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sábado, 3 de outubro de 2015

O preconceito contra o gentílico manauara



Nessa última sexta-feira, vendo uma reportagem em um dos noticiários televisivos de Manaus, ouvi novamente uma repórter chamar o nascido em Manaus de “manauense”. Em outra oportunidade já escrevi a respeito de minhas razões etimológicas em defesa de que o nascido em Manaus tem sua identidade cultura de origem indígena atrelado ao termo manauara e que manauense não nos define. Assim, resolvi contatar a repórter (que descobri ser paranaense) e expor minhas convicções e obter uma resposta plausível para o uso sistemático de “manauense” por sua emissora em detrimento de manauara. É bem verdade que travamos um breve e elegante embate de ideias, porém não foi apresentada nenhuma raiz de identidade que possa sobrepor o uso de manauense ao gentílico manauara.

A única explicação dada pela repórter é que a palavra está no dicionário e, portanto, essa é a forma correta. Ora, em relação a isto, imediatamente relembrei-me da polêmica levantada em 2012 pela Procuradoria da República em Uberlândia (MG) em uma Ação Civil Pública contra o dicionário Houaiss que classificou o termo cigano como “aquele que trapaceia; velhaco, burlador” e “aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina”. Aquela procuradoria, em seu afã do politicamente correto, julgou que a definição do Houaiss trazia uma visão depreciativa que influencia o conceito que a sociedade possui dessa etnia, então era necessária uma reparação. A PR-MG ensejava condenar o Houaiss a uma multa de R$ 200 mil por dano moral coletivo e a suspensão imediata da tiragem, ou venda, dos dicionários que continham a definição ofensiva. A ação foi julgada improcedente pela Justiça Federal de MG, pois entende que “os dicionários apenas registram o significado atribuído a uma determinada palavra, sem o papel de expressar juízo de valor sobre alguma coisa ou alguém”. Desta forma, juridicamente falando, o termo “manauense” por estar no dicionário não significa que sua definição esteja correta, pois o entendimento do juiz da 19ª Vara Federal de Belo Horizonte é que a informação contida no dicionário não pode ser classificada como abusiva, injuriosa, caluniosa, difamatória ou mesmo inverídica, pois retrata apenas uma definição catalogada. Logo, cai por terra a acepção da repórter que manauense é a forma correta por estar no dicionário.

A minha defesa pelo termo manauara é que o mesmo tem uma raiz antropológica e cultural e, brevemente falando, o gentílico tem origem na forma que os índios que habitavam a margem esquerda do Rio Negro se autodenominavam. O gentílico manauara é a junção dos nomes “manaó” e “sara”, sendo que o primeiro vocábulo é o nome da tribo indígena que foi encontrada pelo colonizador branco e “sara”, ou “ara”, o sufixo em guarani que significa “indivíduo”. Por exemplo, as palavras indígenas guatasara e sainhansara, conforme Edelweiss(3), são a conjunção dos substantivos gûatá (viajar) e sainhana (ajuntar) que acrescidos do sufixo “sara” ou “ara” formam os adjetivos derivados viajante e ajuntador respectivamente. A mesma formação, repito, acontece em manauara.

Retornando ao meu embate com a repórter, por fim ela confessou-me: “meus editores chefes me corrigem se eu disser manauaras” (sic). É como diz o ditado: manda quem pode, obedece quem tem juízo, ou seja, não se deve condenar a repórter, pois a mesma apenas está cumprindo as ordens da redação. Porém, acho que vale a pena questionar quais os motivos da escolha do uso de “manauense”. Pode ser ignorância etimológica, preconceito, ou simplesmente razões comerciais subjacentes, já que a emissora de TV também é dona de um shopping em Manaus e tem como concorrente um shopping chamado Manauara. 

Fica a pergunta em aberto.

 João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.

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