Nessa última sexta-feira, vendo
uma reportagem em um dos noticiários televisivos de Manaus, ouvi novamente uma
repórter chamar o nascido em Manaus de “manauense”. Em outra oportunidade já
escrevi a respeito de minhas razões etimológicas em defesa de que o nascido em
Manaus tem sua identidade cultura de origem indígena atrelado ao termo manauara
e que manauense não nos define. Assim, resolvi contatar a repórter (que
descobri ser paranaense) e expor minhas convicções e obter uma resposta
plausível para o uso sistemático de “manauense” por sua emissora em detrimento
de manauara. É bem verdade que travamos um breve e elegante embate de ideias,
porém não foi apresentada nenhuma raiz de identidade que possa sobrepor o uso
de manauense ao gentílico manauara.
A única explicação dada pela repórter
é que a palavra está no dicionário e, portanto, essa é a forma correta. Ora, em
relação a isto, imediatamente relembrei-me da polêmica levantada em 2012 pela Procuradoria
da República em Uberlândia (MG) em uma Ação Civil Pública contra o dicionário Houaiss
que classificou o termo cigano como “aquele que trapaceia; velhaco, burlador” e
“aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina”. Aquela procuradoria,
em seu afã do politicamente correto, julgou que a definição do Houaiss trazia uma
visão depreciativa que influencia o conceito que a sociedade possui dessa
etnia, então era necessária uma reparação. A PR-MG ensejava condenar o Houaiss
a uma multa de R$ 200 mil por dano moral coletivo e a suspensão imediata da
tiragem, ou venda, dos dicionários que continham a definição ofensiva. A ação
foi julgada improcedente pela Justiça Federal de MG, pois entende que “os
dicionários apenas registram o significado atribuído a uma determinada palavra,
sem o papel de expressar juízo de valor sobre alguma coisa ou alguém”. Desta
forma, juridicamente falando, o termo “manauense” por estar no dicionário não
significa que sua definição esteja correta, pois o entendimento do juiz da 19ª
Vara Federal de Belo Horizonte é que a informação contida no dicionário não
pode ser classificada como abusiva, injuriosa, caluniosa, difamatória ou mesmo
inverídica, pois retrata apenas uma definição catalogada. Logo, cai por terra a
acepção da repórter que manauense é a forma correta por estar no dicionário.
A minha defesa pelo termo
manauara é que o mesmo tem uma raiz antropológica e cultural e, brevemente
falando, o gentílico tem origem na forma que os índios que habitavam a margem
esquerda do Rio Negro se autodenominavam. O gentílico manauara é a junção dos
nomes “manaó” e “sara”, sendo que o primeiro vocábulo é o nome da tribo
indígena que foi encontrada pelo colonizador branco e “sara”, ou “ara”, o
sufixo em guarani que significa “indivíduo”. Por exemplo, as palavras indígenas
guatasara e sainhansara, conforme Edelweiss(3), são a conjunção dos
substantivos gûatá (viajar) e sainhana (ajuntar) que acrescidos do sufixo
“sara” ou “ara” formam os adjetivos derivados viajante e ajuntador
respectivamente. A mesma formação, repito, acontece em manauara.
Retornando ao meu embate com a repórter, por fim ela
confessou-me: “meus editores chefes me corrigem se eu disser
manauaras” (sic). É como diz o ditado: manda quem pode, obedece
quem tem juízo, ou seja, não se deve condenar a repórter, pois a mesma apenas
está cumprindo as ordens da redação. Porém, acho que vale a pena questionar
quais os motivos da escolha do uso de “manauense”. Pode ser ignorância
etimológica, preconceito, ou simplesmente razões comerciais subjacentes, já que
a emissora de TV também é dona de um shopping em Manaus e tem como concorrente
um shopping chamado Manauara.
Fica a pergunta em aberto.
João
Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.
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