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quinta-feira, 26 de maio de 2016

A família em Stricto Sensu.



Alguns arranjos e convenções sociais foram sacramentados na história da civilização e o arranjo social fundamental sempre será a família. Assim, pelo simbolismo dessa estrutura basilar, alguns ativistas de minorias desejam impor um conceito diferente do tradicional alegando que dessa forma haveria o combate à discriminação e a violência contra essas ditas minorias. No entanto, não desejam somente uma aceitação tácita da sociedade para formas não ortodoxas de família, mas desejam judicializar os costumes pela criação de leis que criminalizem a conduta de quem possam defender que o melhor arranjo social seria aquele composto de um homem, uma mulher e dos filhos resultantes dessa união.

O caminho da judicialização dos costumes passa pela interpretação das garantias pessoais dos princípios fundamentais que está presente em quase toda constituição de países ocidentais. Porém, para que se possa compreender isto, há de se explicar a importância dessas garantias fundamentais como preceito inalienável e considerado “pétreo” ou aquele que não pode ser modificado por emenda a Constituição Federal – CF (as famosas PECs – Projeto de Emenda Constitucional), mas somente pela redação e aprovação de uma nova constituição.

O artigo quinto da CF em seu preâmbulo diz “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...) a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade”. Porém, nessa mesma CF no artigo 226 em seu parágrafo terceiro, portanto fora dos princípios básicos, esclarece que terá a proteção do Estado brasileiro “a união estável entre um homem e uma mulher como entidade familiar”. Assim, sob essa alegação que em decisão recente do Supremo Tribunal Federal – STF concedeu o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois entendeu que impedir que alguém se case com outrem de mesmo sexo fere o princípio da igualdade e da liberdade. Ou seja, se um homem e uma mulher podem e são livres para casar, então pessoas de mesmo sexo também devem ser. Contudo, leigo como sou em direito, mas no meu exercício de minha liberdade de expressão que também é garantida constitucionalmente, digo que é controverso chamar de família esse tipo de união, pois não confere aos seus membros a possibilidade de gerar descendentes. Ressalto que nesse mesmo artigo 226 o poder constituinte definiu como família a comunidade formada por “qualquer dos pais e seus descendentes”. Ora, para mim está claro que um homem quando se une a uma mulher há a potencialidade da geração de descendentes e somente a partir disto pode ser chamada de família. Neste sentido, filosoficamente Aristóteles definiu bem o conceito de potência como “algo que tem a possibilidade de existir, embora não de modo necessário”. Portanto, filosoficamente mesmo casados um homem e uma mulher sem filhos não constitui uma família, assim como qualquer pessoa casada com outrem do mesmo sexo, desprovidos de potência para gerar descendentes, podem até casar, mas não constituem uma família.

Existem aqueles que advogam que o fato de pessoas de mesmo sexo, exercendo seu direito constitucional de unirem-se em matrimônio, possam adotar crianças e assim constituírem uma família. A etimologia da palavra matrimônio deriva da junção de duas palavras em latim: “mater” (mãe) e “patrimonium” (recebido do pai). Significa que os bens de uma sociedade conjugal etimologicamente são transmitidos aos descendentes como herança, não cabendo inclusive no direito brasileiro à transmissão de total de bens em testamento a outrem, pois está assegurado aos filhos o direito de ao menos 50% do espólio dos pais. É justamente na divisão dos bens durante uma união estável entre casais de mesmo sexo que reside toda a celeuma que originou os primeiros debates no Congresso Nacional acerca do reconhecimento da união civil (ou casamento) homossexual. Por não gerarem filhos e pela falta de reconhecimento legal dessa união, um casal gay poderia construir patrimônio, mas na morte de um deles o outro não teria direito a nada, caso os bens estivessem em nome do falecido. O que faltava, portanto, era assegurar direitos patrimoniais ao parceiro sobrevivente, nada mais que isso. Contudo, o debate era maculado por objeções preconceituosas de congressistas de origem “religiosa” de um Estado laico que deveria no Congresso Nacional garantir direitos iguais a todos os brasileiros. Assim, como o Congresso Nacional voltava às costas para o problema e não decidia o direito à herança entre casais homossexuais, coube ao STF igualar o direito ao reconhecimento da união estável (com toda a proteção legal) para casais de mesmo sexo.

Não desejo jactar a união heterossexual em detrimento da homossexual no que se refere aos sentimentos de afeto que possam existir. O que desejo é delimitar o significado de família e construir opinião baseada em um conceito objetivo que garanta igualdade entre os desiguais. Nenhuma decisão jurídica muda o fato que uma união homossexual não tenha potência de gerar descendentes. Nenhuma decisão jurídica pode mudar o fato que uma sociedade somente existe como nação na perpetuação de seus membros, ou seremos extintos em nosso território em poucas décadas. A proteção de garantias individuais que tocam o indivíduo não deve imiscuir-se no que o Estado determinou como família em stricto sensu.

João Lago.
Administrador e professor.

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