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domingo, 18 de outubro de 2015

A metáfora do servente de bordel


Nesse domingo (18/10), circulou nas redes sociais uma foto do Joaquim Levy, ministro da fazenda, dividindo espaço com pobres mortais (não tão pobrezinhos) em um voo comercial na rota Brasília / Rio de Janeiro. A foto em si é engraçada porque o ministro é clicado dormindo, talvez uma medida providencial para não ser admoestado pelos demais passageiros.
Após o anúncio que o governo federal estaria cortando viagens de primeira classe para ministros e demais funcionários de alto escalão, a foto transmite a mensagem subliminar de que o governo Dilma estaria seriamente comprometido a economizar. Assim, Joaquim Levy transforma-se no principal garoto propaganda da austeridade pública. Já é um começo, mas a pergunta que faço é porque demorou tanto para tomar tal decisão? Outra pergunta seria: O quanto que isto representará de economia para os cofres públicos, pois afinal a previsão do rombo é de R$ 30,5 bilhões no orçamento de 2016. Pode Dilma até decretar que os seus ministros andem de patinete, mas não serão essas medidas de pura pirotecnia marqueteira que solucionarão o déficit para 2016.
O governo tem que mexer nas grandes contas, algumas eivadas de corrupção e descontrole. Por exemplo, a concessão de Bolsa Família para famílias fora do padrão definido na lei. Idem para o crédito rural de agricultura familiar com taxas de juros 2,5% a 5,5 % ao ano e prazo de carência entre dois e dez anos (dependendo do valor e do tipo de atividade financiada). É importante que se diga que o Movimento dos Sem Terra – MST é indiretamente beneficiado por esses recursos, pois entidades vinculadas ao MST receberam recursos públicos via Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, como é o caso da Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca). CPIs já foram propostas para investigar essa destinação irregular de recursos, inclusive pedindo a quebra de sigilo bancário do líder do movimento José Rainha. Explique-se que o MST é somente uma sigla, haja vista que não existe juridicamente. Outra irregularidade é a distribuição de casas pelo programa Minha Casa Minha Vida, pois nem sempre o perfil socioeconômico de concessão é seguido e gente que não precisa acaba recebendo moradia. Não há o mínimo controle para que seja aferida a destinação correta desses recursos. Igualmente a farra de distribuição de dinheiro seguia no FIES (financiamento estudantil), que até a explosão da crise (muito bem escondida e represada até as eleições), fez com que o governo melhorasse os critérios de seleção de estudantes. Portanto, automaticamente cortou-se o acesso de milhares de jovens ao financiamento. Por que não fez antes? Porque era preciso ganhar as eleições.
Existe uma relação direta dos descontroles de gastos com o pedido de impeachment protocolado na Câmara Federal, pois justamente por não ter dinheiro suficiente em caixa e necessitando esconder o rombo, o governo Dilma financiou-se com dinheiro dos bancos públicos, afrontando diretamente a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), artigo 36 que diz: “É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”. Desrespeitou a lei em 2014 para ganhar as eleições e há indícios que continua burlando a lei neste ano. No entanto, a malandragem antes escancarada pela imprensa, foi ratificada pelo TCU que reprovou as contas do governo e está praticamente impossível repetir o mesmo expediente. Daí a necessidade urgente de aprovar a CPMF para tapar o rombo. Porém, se o Congresso Nacional ceder à pressão do governo e aprovar mais este imposto, as revisões necessárias que precisam ser feitas nesses projetos sociais não serão conduzidas e tão pouco o governo Dilma seguirá cortando gastos. Na verdade temo que ocorra justamente o contrário, pois como já demonstraram que são irresponsáveis é capaz de afrouxarem ainda mais o cinto que sequer chegou a avançar duas casas. E não se pode esperar muita responsabilidade fiscal do governo Dilma por um motivo muito simples. São tantas as facções dentro do próprio PT, cada uma delas preocupada com os seus próprios interesses, e o cobertor é tão curto que alguém vai ter que dormir fora dele. Dilma, a gerente (ou seria gerenta?) que deveria conduzir a harmonia entre todos é o que é, ou seja, alguém que não consegue dialogar e nem coordenar o próprio partido.
Quanto ao Joaquim Levy, arrebatou-me um sentimento de compaixão ao ver a foto, pois a imagem dele dormindo e um voo lotado é o próprio retrato da desolação. Comparo Levy a um servente de bordel, cansado e voltando para casa em um ônibus lotado, pois depois de toda sorte de sacanagem que rolou madrugada adentro, no salão e nas alcovas do lupanar, no final é quem é chamado para limpar toda a sujeirada.
João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.

sábado, 3 de outubro de 2015

O preconceito contra o gentílico manauara



Nessa última sexta-feira, vendo uma reportagem em um dos noticiários televisivos de Manaus, ouvi novamente uma repórter chamar o nascido em Manaus de “manauense”. Em outra oportunidade já escrevi a respeito de minhas razões etimológicas em defesa de que o nascido em Manaus tem sua identidade cultura de origem indígena atrelado ao termo manauara e que manauense não nos define. Assim, resolvi contatar a repórter (que descobri ser paranaense) e expor minhas convicções e obter uma resposta plausível para o uso sistemático de “manauense” por sua emissora em detrimento de manauara. É bem verdade que travamos um breve e elegante embate de ideias, porém não foi apresentada nenhuma raiz de identidade que possa sobrepor o uso de manauense ao gentílico manauara.

A única explicação dada pela repórter é que a palavra está no dicionário e, portanto, essa é a forma correta. Ora, em relação a isto, imediatamente relembrei-me da polêmica levantada em 2012 pela Procuradoria da República em Uberlândia (MG) em uma Ação Civil Pública contra o dicionário Houaiss que classificou o termo cigano como “aquele que trapaceia; velhaco, burlador” e “aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina”. Aquela procuradoria, em seu afã do politicamente correto, julgou que a definição do Houaiss trazia uma visão depreciativa que influencia o conceito que a sociedade possui dessa etnia, então era necessária uma reparação. A PR-MG ensejava condenar o Houaiss a uma multa de R$ 200 mil por dano moral coletivo e a suspensão imediata da tiragem, ou venda, dos dicionários que continham a definição ofensiva. A ação foi julgada improcedente pela Justiça Federal de MG, pois entende que “os dicionários apenas registram o significado atribuído a uma determinada palavra, sem o papel de expressar juízo de valor sobre alguma coisa ou alguém”. Desta forma, juridicamente falando, o termo “manauense” por estar no dicionário não significa que sua definição esteja correta, pois o entendimento do juiz da 19ª Vara Federal de Belo Horizonte é que a informação contida no dicionário não pode ser classificada como abusiva, injuriosa, caluniosa, difamatória ou mesmo inverídica, pois retrata apenas uma definição catalogada. Logo, cai por terra a acepção da repórter que manauense é a forma correta por estar no dicionário.

A minha defesa pelo termo manauara é que o mesmo tem uma raiz antropológica e cultural e, brevemente falando, o gentílico tem origem na forma que os índios que habitavam a margem esquerda do Rio Negro se autodenominavam. O gentílico manauara é a junção dos nomes “manaó” e “sara”, sendo que o primeiro vocábulo é o nome da tribo indígena que foi encontrada pelo colonizador branco e “sara”, ou “ara”, o sufixo em guarani que significa “indivíduo”. Por exemplo, as palavras indígenas guatasara e sainhansara, conforme Edelweiss(3), são a conjunção dos substantivos gûatá (viajar) e sainhana (ajuntar) que acrescidos do sufixo “sara” ou “ara” formam os adjetivos derivados viajante e ajuntador respectivamente. A mesma formação, repito, acontece em manauara.

Retornando ao meu embate com a repórter, por fim ela confessou-me: “meus editores chefes me corrigem se eu disser manauaras” (sic). É como diz o ditado: manda quem pode, obedece quem tem juízo, ou seja, não se deve condenar a repórter, pois a mesma apenas está cumprindo as ordens da redação. Porém, acho que vale a pena questionar quais os motivos da escolha do uso de “manauense”. Pode ser ignorância etimológica, preconceito, ou simplesmente razões comerciais subjacentes, já que a emissora de TV também é dona de um shopping em Manaus e tem como concorrente um shopping chamado Manauara. 

Fica a pergunta em aberto.

 João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015