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sábado, 2 de dezembro de 2017

Tempo para o perdão



Imaginemos dois indivíduos passando por qualquer cruzamento de uma grande cidade e nele encontre algumas crianças pedindo esmolas. O primeiro resolve baixar o vidro do carro e tão logo depois de deixar alguns trocados passa a criticar quem colocou aquelas criaturas no mundo, chamando-os de irresponsáveis e coisa e tal. O segundo simplesmente segue em frente sem se importar e sem olhar para trás. Nesses dois casos eu tenho a convicção que o mais autêntico seja aquele que seguiu em frente, justamente porque não carrega em si responsabilidade alguma, seja por qualquer demência moral que tenha. Já o primeiro julgou o outro do alto de sua superioridade e talvez para atenuar sua própria culpa tenha decidido dar a esmola, mesmo sabendo que tal ato não mudará em nada a realidade daquelas crianças, tão pouco as críticas proferidas. Poucos poderiam decidir parar o carro, conversar com as crianças e procurar entender porque elas estão ali. Isto seria realmente importar-se com outro, perdoando o descaso dos pais e buscando uma solução para o problema. Porém, pode ser muito difícil agir assim, mas um primeiro passo é deixar que nossas ações não sejam simplesmente na direção de mitigar nossa culpa e descaso, mas que sirvam verdadeiramente para promover o bem.

O perdão é uma concessão do ser humano muito difícil de ser auferida verdadeiramente, ou seja, perdoar apagando de si todas as mágoas e colocando-as no esquecimento. Digo isso, pois é comum ouvirmos de algumas pessoas: “eu perdoo, mas não esqueço”. Assim, desta forma, perdoar sem esquecer significa que aquela mágoa ficará latente, assim como um vírus quiescente nas células nervosas a espreita de uma baixa na imunidade para agir. Interessante que do mesmo modo que algumas úlceras virulentas despertam em situação de estresse e fadiga, da mesma forma as mágoas latentes despertam no primeiro desconforto emocional, emergindo na carne e a escarnecer o outro. Perdoar sem esquecer o mal se traduz do mesmo modo que dar a esmola, mas escarnecer o pedinte.

O ensinamento cristão apregoa o perdão e pede tão somente como reciprocidade o reconhecimento do erro. Traz o Evangelho (Jo 8, 10-11) que Cristo salvou a adúltera do apedrejamento, em seguida perdoou os seus pecados dizendo-lhe: “vai, e de agora em diante não peques mais”. Embora nossa natureza humana não esteja isenta do pecado, sendo certo que pecaremos mais adiante, reconhecer o erro e desejar não mais incorrê-lo é a condição necessária para o perdão, principalmente quando a luz de nossa consciência nos sentimos julgados e condenados. Do ponto de vista de quem perdoa a remissão somente acontece quando o mal é expulso da consciência e existe a esperança que um novo caminho será trilhado que não passe pelos mesmos erros cometidos. Nesse sentido, a parábola do “filho pródigo” (Lc 15, 11-31) ou “do pai misericordioso” como desejam alguns, ensina justamente estar de braços abertos para o arrependido, ainda contrariando quem quer que seja. Pois, imaginemos que fosse, ao invés do pai, o filho invejoso a recepcionar o irmão e ao ouvi-lo implorar perdão e o tivesse expulsado dizendo: “eu te perdoo, mas vai para bem longe daqui”. A boa nova de Cristo não é para aqueles que se acreditem escolhidos de Deus, mesmo porque a esses Jesus chamou de hipócritas por desejarem fazer crer ao outro sua superioridade. Pelo contrário, a mensagem de Cristo é para os pecadores e humilhados e não devemos fazer de uma pretensa virtude cristã motivo de exaltação pessoal, pois dos dois tesouros que devemos carregar no coração, a caridade e a fé, diz o Evangelho (Mt 6) que a ambas devem ser feitas em segredo, pois se feito de outro modo são apenas hipocrisia e vaidade que foram tão criticadas nos fariseus (Mt 23, 1-12). A vaidade e o orgulho são vendas que não permitem os nossos olhos concederem o perdão, pois nos impedem de olhar o outro e só enxergamos a nós mesmos naquilo que acreditamos serem as nossas virtudes.

Perdoar absolutamente não significa afastar-nos de nossas convicções e visão de mundo, principalmente quando elas estão solidificadas na caridade e na Fé em Deus. Porém, essas mesmas convicções jamais podem dar causa ao impedimento da compaixão pelo grande paradoxo que isso representa. Assim, como exemplo que a caridade e a fé nos acompanham, mesmo quando atacados pela ignomínia de alguns quando perdoamos o mal que nos fazem, não devemos esmorecer e sempre acreditar que o perdão deve ser concedido a quem arrependido deseja absolvição, pois esta é a justiça de Deus que jamais deve ser confundida com a justiça dos homens.

O perdão verdadeiro sempre será uma graça de Deus que frutifica da fé e da caridade (amor) presente em nosso coração.Portanto, há sempre tempo para o perdão.

João Lago.