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terça-feira, 29 de outubro de 2019

Quer aparecer menino?

Centenário de Irmã Dulce - Senhor do Bonfim Salvador
Até as pedras do caminho sabem o quanto sou crítico ao bolsonarismo, se é que seja razoável adjetivá-lo assim dando-lhe uma importância política que mal comparo aos fenômenos musicais de verão. Antevejo o bolsonarismo como uma Jenifer, Lepo Lepo, ou Deu Onda, hits chicletes com baixíssima expressão poética e uma pífia construção musical vinda de artistas efêmeros. Porém, a construção social que permitiu o bolsonarismo firmar-se é a mesma que sustenta de verão a verão as paradas de sucesso, ou seja: a baixa cultura do brasileiro médio; a total ausência de análise retórica profunda, seja política ou musical e; uma necessidade ao entorpecimento vulgar, seja ele dançante ou oriundo de ideias politicamente burlescas. No entanto, nesses tempos sombrios, o ativismo de uma minoria parece não perceber que não se pode defenestrar cupins de uma casa tocando fogo na madeira que a sustenta, pois ao tentar justificar suas ações, mesmo que possam ter certa razoabilidade, agem justamente como incendiários do extremismo.

Na última terça-feira (22/11), uma denominada Associação de Ateus e Agnósticos protocolou uma ação civil pública na Justiça Federal de Brasília pedindo a devolução do dinheiro público gasto na comitiva da Presidência da República, da Câmara e do Senado ao Vaticano para a cerimônia de Canonização da Irmã Dulce. Alegam que por ser o Estado laico não poderia ser gastos recursos públicos em uma viagem de cunho religioso. Ora, visto somente por essa visão tacanha parece ser óbvio que o governo brasileiro deveria ignorar completamente a importância do legado da religiosa para a Bahia e para todos os brasileiros, sejam cristãos católicos ou ateus. No entanto, ainda assim vamos nos concentrar no ordenamento jurídico que determina o que pode e o que não pode ser subvencionado com dinheiro público.

A CF - Constituição Federal, no artigo 19o, inciso I, veda a União, Estado e Municípios de: “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. O legislador constitucional quis deixar claro que o Estado deve manter-se afastado de apoiar ou estar subserviente a uma denominação religiosa, mas ao mesmo tempo não pode o Estado atrapalhar o livre exercício de uma religião, mesmo porque o artigo 5o, incisos de VI a VIII, garantem ao cidadão a liberdade de ter uma religião. Nessa suposta ambiguidade em que não pode tomar partido, mas ao mesmo tempo não deve obstruir a liberdade de culto, restou na CF a ressalva de tolerar e colaborar com as religiões a bem do interesse público. Poderia encerrar-se aqui esta argumentação, mas vamos caminhar mais um pouco.

Citando novamente a CF, mais precisamente o artigo 21o, inciso I, encontramos a seguinte redação: “Compete à União: manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”. Ora, parece que os ateus e agnósticos da aludida associação desconhecem ser o Vaticano um Estado soberano que existe desde 1929 e que pelo Tratado de Latrão o Governo da Itália reconheceu sua soberania. Porém, ainda poderiam questionar qual seria o interesse público do Brasil manter relações com o Vaticano, além do fato do Brasil ser considerado a maior nação católica do mundo com 123 milhões de fiéis (64,6 % da população brasileira segundo o Censo IBGE de 2010).

A cidade de Aparecida no interior de São Paulo tem 80% de sua renda proveniente do turismo religioso e o mesmo se repete em Juazeiro do Norte - CE, onde viveu Padre Cícero Romão Batista e mais recentemente duas cidades despontam nesse cenário: Cachoeira Paulista – SP com o movimento carismático Canção Nova e Guaratinguetá – SP como cidade do santo Frei Galvão. Se não há interesse público na religiosidade de seu povo garantida na CF, deveria os ateus e agnósticos dessa pretensa associação reconhecer o interesse público no sentimento religioso que movimenta a economia e gera empregos. Não obstante, o governador Rui Costa (PT) fez publicar no Diário Oficial da Bahia a lei que institui o dia 13 de outubro como o dia da Santa Irmã Dulce dos Pobres reconhecendo não somente a importância pretérita da religiosa, mas o que doravante a devoção a Santa poderá trazer de divisas ao turismo religioso na Bahia.

A religiosidade é um fenômeno cultural que está no matiz do povo brasileiro repleto de expressões artísticas na música, arquitetura, teatro, pintura etc. Portanto, se não for suficiente as alegações até aqui deitadas, os ateus e agnósticos dessa associação deveriam ler o artigo 215o da CF que diz: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

O Estado brasileiro é laico, mas absolutamente não é antirreligioso e nem tão pouco laicista, mas nesses tempos sombrios de intolerância sempre aparece um ou outro a procura dos seus quinze minutos de fama. A esses eu repito o ditado de minha avó: Quer aparecer menino? Põe o penico na cabeça e vai à rua.

João Lago