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terça-feira, 7 de junho de 2022

Os medidores e a cegueira estética urbana


Quem já leu sobre o mito da caverna de Platão compreendeu que nós julgamos o que nos cerca por meio de nossas percepções, ou seja, se desconhecemos o que há além das imagens refletidas pela luz do fogo, já que estamos amarrados com os olhos voltados para o fundo de uma caverna, nossa visão de mundo será formada por sombras.

Agora, em vez da caverna, imaginemos uma cidade a margem esquerda do Rio Negro, no meio da maior floresta tropical latifoliada do mundo e quase isolada do restante do país a qual pertence. Não somente isto, em mais um exercício mental, imaginemos no lugar de sombras, vários postes de concreto unidos por um emaranhado de fios bem diante dos olhos. Assim, aqueles indivíduos que habitam essa cidade, e que cresceram olhando para essas fiações horrendas, acreditam que as ruas ao redor do mundo também são ornadas por postes e fios.

Não é necessário sair do Brasil para conhecer alguns oásis que se livraram dessa boçalidade urbana que são postes de energia ladeando ruas e avenidas. A Zona Sul do Rio de Janeiro, a avenida Paulista em São Paulo, a avenida Afonso Pena em Belo Horizonte, o Plano Piloto de Brasília e outros tantos endereços, são exemplos de locais que a paisagem urbana não está poluída, nos quais podemos admirar a beleza arquitetônica das edificações e admirar as copas das árvores sem as amputações grosseiras que as mutilam para que sejam passados os fios.

Qualquer cidade que deseja voltar-se para o turismo tem o dever de erradicar de suas ruas, principalmente do centro histórico, essas chagas urbanas que enfeiam a paisagem. O destino desses fios deve ser o mesmo que Paris, Nova York, Roma, Veneza os deram, ou seja, enterrados sob os nossos pés. No entanto, em sentido completamente contrário, a concessionária Amazonas Energia resolve aviltar ainda mais os nossos olhos com o desejo de implantar em Manaus, pendurado nos postes defronte cada residência, uns caixotes grotescos, horrendos chamados de “medidores inteligentes”. Na rua Henrique da Silva, no bairro do Parque Dez, temos uma amostra da contribuição estética ignominiosa que a Amazonas Energia pretende para Manaus.

Nas ruas, que foram instalados esses medidores, há reclamações de moradores do aumento do consumo medido sem aparentemente qualquer relação com maior uso de energia elétrica, sendo a única causa provável o próprio medidor. Em entrevista a um jornal local, o líder comunitário Luiz Coderch do Núcleo 14 da Cidade Nova, denunciou que o aumento de consumo é resultado do novo medidor utilizar fio de alumínio em vez de fio de cobre, já que o primeiro aquece muito mais resultando uma conta maior a pagar no final. Na última segunda-feira (06 de junho), funcionários da Amazonas Energia foram expulsos do bairro do Alvorada pela população quando tentavam instalar esses novos medidores.

A polêmica e a desconfiança da população movimentou o parlamento amazonense e um projeto de Lei já tramita na Assembleia Legislativa visando proibir a instalação dessas aberrações, pois embora sejam esclarecidas e resolvidas as disparidades da medição de consumo, restará sobre nossas cabeças um trambolho que entristecerá ainda mais a paisagem urbana.

Infelizmente muitos manauaras não conhecem uma realidade urbana diferente de postes e fios, mas a Amazonas Energia, com esses novos medidores, talvez os obriguem a olhar para o alto e os façam perceber que nem tudo que possa parecer moderno vem para tornar nossa vivência nesta cidade mais harmoniosa e feliz.

João Lago