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domingo, 11 de agosto de 2013

As faces de um pai

Quando amamos não conseguimos nos ver apartado do ser amado, assim como não nos preparamos para perder a quem se ama. Nesta perspectiva, da possibilidade de viver um luto precoce, vou contar uma história de minha infância, de uma criança que sofreu imensamente com a possibilidade de perder a quem mais amava na vida.

Meu avô João Pinheiro passava a impressão de ser um homem sisudo, talvez pela compleição de sua face passasse esta ideia, ou mesmo para com suas duas filhas fosse um pai severo, mas para comigo jamais tive esta percepção. Como achar que esse homem era bruto quando me chamava de “Junico do Vovô”, ou mesmo quando, nos finais de tarde, na varanda de sua casa me colocava sobre suas pernas e me fazia cavalgar em campos imaginários?

Eu era o seu astronauta, que corria de seus braços para alçar voos planetários entre a sala e a cozinha. Ele observava e ria, ao mesmo tempo que me chamava de “meu cientista”. Um homem profundamente apegado as letras, mas que, formalmente, não havia concluído o primário. Porém, para mim, era o mais astuto avô que uma criança poderia ter, quando me incentivava a gostar de estudar dizia: “Cuidado, quem não estuda puxa carroça”. E para dar o exemplo, sempre se acompanhava de um volume de uma enciclopédia para passar o tempo.

Certa vez, quando minha mãe entrou para reclamar das malcriações de meu irmão mais velho, meu avô bradou: “Se tu estivesse, assim como eu, cercada de livros, não me vinhas aqui falar dessas coisas”. Ele era assim, a pura concepção que os avôs amorosos verdadeiramente atrapalham a educação dos netos.

Eu o amava profundamente e logo percebi que ele não me acompanharia por muito tempo, passando a angustiar-me com o fato de que nascemos em tempos opostos. Nos finais de tarde, quando ele demorava para voltar para casa, eu ficava impaciente, perguntava para minha avó se ele havia dito que iria demorar e não sossegava até vê-lo chegar na soleira da porta. Assim, dia após dia, aos poucos eu o imaginei não chegando em casa, o via morto, longe de mim, inexorável apartado de minha vida.
Quando finalmente ele se foi, eu não consegui chorar, pois tantas vezes eu o havia pranteado em minha mente ao ponto de não conseguir verter, em suas exéquias, uma lágrima de despedida. Isto não significava dureza de meu coração, mas apenas que eu pensava já estar conformado de véspera. Porém, foi aí que conheci o que é a saudade, pois no dia seguinte, quando o entardecer avançava, aproximando-se a hora de sua chegada habitual em casa, enfim bateu-me o desespero de não poder tê-lo mais em meus braços e chorei, chorei, chorei copiosa e inconsolavelmente.

Não cresci ao lado de meu pai, que se separou de minha mãe eu ainda muito pequeno. Então foi por meio de meu avô que conheci o exemplo de figura paterna que até hoje me acompanha como referência em minha vida. No entanto, meu também falecido pai João Lago, apesar de distante de mim, ele foi para minhas irmãs no Rio Grande do Sul o que João Pinheiro havia sido para mim em Manaus.

Aproximando-se o dia dos pais, a lembrança de meu avô sempre retorna com bastante intensidade, que demonstra para mim que a saudade de quem se ama nunca termina, apenas esmorece com o passar do tempo, na certeza do que é irremediável, remediado está. Contudo, o que importa é que conheci o amor de pai e levo comigo uma lembrança paterna, pois um pai pode ter as mais variadas faces e o meu avô foi apenas uma delas.

João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.