Existem certas
expressões, nas mais variadas línguas, que demonstram sinal de
respeito. Na adolescência, quando estudante de francês aprendi que
o pronome “Tu” (pronuncia-se ti) não poderia ser utilizado nas
conversas formais, naquelas que o interlocutor é um desconhecido, ou
uma pessoa mais idosa, ou alguém na qual se deve respeito. O “Tu”
no francês somente é aceitável quando falamos com crianças, ou
com pessoas que tenhamos uma completa intimidade. Assim, para os
demais casos devemos utilizar o “Vous” como sinal de educação
e/ou respeito.
Quando estive na
Colômbia pela primeira vez em 2008, em conversa com o padre Jorge
Serrano, amigo e sacerdote jesuíta, disse-me que no Brasil chamar um
bispo católico de “Dom”, que no espanhol somente é usual para
atribuir distinção social ou muito respeito a alguém, em sua
opinião foi a maneira única que a língua portuguesa adotou do
espanhol para designar respeito ao líder católico. Em português
não temos um similar para o “Dom” espanhol, mas temos uma
corruptela do pronome de tratamento “senhor” que utilizamos com
frequência. Por exemplo, quando alguém que merece distinção e
respeito, mas temos o privilégio de sua convivência e intimidade,
adotamos chamá-lo de “Seu”, em vez de senhor, porque esse último
pareceria extremamente formal. O mais interessante é que chamar
alguém de “seu” ou “dona”, em vez de senhor ou senhora, além
do respeito está implícita uma certa intimidade.
Já se perde em
minha memória o exato momento que deixei de chamar Alfredo Peroba da
Paz Jatobá de senhor e passei a chamá-lo de simplesmente de Seu
Alfredo, mas acredito que a educação familiar daqueles maiores de
cinquenta anos hão de achar isso bastante comum e até mesmo
deselegante e grosseiro se o chamasse simplesmente por “você”.
Infelizmente, talvez por uma necessidade de rejuvenescimento, uma
nova geração que chega aos quarenta anos já não deseja ser
chamado de “seu” ou “dona” e deseduca os jovens ao sugerir em
serem chamados por “você”. No entanto, a certa ojeriza dessas
pessoas pela distinção que esses tratamentos trazem apenas colocam
mais reverência naqueles aceitam serem chamados de “seu” e
“dona”. Absolutamente, não se trata de uma simples discussão
semântica, mas uma reflexão que busca colocar grau de distinção
em nossas relações pessoais, principalmente quando o destinatário
não solicita tal deferência, mas traz em nós a forma expressa que
tal pessoa é merecedora de toda estima, respeito, amor e
consideração.
Conheci o Seu
Alfredo Jatobá nos meus dezessete anos e devo confessar que naquela
época, como já descrito aqui, não me recordo quando deixei de
chamá-lo por Senhor Alfredo, mas arrisco dizer que foi quando o
simples respeito foi sucedido e adicionado a admiração e
intimidade. Muito mais que o meu sogro, o Seu Alfredo transformou-se
em um amigo a quem se pode buscar para um conselho, para compartilhar
uma preocupação ou alegrias. Além de um pai exemplar, é exemplo
de caráter altivo, de cidadão ético, justo e fraterno que nos dias
de hoje tais qualidades parecem serem impossíveis de pertencerem a
uma mesma pessoa. Como seu amigo, por meio de nossas longas
conversas, pude passear pela Manaus dos anos 30, 40, 50 e 70 com uma
riqueza de detalhes de alguém com uma memória privilegiada que
merecia um estudo profundo, pois muitas das suas lembranças contam a
história do crescimento de uma Manaus de cerca de 100 mil habitantes
para a metrópole de 2,2 milhões. Por meio de suas recordações eu
pude passear nos extintos bondes da capital manauara, assistir uma
partida de futebol no Parque Amazonense, antigo palco do campeonato
dos clubes de Manaus, andar nos regatões que abasteciam o comércio
das cidades das margens do Rio Solimões e conhecer uma época e
costumes que se perderam nos livros de história.
Alfredo Jatobá, com
os 96 anos que completa em 2 de junho, é hoje o funcionário
aposentado mais longevo do Banco do Brasil e várias homenagens já
recebeu de seus colegas que demonstraram o carinho e, principalmente,
a admiração que adquiriu de seus pares depois de décadas de bons
serviços prestados. Nada de surpreendente para um ser humano integro
que conquistou amigos e admiradores ao longo de sua vida. Eu tenho o
privilégio de apenas ser mais um.
Eu poderia estender
esta resenha, mas acho que um conteúdo biográfico de um cidadão
tão admirável não poderia estar descrito em poucas palavras. A
pandemia que vivemos não nos permite que façamos uma grande
homenagem reunindo todos os filhos, netos, bisnetos, outros
familiares e amigos, mas tenho certeza que não faltará oportunidade
enquanto amor existir no mundo e haver nesta terra representantes que
emulam tão sublime sentimento. Parabéns Seu Alfredo Jatobá pelos
seus 96 anos.
João Lago
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