateias de ouvidos ávidos e, neste caso, não importa muito o diploma na parede, mas a quantidade de dinheiro em conta-corrente.

A revista Veja, em sua edição 1671 de 18 de outubro de 2000, trouxe a entrevista de Larry Ellison, fundador da Oracle que na época, segundo a Revista Forbes, tinha uma fortuna de 47 bilhões de dólares, estando em segundo lugar no ranking de bilionários. Afirmou desejar ultrapassar Bill Gates, disse que não era somente pelo dinheiro, porque “quando você conquista o primeiro bilhão, os carros ficam mais velozes, os aviões mais confortáveis e as mulheres a sua volta com as pernas mais compridas” afirmando que “a partir daí a pessoa já comprou tudo o que os dólares permitem”. Larry Ellison completa dizendo que ao ultrapassar a fortuna de Bill Gates “faz sua aura tornar-se mais iluminada e intrigante”. Por uma mera coincidência tanto Larry Ellison quanto Bill Gates abandonaram os cursos universitários para fundar suas empresas.

O sucesso nos negócios, assim como os títulos acadêmicos, parecia ser a credencial para que alguém pudesse ser ouvido, mas em tempos de redes sociais um novo tipo de indivíduo, agora chamado de “influenciador digital”, desponta pela quantidade de seguidores, ou seja, pouca importa o seu currículo acadêmico ou a fortuna acumulada, mas quantos estão a segui-los. Em alguns desses casos a fortuna vem a reboque com os seguidores, mas parece não determinar um retorno ao mundo acadêmico. Pelo contrário, alguns aproveitam a grande plateia e negam o conhecimento científico, semeiam desinformação, notícias falsas, ou fazem um recorte de fatos, omitindo o contexto geral e manipulam a informação de uma maneira que possam justificar uma determinada ideia. Esses influenciadores digitais, de relativo sucesso, também encontraram na politica a capitalização da fama na forma de votos e conquistaram um cargo eletivo.

O empoderamento de gente desqualificada nas redes sociais que disseminam preconceitos, mentiras, combatem a ciência e distorcem os fatos históricos somente é possível porque encontra uma horda que se imagina representada por essas ideias. Gente que se sentia intimidada pelo politicamente correto agora consegue retirar das sombras suas iniquidades como o racismo, xenofobia, misoginia, aporofobia, homofobia etc. É a vitória do Id sobre o Superego, ou melhor dizendo, são os instintos mais desprezíveis da natureza humana sobrepondo a moral e a ética. São as trevas encontrando um campo fértil em uma sociedade que não investe em educação e cultura, ou é minimalista ao chamar de arte, ou expressão cultural, quem pede para uma adolescente “sentar” na boca da garrafa, ou para bater sua “bunda no chão”.

No entanto, o mais contraditório e paradoxal na sociedade brasileira atual é que justamente as pessoas que semeiam o ódio, preconceitos e mentiras são justamente aquelas que se apoderaram do discurso “moral”. É como se o Ego fosse sequestrado pela Id criando uma realidade paralela que reescrevesse toda a história da ética judaico-cristã para que o Superego fosse reeducado em uma amoralidade típica dos psicopatas. Nessa nova moral vale a pena sacrificar vidas em nome do dinheiro sob “as bençãos de Jesus”. Blasfemam, pois além de demonstrar desprezo pela vida do outro, preferem reverenciar o “deus” dinheiro. Esqueceram que “ninguém pode servir a dois senhores (…) Não podeis servir a Deus e à riqueza” (Mt 6, 24), ou ainda, “amarás o teu próximo como a ti mesmo. Outro mandamento maior que este não existe” (Mc 12, 32). O Cristo que reverenciamos nesta Páscoa não está presente no discurso de ódio, nem tão pouco no desprezo pela vida do outro.

Nessa última madrugada e tive um pesadelo intrigante. Estava em meio a diversas pessoas em frente da grande pirâmide de Quéops no Egito, na qual havia uma grande entrada e uma rocha gigante apoiada no sopé do maosoléu. Em dado momento, corre a informação que um tsunami estava vindo em nossa direção e para que não morrêssemos deveríamos todos refugiarmos dentro da pirâmide e fazer rolar a grande rocha lacrando a entrada. Alguém dizia: “mas quem virá nos socorrer depois que passar a grande onda?”. Sem ter uma resposta depois de um longo silêncio eu digo: Se quatro séculos se passaram e as pirâmides estão aqui, o que vale nossa aflição quanto ao tempo. A história não nos esquecerá.

Neste ano de 2020 somos nós os protagonistas da maior crise sanitária deste século e a história não esquecerá aqueles que verdadeiramente estavam buscando salvar vidas nos hospitais, nos laboratórios, nos serviços essenciais, na imprensa, em suas casas e nos governos.

João Lago.

A história não nos esquecerá

sábado, 28 de março de 2020

A distopia do isolamento vertical

O isolamento social horizontal tem demonstrado ser a única atitude em saúde pública que possa conter a proliferação do vírus convid-19 e impedir o colapso do sistema de saúde pública. A conta que se faz é simples, mas, ao mesmo tempo, dramática, pois se a quantidade de indivíduos que demandarem respiração mecânica forem superiores a quantidade de aparelhos disponíveis, o excedente de enfermos fatalmente morrerá por falta de atendimento adequado.

O isolamento social horizontal (no qual que quase todos estão contidos em casa ) não elimina o vírus, mas o faz circular menos, pois se na dengue o vetor do vírus é o mosquito Aedes aegypti, no caso do covid-19 o que leva a doença pode ser cada um de nós. É fato que no caso do coronavírus a vacina que dispomos é o nosso próprio sistema imunológico que é acionado para combater o vírus e a cada indivíduo que é “curado” deixa de ser um vetor infeccioso. A estratégia é deixar que a taxa de infecção crítica seja conscrita a quantidade de população exposta que resulte em pacientes graves. Isso que aqui está dito não é resultado de achismo, pois é corroborado pela comunidade científica e pela experiência adquirida na China, Coreia do Sul, Itália, Espanha e demais países que hoje enfrentam o covid-19. Assim, não é coerente apostar em qualquer outra solução ainda não testadas e que contradizem os fatos e todas as evidências científicas, sendo uma delas a proposta de isolamento vertical.

Buscando exemplificar o que é apoiar medidas como isolamento vertical, que não tem nenhuma base científica sólida, tem um filme chamado The box (A caixa) que traz um dilema moral. O casal Lewis está em dificuldades financeiras, pois o salário do marido é reduzido. Nesse ínterim, um estranho homem de rosto desfigurado aparece na porta de sua casa e oferece-lhes uma caixa com um botão. Se apertarem o botão ganham um milhão de dólares, mas automaticamente uma pessoa desconhecida em algum lugar morre. Eles tem 24 horas para decidir se apertarão o botão ou não. Mal sabem eles que se decidirem apertar o botão a caixa irá para uma outra família que apertando o botão será um deles que morrerá.

O isolamento vertical prega a contenção somente de pessoas em grupo de risco, permitindo que os demais saiam para trabalhar. O problema é que tal situação não leva em conta a composição das famílias brasileiras, principalmente daqueles que vivem em comunidades, aglomerados e favelas. Os que advogam o isolamento vertical olham para os lares brasileiros compostos por vários cômodos com banheiros exclusivos para idosos, cardiopatas, hipertensos, diabéticos, asmáticos, imunossuprimidos e demais grupos de risco. Eles não se importam em apertar o botão, pois acreditam que os mortos vão cair bem longe deles.

O presidente Jair Bolsonaro tem insistido em apoiar as medidas de isolamento vertical, apesar de declarações do Ministério da Saúde - MS que não há estudo que possa viabilizar tal medida. Recentemente o Ministério Público Federal – MPF solicitou a suspensão de campanha do governo intitulada “o Brasil não pode parar” justamente pela ausência de embasamento científico e por colocar em risco os brasileiros. No entanto, as bravatas de Bolsonaro se apoiam na certeza que os governadores e prefeitos, apoiados por especialistas em epidemiologia e em saúde pública, usarão do bom senso e não arriscarão a vida da população em um mero achismo sem qualquer base científica e sem paralelo no que vem acontecendo na China, na Itália, na Espanha e mais recentemente nos EUA. Perceberam que a estratégia de Bolsonaro é continuar colocando-se como contrário a todos, seguindo a linha que se tudo caminhar bem na saúde pública, mas não na economia, não será culpa sua. Ao mesmo tempo, ao postergar medidas econômicas de renda mínima, que estão sendo implementadas por outros países, colocam os trabalhadores informais, autônomos, micro e pequenos empresários contra o isolamento horizontal e, por conseguinte, em oposição aos prefeitos e governadores. Assim, Bolsonaro demonstra ser incapaz de governar aceitando consensos e busca fortalecer-se nos conflitos sociais e continua apostando em “nós contra eles”.

O brasileiro médio neste momento tem três preocupações básicas: se estará doente semana que vem, se haverá UTI com respirador em caso de necessidade, ou se terá emprego e o que comer no dia seguinte. Caberia ao governo federal agir para trazer tranquilidade e segurança neste momento tão sombrio, mas infelizmente uma burrice ideológica com certa dose de sadismo parece sobressair e ser mais importante que a saúde e a paz dos brasileiros.

João Lago

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Folia, verdade e hipocrisia.


Nesse carnaval de 2020 uma certa paróquia aqui em Manaus anunciou que realizaria em sua comunidade um baile de carnaval e muito dos fiéis aderiram a ideia sem oposição ou questionamento. Assim, pareceria muito natural que uma festa considerada pagã fosse adaptada para um c
ontexto cristão, a fim de proporcionar uma alternativa ao apelo de alegria que o carnaval parece despertar no brasileiro, principalmente entre os jovens. Sinceramente não tive notícia de quais marchinhas de carnaval poderiam estar incluídas nessa proposta evangelizadora, ou se mesmo esse carnaval seria realizado com versões musicais adaptadas dos folguedos de Momo.

A polêmica do carnaval da Mangueira, que trouxe símbolos cristãos para a avenida Sapucaí, no entanto parece ter chocado e provocado arrepio em fiéis que semanas atrás divulgaram e aplaudiram o carnaval paroquial. Ao mesmo tempo vejo certas denominações cristãs trazendo para o ambiente do templo ritmos do mundo secular, sendo motivo de uma reflexão que escrevi em julho de 2016 (O sagrado e o profano) na qual abordei essa forma moderna de sincretismo e novamente não consegui resistir em colocar o dedo nessa ferida que é a intolerância seletiva que encontra o pecado nas manifestações culturais alheias, mas que relativiza aberrações teológicas de doutrinas que satanizam o diferente sem olhar para o seu próprio umbigo.

A cerca de duas semanas atrás comprei em uma livraria uma coletânea dos sermões do padre Antônio Vieira que em sua época incomodava pela crítica dura que fazia a sociedade, mas não encontravam em suas palavras, por mais que procurassem, qualquer traço de afastamento do que ensina o Evangelho de Cristo. Em seu conhecido sermão Santo Antônio (sermão dos peixes), no qual criticava o colono português que escravizava os índios, assim escreveu: “Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?”

O sermão aos peixes de padre Vieira ainda não caducou, pois parece que tanto a corrupção quanto a hipocrisia transcendem os séculos e apenas os desvalidos mudam de face, pois se outrora no século XVII eram os índios os marginalizados, hoje os excluídos da sociedade em sua maioria são negros e pardos que habitam as favelas e periferias das grandes cidades. É justamente sob essa ótica que analiso a letra do samba enredo da Mangueira e não encontro nela, assim como não se encontra nos sermões de padre Vieira, qualquer afastamento aos ensinamentos e exemplos que Cristo nos deu de como devemos deitar nossa compaixão aos marginalizados da sociedade. Desta forma, as vozes que salgam ainda são as mesmas vestidas da corrupção de três séculos passados, pois não há como abjurar a crítica social que a Mangueira colocou na avenida.

Uma escola de samba talvez não seja a melhor mensageira das coisas do Altíssimo, pois no seio do carnaval ocorre formas de alegria que são contrárias a doutrina cristã, da mesma forma que não será no âmbito do templo que o carnaval há de santificar-se. No entanto, entre as duas propostas evangelizadoras que possam parecer tortas, quem sabe a Mangueira, por fim, tenha conseguido proporcionar uma melhor reflexão do que de fato é verdadeiramente cristão: o amor e a compaixão pelos marginalizados.

João Lago.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

O afeto tem risco de morte

Agora é assim, o perigo de morte não vem através de um mosquito, nem por meio de uma relação sexual sem preservativo, mas chega extremamente contagiante pelos hábitos sociais afetuosos mais prosaicos do brasileiro: o abraço, o aperto de mão, o beijo no rosto etc. Não somente isso, basta simplesmente que se toque em um objeto, em um passa mão de carrinho de supermercado, em uma maçaneta, em um corrimão que tenha sido infectado por fluídos corpóreos de alguém que seja portador do coronavírus. O pior é que a transmissão dessa nova modalidade de gripe, cujos desdobramentos fatais são a insuficiência renal e respiratória aguda, pode vir de pessoas que se apresentam assintomáticas, ou seja, que ainda sequer deem sinais que estejam doentes. É justamente essa forma de fácil contágio que assusta a comunidade de saúde pública internacional.

Fala-se em taxa de letalidade de 2%, considerada baixa quando comparada com os dois mais recentes surtos de doenças virais (Sars 10,87% e H1N1 23,2%). Porém, como conter a proliferação de uma doença que é transmitida tão facilmente e que pode chegar a milhões de pessoas no Brasil e no mundo. Por exemplo, a cidade de Wuhan (foco inicial do vírus) tem uma população de 11,8 milhões que totalmente contaminada corresponde à 236 mil mortes. Assim, o número de mortos pode somar a população inteira de cidades como Dourados-MS, Chapecó-SC, Cabo Frio-RJ dentre tantas outras e não se deve minimizar esse número em um mero dado estatístico. Não há como mitigar a dor de uma família que vive o luto dessas mortes como a desculpa que somente faleceram 2%.
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O acirramento do vírus no mundo, antes que se desenvolva uma vacina eficaz, e o seu potencial desembarque no Brasil, traz a luz vários fatores que são característicos da realidade brasileira é que nos fazem vítimas de uma tragédia anunciada. Como resolver a precariedade do sistema de saúde que em muitas cidades sequer dão conta da demanda ordinária da população? O que fazer para contornar o péssimo saneamento básico que transforma sarjetas em esgotos a céu aberto? Como erradicar a falta de higiene elementar de uma maioria que sequer lava às mãos depois de usar o banheiro? Como tolher os excessos de abraços, beijos e apertos de mão de nossa índole afetuosa? Neste cenário sinistro, resolver a precariedade do atendimento à saúde e o péssimo saneamento básico está aquém de nossa vontade individual e que nos fazem reféns de governos corruptos e demagogos, além de não ser algo que se resolva em curto espaço de tempo. Contudo, agir fazendo campanhas de conscientização de cuidados básicos de higiene e alertar que os excessos de afetuosidade devem ser evitados para o bem de todos, principalmente quando estivermos em ambientes coletivos é algo que podemos fazer. Voltemos os nossos olhos para a forma que os japoneses cumprimentam-se: nada de aperto de mãos e beijinhos, mas uma simples reverência (chamada ojigi). Na internet encontraremos vários significados lúdicos do motivo dessa saudação, mas eu arrisco dizer que, por ser o Japão uma ilha, a melhor forma encontrada para evitar contágios de um povo confinado em um pequeno território foi abolir o contato físico desnecessário. Pode-se ser menos radical e observar como os anglo-saxões saúdam-se. Basta observar os filmes de Hollywood e perceber que quando amigos encontram-se o que menos acontece são abraços, beijinhos e apertos de mão. Os alemães também compartilham do mesmo hábito e talvez por isso os consideremos um “povo frio”.


Voltando para a nossa realidade, é necessário que compartilhemos nossa preocupação principalmente com aqueles que estão dentro de nossa casa (pais, irmãos, filhos, netos etc.), pois de nada adianta o nosso cuidado individual se potencialmente a contaminação poderá vir daqueles que mais temos motivos para tocar, abraçar e beijar. Temos ao nosso favor que no hemisfério sul ainda é verão e as gripes por excelência acontecem mais no inverno, mas como diz o ditado: “cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”, obviamente tratando de cozinhá-la bem e em fogo alto.

João Lago.