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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Cultura e dominação



Cada povo possui uma cultura própria que é composta do conhecimento tecnológico, da crença e da moral derivada que cria as regras de relações interpessoais e dos valores que influenciam as artes (incluindo arquitetura), os costumes e o conjunto de leis que disciplina a conduta individual e coletiva na sociedade. Por exemplo, o Brasil exibe uma cultura que é uma colcha de retalhos de influências das culturas dos povos que migraram espontaneamente, ou forçosamente, desde a colonização do país. Não obstante, a cultura maior difusão é aquela que orientou a escolha da língua e da crença majoritária em um Deus cristão e que é derivada do colonizador português que tinha hegemonia da força e do controle social (da lei e da imposição dos costumes). Devemos considerar que a época das grandes navegações, com a hegemonia de Portugal e Espanha entre os Séculos XV e XVIII, ocorreram dentro do sistema econômico mercantilista que impôs aos povos ameríndios a cultura europeia.

A presença de determinada matiz cultural em contato com outra deixa marcas visíveis e muitas vezes podem suprimir quase por completo os costumes, modificando crença e valores. No entanto, ainda que determinada cultura possa representar hegemonia sobre outra, subsistem pegadas que deixadas indicam que houve uma caminhada paralela no passado que possa explicar o que se é hoje. O hábito de tomar banho todos os dias é atribuído à herança deixado do costume indígena, muito distante do costume do europeu. O antropólogo Darcy Ribeiro, em sua obra O Povo Brasileiro, destaca o costume selvagem de banhar-se diariamente dos índios brasileiros bonitos, saudáveis, limpos e nus que deixavam pasmos os portugueses recém-chegados repletos de piolhos, em caravelas apertadas e sem arejamento, com gengivas sangrando pelo escorbuto. Não somente a influência da cultura indígena, mas também do negro africano cativo que foi trazido pelo colonizador português para o trabalho nas lavouras, na mineração e para as famílias. O sociólogo Gilberto Freyre, em sua obra Casa Grande Senzala, descreve fatos dos costumes de um Brasil escravocrata que ainda hoje encontramos reflexo na culinária, na música e na religião.

Modernamente vivemos em um modelo econômico capitalista e a hegemonia econômica e cultural dos Estados Unidos da América – EUA, está presente na vida do brasileiro na música, no cinema, no modo de vestir, agir e também no falar, com termos em inglês que foram incorporados e que seguem em paralelo com a língua portuguesa (anglicismo), mais notoriamente nos termos utilizados em informática, em tecnologias e nos negócios. Não obstante, outro exemplo de influência cultural está na comemoração do “dia das bruxas” (Halloween), até então estranho a nossa cultura, mas que já foi incorporado no calendário de eventos em algumas escolas brasileiras. Neste ponto, discussões sobre ideologia e cultura misturam-se fomentando o debate da dominação econômica capitalista estadunidense sobre a organização social e política brasileira. Porém, sendo o Brasil também um país capitalista inserido em uma economia globalizada, a pergunta que pode surgir é como manter uma cultura própria forte ao mesmo tempo produzir bens e serviços que possam ser exportados para outros países?

Vejamos o caso da empresa estadunidense SAMBAZON que comercializa no mercado dos EUA produtos industrializados derivados do açaí, um produto tipicamente brasileiro e amazônico. O problema da marca inicia-se em sua dicção que a maioria dos americanos tem dificuldades de pronunciar. Contudo, por iniciativa de um empresário estadunidense californiano que juntou o nome SAMBA e AMAZON, que são bastante conhecidos como de origem brasileira, fez do fruto amazônico um verdadeiro sucesso de vendas entre os estadunidenses. Leva-se em consideração que a sede da empresa está localizada na Califórnia – EUA cuja terra não se cultiva um único pé de açaí. Toda a produção está localizada no norte brasileiro entre os estados do Pará e Amapá. Assim, em um mundo globalizado as influências culturais também estariam relacionadas com as relações de interesse comerciais?

A cultura como um sistema dinâmico não poderia ser considerada isenta de mutabilidade ao longo do tempo e modernamente deverá avaliar-se o impacto da influência de um mundo digital conectado cujas ferramentas de acesso estão sob o controle de grandes corporações estrangeiras, ou melhor dizendo, de origem nos EUA. Neste aspecto, há de se avaliar se os povos que utilizem essas ferramentas terão liberdade de acesso e difusão de conteúdo, ou se por meio de algoritmos sofisticados serão monitorados e terão cerceados e manipulados certas tendências ideológicas e culturais em detrimento de outras. Olha-se para a tela do computador como uma janela na qual a paisagem que se vê não é fruto do acaso, ou tecnicamente falando, de uma incidência aleatória e randômica. Pode-se perfeitamente determinar aquilo que pode e deve ser exibido, ou não.

A saída para a democratização de tecnologias talvez passe pela regulamentação do uso das informações pelos detentores da ferramenta sem que haja interferências ou manipulações do que deve ser visto, lido ou ouvido. A alienação de conteúdo pode ser tão radical para exterminar uma cultura como foi a varíola e o sarampo na América espanhola e portuguesa no Século XVI.

João Lago