Alguns arranjos e convenções sociais
foram sacramentados na história da civilização e o arranjo social fundamental
sempre será a família. Assim, pelo simbolismo dessa estrutura basilar, alguns
ativistas de minorias desejam impor um conceito diferente do tradicional
alegando que dessa forma haveria o combate à discriminação e a violência contra
essas ditas minorias. No entanto, não desejam somente uma aceitação tácita da
sociedade para formas não ortodoxas de família, mas desejam judicializar os
costumes pela criação de leis que criminalizem a conduta de quem possam
defender que o melhor arranjo social seria aquele composto de um homem, uma
mulher e dos filhos resultantes dessa união.
O caminho da judicialização dos
costumes passa pela interpretação das garantias pessoais dos princípios fundamentais
que está presente em quase toda constituição de países ocidentais. Porém, para
que se possa compreender isto, há de se explicar a importância dessas garantias
fundamentais como preceito inalienável e considerado “pétreo” ou aquele que não
pode ser modificado por emenda a Constituição Federal – CF (as famosas PECs –
Projeto de Emenda Constitucional), mas somente pela redação e aprovação de uma
nova constituição.
O artigo quinto da CF em seu
preâmbulo diz “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza (...) a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e a propriedade”. Porém, nessa mesma CF no artigo 226 em seu
parágrafo terceiro, portanto fora dos princípios básicos, esclarece que terá a
proteção do Estado brasileiro “a união estável entre um homem e uma mulher como
entidade familiar”. Assim, sob essa alegação que em decisão recente do Supremo
Tribunal Federal – STF concedeu o direito ao casamento entre pessoas do mesmo
sexo, pois entendeu que impedir que alguém se case com outrem de mesmo sexo
fere o princípio da igualdade e da liberdade. Ou seja, se um homem e uma mulher
podem e são livres para casar, então pessoas de mesmo sexo também devem ser.
Contudo, leigo como sou em direito, mas no meu exercício de minha liberdade de
expressão que também é garantida constitucionalmente, digo que é controverso
chamar de família esse tipo de união, pois não confere aos seus membros a
possibilidade de gerar descendentes. Ressalto que nesse mesmo artigo 226 o
poder constituinte definiu como família a comunidade formada por “qualquer dos
pais e seus descendentes”. Ora, para mim está claro que um homem quando se une
a uma mulher há a potencialidade da geração de descendentes e somente a partir
disto pode ser chamada de família. Neste sentido, filosoficamente Aristóteles
definiu bem o conceito de potência como “algo que tem a possibilidade de
existir, embora não de modo necessário”. Portanto, filosoficamente mesmo
casados um homem e uma mulher sem filhos não constitui uma família, assim como
qualquer pessoa casada com outrem do mesmo sexo, desprovidos de potência para
gerar descendentes, podem até casar, mas não constituem uma família.
Existem aqueles que advogam que o
fato de pessoas de mesmo sexo, exercendo seu direito constitucional de
unirem-se em matrimônio, possam adotar crianças e assim constituírem uma família.
A etimologia da palavra matrimônio deriva da junção de duas palavras em latim: “mater”
(mãe) e “patrimonium” (recebido do pai). Significa que os bens de uma sociedade
conjugal etimologicamente são transmitidos aos descendentes como herança, não
cabendo inclusive no direito brasileiro à transmissão de total de bens em
testamento a outrem, pois está assegurado aos filhos o direito de ao menos 50%
do espólio dos pais. É justamente na divisão dos bens durante uma união estável
entre casais de mesmo sexo que reside toda a celeuma que originou os primeiros
debates no Congresso Nacional acerca do reconhecimento da união civil (ou
casamento) homossexual. Por não gerarem filhos e pela falta de reconhecimento
legal dessa união, um casal gay poderia construir patrimônio, mas na morte de
um deles o outro não teria direito a nada, caso os bens estivessem em nome do
falecido. O que faltava, portanto, era assegurar direitos patrimoniais ao
parceiro sobrevivente, nada mais que isso. Contudo, o debate era maculado por
objeções preconceituosas de congressistas de origem “religiosa” de um Estado
laico que deveria no Congresso Nacional garantir direitos iguais a todos os
brasileiros. Assim, como o Congresso Nacional voltava às costas para o problema
e não decidia o direito à herança entre casais homossexuais, coube ao STF igualar
o direito ao reconhecimento da união estável (com toda a proteção legal) para
casais de mesmo sexo.
Não desejo jactar a união heterossexual
em detrimento da homossexual no que se refere aos sentimentos de afeto que
possam existir. O que desejo é delimitar o significado de família e construir
opinião baseada em um conceito objetivo que garanta igualdade entre os
desiguais. Nenhuma decisão jurídica muda o fato que uma união homossexual não
tenha potência de gerar descendentes. Nenhuma decisão jurídica pode mudar o
fato que uma sociedade somente existe como nação na perpetuação de seus
membros, ou seremos extintos em nosso território em poucas décadas. A proteção
de garantias individuais que tocam o indivíduo não deve imiscuir-se no que o
Estado determinou como família em stricto
sensu.
João Lago.
Administrador e professor.
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