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terça-feira, 13 de junho de 2023

A sabedoria da Coruja e o veneno do sapo


Certo dia na floresta, a cobra e o escorpião, incomodados com a pecha de associa-los como bichos traiçoeiros resolvem buscar ajuda com o animal mais sábio da mata, a senhora coruja.

Esperaram o anoitecer e quando a Coruja despontou no alto de uma árvore foram ao seu encontro.

A Coruja logo que os viu ensaiou voar, mas a cobra logo gritou:

- calma dona Coruja, viemos só para conversar.

A Coruja ressabiada retrucou:

- ok, ok. Mas não carece de avançar mais, falem daí qual é o problema.

A cobra balançando o seu guizo em contrariedade logo reclamou:

- o problema é justamente este, todos quando nos vêem correm de nós como se sempre estivessemos prontos para atacar. Nem a onça, tão pouco o jacaré causam tanta repulsa.

A Coruja percebendo a angústia de ambos disse:

- colegas, o problema é essa droga poderosa que vocês carregam que mete medo. De uma mordida de onça ou jacaré é até possível sobreviver, mas de uma mordida ou picada de vocês é morte na certa.

O escorpião, usando toda a sua erudição, perguntou:

- então como fazemos para quebrar esse paradigma?

A Coruja sacudindo as asas em uma expressão de reflexão freudiana perguntou?

- já pensaram em caçar sem se utilizar do veneno de vocês?

A cobra e o escorpião se entreolharam e quase que em coro disseram:

- impossível.

Mas por quê? perguntou a ave sábia da noite.

- nascemos e fomos ensinados a caçar assim, não há um bicho na floresta que tenha veneno e que não o use para caçar.

A Coruja desafiada em sua sabedoria disse:

- pois bem, ides até a lagoa e procurem o Sapo-ponta-de-flecha, conversem com ele, porque apesar de ser venenoso não o utiliza para caçar. Aliás, como todos os sapos, usa sua língua para capturar os insetos que o alimenta.

Satisfeitos com a dica da Coruja seguiram a cobra e o escorpião para conversar com o batráquio na lagoa.

Chegando lá, encontraram um minúsculo sapo colorido sentado sobre uma pedra a capturar formigas e cupins no jantar.

Quando se aproximaram e o sapo os avistou, antes mesmo que dissessem a que vieram, o sapo assustado lançou seu mortal veneno sobre o olhos e boca do escorpião e da cobra que em questão de minutos pereceram.

Eis que lá no alto de uma árvore, a Coruja que tudo observado suspirou:

Na vida uns carregam venenos para caçar, outros os possuem para se proteger, mas não importa os fins do porte de uma arma mortal, em algum momento em sua vida haverão de experimentar ou imputar sofrimento ao próximo.

João Lago

domingo, 28 de maio de 2023

CAMA DE PREGOS


Na esteira das manifestações de repúdio ao racismo direcionado ao Vini Júnior na Espanha, o “humorista” Léo Lins foi intimado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a retirar de suas redes sociais vídeos de piadas acerca da escravidão. Sim, apesar de todo o esforço civilizatório feito no Brasil para que gritos racistas e homofóbicos sejam abolidos dos estádios de futebol, existe um público que deseja um local livre para exercer toda espécie de preconceitos. Não se engane, pode ser perturbador mas um vizinho, conhecido, colega de trabalho ou um parente próximo deve achar uma violência alguém não poder expressar livremente escárnio contra negros e homossexuais. Esses também elegeram o “politicamente correto” como um inimigo da liberdade de expressão e estavam órfãos de alguém que pudesse reverberar todo ódio contra qualquer minoria.

Quando voltamos um pouco no tempo, lá pelos idos de 2016, nos protestos na avenida Eduardo Ribeiro em Manaus que pediam o impeachment de Dilma Rousseff, observava-se um pequeno grupo calçando botas de coturno, vestindo uniforme militar camuflado e com faixas pedindo golpe militar. Ainda bem distante dos crimes dos atos antidemocráticos, essa gente estranha quase não era notada, mas que já ensaiava perder o pudor e ávida em associar-se a uma corrente política que os acolhesse. Naquela época parecia improvável que algum partido ou movimento social de direita os adotasse, mas eis que um deputado suspeito de corrupção, inexpressivo do baixo clero que ganhava notoriedade frequentando programas de humor duvidoso e de variedades na TV, destilando discurso homofóbico, saudoso da ditadura militar e com relações de intimidade com milicianos do Rio de Janeiro, apresenta-se como aglutinador dessa gente e mesmo sem um passado moralista cristão torna-se o xodó de nove a cada dez pastores neopentecostais. Assim, sob a justificativa de “defensor de liberdades”, as vozes homofóbicas e racistas também se veem acolhidas pelo bolsonarismo. É importante que se diga que Bolsonaro não inaugurou uma ideologia política, apenas demonstrou-se tolerante e catalisador de gente reprimida por correntes civilizatórias.

O tsunami de solidariedade internacional que Vini Júnior recebeu em repúdio aos ataques racistas que sofreu na Espanha, ao mesmo tempo que algumas pessoas, dessas que emergiram do pantanal da extrema direita, buscam suavizar falas criminosas racistas e homofóbicas como exercício de “liberdade de expressão”. Não se engane, essas vozes vieram para ficar e mesmo que o “mito” não tenha sido eleito, a amálgama estúpida, odiosa e preconceituosa colocou no Congresso Nacional uma turba que os representa. São pessoas completamente desclassificadas e que pouco conhecem das atribuições necessárias para o exercício de um mandato, mas que se comunicam nas redes sociais de forma a manter vivo o bolsonarismo, mesmo em um momento em que o seu líder máximo sem a imunidade parlamentar mostra-se covardemente calado e com medo de acabar na cadeia.

Escrever uma resenha que aborde um assunto escabroso e muito comentado traduz-se em um desafio que se assemelha a colocar mais um prego em uma cama de faquir. No entanto, ao falar de racismo, utilizando-se da mesma metáfora, quanto mais acolchoada de pregos menos dolorido torna-se o deitar, ou seja, quanto mais vozes formarem coro de repúdio ao ódio nefasto contra pretos e pardos, mais suave torna-se o tecido social para aqueles que tem mais melanina na pele.

João Lago

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

O Brasil pode por fim à guerra na Ucrânia?


Em março 2022, na Gare du Nord em Paris, aguardávamos em uma longa fila para comprar uma passagem de trem até Roma, quando vimos caminhar logo atrás de nós uma senhora, que acredito ter por volta de cinquenta anos, carregando uma enorme mochila de viagem nas costas. A Ucrânia havia sido invadida pela Rússia há pouco mais de uma semana e os primeiros refugiados chegavam na França. Aquela mulher, vestida com roupas modestas e com um lenço azul cobrindo a cabeça, carregava tudo o que foi possível levar consigo para fugir da destruição e da morte. Não falava francês, usava uma lupa estilo detetive para ler, sabia poucas palavras em inglês e tentava comprar uma passagem para uma cidade próxima a Nice, onde teria amigos que a esperavam por lá.

Em dado momento, uma atendente no início da fila avisa (em francês) que aqueles que fossem pagar em dinheiro, utilizando as máquinas de autoatendimento, não precisavam ficar enfileirados, pois aquela fila era para quem fosse comprar diretamente com um atendente no guichê. Imediatamente deixei a fila e muito rapidamente compramos nossa passagem para o dia seguinte e na saída vimos novamente aquela senhora, sem entender o que estava acontecendo ao seu redor, ainda na fila. Foi quando nos aproximamos, com aquela solidariedade brasileira que nos é característica, tentando nos comunicar em inglês e utilizando também o tradutor do Google, buscando orientá-la e servir de intérprete para atendente que só falava francês. Naquele momento, a face mais cruel de uma guerra fazia-se tão presente diante de nossos olhos, pessoas expulsas de suas casas, vagando por um país estrangeiro, sem falar a língua local, carregando poucos pertences e sofrendo com a indiferença que toda metrópole é capaz de oferecer a quem se aventure enfrentá-la em desigualdade de condições.

Nesta sexta-feira (24/2) faz um ano que a Rússia invadiu um Estado soberano e, para não sobrar dúvidas do que seja isso, a definição de soberania para uma nação envolve a existência de um povo que tenha um governo agindo dentro de determinado território. No que se refere a Ucrânia, todos os conceitos que a definem com uma nação soberana estão cumpridos, considerando ainda que aquele país tem língua própria e que, mal comparando, o russo e o ucraniano são tão similares como o português e o espanhol. Assim, a diferença linguística confere uma frente de resistência cultural que sobreviveu a russificação ocorrida no Século XVIII, por meio das conquistas territoriais do Império Russo, na qual o czar Alexander II em 1876 proibiu que livros didáticos e religiosos fossem escritos em ucraniano.

A integração política da Ucrânia em 1922 à URSS – União das Repúblicas Soviéticas (atual Rússia) permitiu o ensino do ucraniano nas escolas como oposição à política czarista, mas o russo continuou sendo falado porque era a língua da sede do poder, fazendo que a maioria dos ucranianos sejam bilíngues (ucraniano e russo). No entanto, após o colapso da URSS em 1991, a Ucrânia torna-se independente e cresce um movimento nacionalista nas décadas seguintes que culminou na supressão de toda a memória comunista, modificando nome de ruas, demolição de estátuas e de monumentos que faziam menção a líderes soviéticos. Em 2019, a Ucrânia aprova uma lei que torna obrigatório o idioma ucraniano para os funcionários públicos, forças armadas, profissionais da saúde e professores, inclusive em regiões ao leste do país que predominantemente falam o russo. Naquela época, Vladmir Putin considerou a medida discriminatória e prontamente a condenou acirrando os ânimos entre Moscou e Kiev. A língua russa, até mesmo falada pelo presidente Volodymyr Zelenskiy enquanto comediante na TV Russa, passa por declínio a partir do momento que a Ucrânia adota uma aproximação política com o ocidente, principalmente pró-Europa o que irrita ainda mais Moscou.

A guerra iniciou não somente porque a Ucrânia manifestou interesse em integrar a aliança militar do ocidente – OTAN, que a partir de 1999 estendeu-se para a Europa Oriental e chegando inclusive a Turquia, mas porque a Rússia de Vladmir Putin, um saudosista do poder geopolítico da extinta URSS, não se conforma com o fim de sua hegemonia política territorial e teme que outras nações eslavas ainda pró Rússia possam seguir o mesmo caminho da Ucrânia. Deve-se destacar que com o fim da URSS em 1991 a Ucrânia tinha em seu território aproximadamente 3.000 armas nucleares, mas em troca do reconhecimento de sua independência, hoje ameaçada, por meio do acordo de Budapeste assinado por Rússia, Reino Unido e EUA, abriu mão de todo esse arsenal atômico. É bem verdade que se a Ucrânia ainda fosse uma potência atômica a Rússia teria muito mais cuidado em atravessar a fronteira. Porém, como essa guerra “convencional” completa um ano com uma resistência heroica da Ucrânia, turbinada com armamentos cedidos pela OTAN, os ânimos de um cessar fogo e paz estão ainda longe de acontecer. A Rússia militarmente seria humilhada se retirar suas tropas da Ucrânia sem qualquer contrapartida que não passe por cessão de território pelos ucranianos, aqueles mais ao leste que falam russo e que se identificam com Moscou.

O cansaço da Rússia com a guerra a faz ameaçar utilizar seu arsenal nuclear na batalha, mas se essa fronteira militar for ultrapassada, as consequências podem elevar o conflito para uma terceira guerra mundial com bombas atômicas também lançadas pela OTAN no território russo que até o momento não foi atacado. Putin espera uma saída honrosa e talvez ela possa vir com a intermediação do Brasil, China e Índia, países que compõem o BRICS e que podem trazer um desfecho inédito, ou seja, sem o protagonismo daqueles países que com a Rússia venceram a Segunda Guerra Mundial (EUA, Reino Unido e França). Finalizando, repito aqui uma frase que resume a resistência ucraniana e que aponta para uma guerra longe de acabar: “Se a Rússia parar de lutar e se retirar, a guerra termina. Se a Ucrânia parar de lutar, a Ucrânia acaba”.

João Lago


sábado, 11 de fevereiro de 2023

Entrevista de Lucas Jatobá na Rádio Kingston em 9 fev 2023

Entrevista concedida a rádio Kingston no dia 9 de fevereiro de 2023. 


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Por pouco não caímos no golpe da compra compartilhada

 


Sabe-se que o estelionatário, para aplicar seus golpes, atua sobre as fragilidades humanas mais comuns como a carência, a ganância, o desespero, a ignorância aliada a fé. Por isso, os namoros virtuais transformam-se em desilusão quando arranca economias enquanto destrói corações, as pirâmides financeiras, criptomoedas, que prometem ganhos mirabolantes, ainda são vistas como opções de investimento antes de transformarem-se em prejuízo, o curandeirismo ainda encontra quem esteja disposto a dar até o seu último centavo pela cura milagrosa, o líder religioso segue abarrotando templos vendendo sabonetes ungidos, ou a suposta água abençoada do rio Jordão, prometendo prosperidade, felicidade, cura, mas o único milagre que operam é o enriquecimento rápido de falsos profetas. Assim, o golpista é como um ator que pode assumir diversos papéis no teatro do crime frente a uma plateia incauta. Porém, alguns podem dizer: “não me encaixo no perfil do ser humano frágil capaz de cair em golpes”, mas não se iluda, uma nova forma de golpe, que usa sofisticadas ferramentas de marketing e valendo-se de brechas da lei, podem surpreender os mais racionais e céticos que se consideram imunes a golpes, sendo este o tema desta resenha.

Não me recordo o dia, mas, pelo menos, oito meses se passaram desde quando estava na companhia de um amigo, em uma famosa “cachaçaria” de Manaus para um happy hour, e fomos abordados por uma jovem oferecendo um brinde surpresa, desde que participássemos de uma apresentação de uma oportunidade única que estava sendo oferecida por sua empresa. A moça bem vestida, parecendo ter a complacência do estabelecimento onde estávamos, coletou os nossos nomes e telefones avisando que seríamos contatados para informar dia e hora do evento que anunciaria essa oportunidade fantástica. Realmente não demorou muito para eu ser contatado, mas a participação no evento e a oferta do brinde, já que sou casado, estava condicionada que o casal fosse junto, sendo esse o principal entrave, porque durante a semana enfrentamos uma laboriosa e cansativa jornada de trabalho e durante os finais de semana não parece agradável sacrificar nosso descanso participando de algo que seguramente não seria de nosso interesse. Contudo, foram insistentes, ora ligando para mim, que deixei de atendê-los, ora ligando para minha esposa que em um ato de misericórdia finalmente marcou uma data para participarmos. O local indicado era um shopping, ou seja, para alguém acha mais agradável levar uma injeção na barriga a saracotear nessas mecas de consumo decadente, trouxe mais dramaticidade, angustia e raiva daquele dia em que sucumbi e sem muita resistência dei meu número de telefone e pior, forneci também o telefone de minha mulher.

Quando chegamos ao shopping, o local indicado era um espaço cercado e montando meio as lojas, sob um tablado e com um balcão com computador e impressora, funcionando como se fosse uma recepção na qual faríamos um cadastro. Nesses casos, jamais dou meu nome completo, não divulgo o meu CPF, mas não escapei de informar os nossos e-mail, endereço e algumas informações socioeconômicas. Em seguida, fomos convidados a sentar frente a uma das mesas para uma apresentação de quarenta minutos promovida por uma senhora de meia idade. A oferta imperdível tratava-se de um empreendimento turístico em uma praia no litoral do Ceará, mas com propriedade compartilhada. Para quem não conhece esse tipo de modalidade de compra, um determinado bem é oferecido em cotas e os proprietários adquirem o direito de uso proporcional a sua participação, dividindo os custos de manutenção do bem. Por exemplo, digamos que quatro pessoas comprem um barco nesse sistema de cotas, assim em um mês os cotistas terão uma semana de uso para cada um, dividindo os custos de manutenção, aluguel do local de guarda etc. Geralmente uma administradora se encarrega de encontrar pessoas com interesses comuns, nesse exemplo uma marina pode assumir esse papel de comercialização do bem e prestação do serviço aos cotistas. Vejamos, esse tipo de comércio não é espúrio e vem ao encontro de facilitar a quem não é tão abonado possa usufruir de bens considerados de luxo com menor custo para si.

Durante a apresentação, deixei claro que para nós não seria interessante comprar algo tão distante, ainda em construção, ainda que seja em um resort sofisticado, porque não nos obrigaríamos, por mais que achemos aprazível a costa cearense, a passar todas as nossas férias viajando para um só local. Lembrei daquela máxima que quem compra um sítio tem duas alegrias, uma quando compra, outra quando vende. Isso é bem verdade, porque se o intuito é a diversão, pode ser que nos primeiros meses todos os finais de semanas e feriados sejam para curtir o empreendimento, mas com o passar do tempo o lazer transforma-se na obrigação de ir e, assim, tudo começa a perder a graça. Achei que minha ponderação fosse suficiente para a mulher nos liberar e entregar logo o brinde surpresa, mas como já havia dito, a inteligência do mal constrói contextos visando minar boas argumentações. Absolutamente, se o nosso problema é não estar amarrado a um só local, o resort tinha convênio com uma das maiores administradoras de hotéis ao redor do mundo, nos quais poderíamos hospedar-nos trocando pelo uso da propriedade no Ceará. Abria-se para o nosso deleite hotéis e resorts no Brasil, nas Américas, Caribe, Oceania, Ásia e Europa, ou seja, bastava concordar com a permuta e a minha alegação caia por terra.

No entanto, não me dei por vencido e decidi que deveria construir uma outra linha de argumentação. Começamos a narrar nossas duas últimas viagens que se iniciaram com um planejamento que não contou com apoio, nem tão pouco com a assessoria para compra de pacotes turísticos de qualquer operadora. As nossas pesquisas são dirigidas para atrações turísticas, gastronomia, espetáculos, partida de futebol, meios de transporte local (metrô, ônibus, trem, avião etc.) e a busca de acesso ilimitado de internet durante toda a estadia quando em viagem ao exterior. Informações de facilidade com o câmbio (qual moeda levar) e aspectos de segurança pública no destino também merecem nossa atenção, pois bandidos não são uma exclusividade brasileira. Na verdade, antes de entrarmos no avião a única certeza é a data e hora de chegada, estadia em hotel por poucos dias, uma lista enorme de atrações a cumprir e a data de retorno. Vejam, jamais nos sentimos obrigados a conhecer todos os locais listados, mesmo porque nossa experiência determina que alguns podem ser verdadeiras furadas. Assim, buscamos ter uma agenda flexível, mutável a depender das informações locais e seguindo as mudanças de nossos interesses. Muito mais que um turismo direcionado para a coleta das mais belas fotografias, que algumas vezes que não correspondem a realidade, buscamos uma imersão cultural que inclusive passa por conhecer locais não listados nos roteiros turísticos tradicionais. Somente para exemplificar, em outubro de 2022 visitamos os Lençóis Maranhenses com suas lagoas de água doce formadas pelas chuvas. Por se tratar de um parque nacional, que deve permanecer intacto, não existe comércio no local e os visitantes podem levar bebidas e comidas, desde que consumidas no parque é um dever do cidadão ambientalmente consciente trazer todo o lixo de volta. Levamos tão somente água mineral, mas eis que durante um mergulho obrigatório em tão paradisíaco sítio, cruza em nossa frente uma mulher com uma taça de vinho em uma das mãos a fazer as mais variáveis “selfies” e vídeosLogicamente a bebida não estava ali para ser consumida, mas para compor uma ideia de sofisticação insólita que não era condizente com aquele lugar ermo. Decididamente, nossa maneira de explorar experiências é desinteressadamente alheia a qualquer teatro que possa atribuir valor maior as coisas além do que verdadeiramente são.

Pensei que tinha deixado claro que não havia nenhum interesse em adquirir uma cota de apartamento na praia com a finalidade de lazer, talvez por investimento, mas para tal deveria analisar o empreendimento como tal: um investimento. Essa era a palavra-chave para a mudança de interlocutor e senta-se à mesa o vendedor para convencer-nos que estava ali em nossa frente a oportunidade de nossas vidas. Resumindo, disse que existiam duas formas de adquirir uma cota do empreendimento. A primeira diretamente com a construtora que ali estava com uma proposta de financiamento bancário, com juros de mercado e bem salgados, e a segunda diretamente com ele, mas somente naquele momento, sem possibilidade de tempo para pensar, fazer cálculos financeiros, pesquisar a idoneidade daquelas empresas em uma simples busca no “Reclame Aqui” (site que reúne reclamações das mais variadas empresas), JusBrasil (site de reúne querelas na justiça) etc. Tudo tinha que ser “aqui e agora”, com a assinatura do casal. Deve-se observar que o golpista, apesar de ser malandro, ampara-se sofisticamente nas brejas que a lei permite, construindo uma certa legalidade e “veracidade” naquilo que promete entregar. Assim, exigem que o casal venham juntos para que ambos assinem o contrato para não permitir desfazimento do mesmo sob alegação de “outorga uxória”. Não vamos entrar nos meandros da lei, mas se trata da necessidade que o casal, seja na comunhão universal, parcial de bens, ou mesmo em união estável, possam comprar um imóvel. Há quem possa dizer: comprar sozinho pode, mas não pode vender sem o consentimento do outro! Ora, estamos tratando aqui de possíveis golpistas e está claro que não desejam vender nada, mas celebrar um negócio que para ser desfeito deve-se abri mão do sinal inicial. O grande negócio deles certamente está na desistência.

Analisando a prática do golpe empregado, os malandros tentam vencer no cansaço, pois somente a apresentação do negócio dura mais de quarenta minutos e a todo momento ressaltam a qualidade dos parceiros envolvidos, inclusive do próprio shopping, como se não fosse possível que algo espúrio pudesse ser oferecido naquele local. Quando golpistas usam desse artifício, estão usando a psicologia presente nas estratégias de marketing, sendo uma delas conhecida como “prova de evidência física”, um dos 7Ps do serviço, ou seja, buscam estabelecer credibilidade pela sofisticação do local, por meio de fotos e apresentação 3D, sites, panfletos, folhetos, catálogos etc. Afinal não se visitou o local onde está se construindo os imóveis, mas se deve acreditar em tudo em que foi dito e, por impulso, comprometer-se doze anos de pagamentos mensais reajustados pelo INCC (Índice Nacional da Construção Civil). Entretanto, valendo-me da própria literatura de marketing, bens complexos e com alto valor agregado não são vendidos por impulso. Eu não estava em uma fila de supermercado e vendo aquele chocolate, pendurado na frente dos meus olhos, eu o compro sem pensar muito sobre isto. Disse com todas as letras ao sujeito que imóvel não se vende por impulso e é algo insano comprometer seis anos de uma vida em algo que sequer demonstrou ser um bom investimento financeiro. Fechado os argumentos, o sujeito levantou-se e entregou-nos o voucher de R$ 100,00 com validade de sete dias e somente podendo ser utilizado das 15h às 19h, não estendido ao final de semana, ou seja, é feito para quem não trabalha em horário comercial e até nisto eles contam com a desistência compulsória.

De volta ao mundo dos justos, fiz uma pesquisa no Reclame Aqui e no JusBrasil e o “papagaio” daquela empresa é imenso e veio a minha face um sorriso de alívio e contentamento. Talvez eu seja criticado por não colocar nesta resenha o nome do empreendimento e de forma mais explícita denunciar o golpe. No entanto, como dizem os mais precavidos do que eu: “conta-se o milagre, mas não se diz o nome do santo”.

João Lago

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Quem sou eu?


Se você não sabe quem é esse sujeito, não fique se achando desinformado, pois não é culpa sua. já que o próprio também parece que não gosta muito de aparecer para demonstrar que trabalha. Trata-se do senador Plínio Valério (PSDB-AM), eleito em 2018 e que durante a Pandemia e mortes no Amazonas ficou completamente OMISSO, não se tem qualquer registro de sua atuação direta e mesmo na CPI da Pandemia desapareceu, deixando que Omar Aziz e Eduardo Braga assumissem o protagonismo na luta pela justiça na responsabilização das mortes no Amazonas pela falta de oxigênio e pelo atraso na compra de vacinas.

Para completar sua atuação medíocre, o senador Plínio Valério está entre os oitos senadores que VOTARAM CONTRA O AFASTAMENTO DO GOVERNADOR DO DF que foi omisso ou incompetente nos atos terroristas que ocorreram no domingo (08/01/2023).

Devemos escolher melhor nossos representantes.


domingo, 8 de janeiro de 2023

Não existe anistia para veneno de cobra e escorpião


A invasão da Praça dos Três Poderes no domingo de 8 de janeiro revela que não é mais possível acreditar que os envolvidos no vandalismo sejam apenas manifestantes. Existe uma inteligência do mal que envenena com ódio, financia e coordena por meio da desinformação as atitudes terroristas que destruíram patrimônio público nesse domingo. A violência aconteceu abaixo da responsabilidade do Governo do Distrito Federal, mais precisamente do governador Ibaneis Rocha (MDB-DF) e de seu secretário de segurança pública Anderson Torres (União Brasil-DF) que no momento dos acontecimentos estava na Flórida-EUA, local onde passa temporada Jair Bolsonaro, o padrinho político de ambos. Esta crônica faz uma reflexão do desdobramento moral, penal e político que se espera como resposta, pelo Estado Democrático de Direito, contra os atos terroristas cometidos nas sedes dos três poderes.


Uma cobra e um escorpião peçonhentos não deixarão de produzir veneno porque envelhecerão, haja vista que é da natureza fisiológica de ambos tecerem toxinas mortais até o final da vida, sempre em proveito próprio. Algumas pessoas também são assim, pois o passar do tempo também não lhes confere o abandono de seus atos nocivos enquanto tinge seus cabelos de branco. No entanto, se o envelhecimento para animais peçonhentos não é condição para deixar de serem mortais, o ser humano a qualquer tempo da vida pode erradicar sua natureza vil por meio da reflexão e do arrependimento, embora muitas vezes isto não seja o suficiente. Assim sendo, do mesmo modo que uma cobra e um escorpião podem deixar de ser perigosos quando cirurgicamente são retiradas as glândulas que lhes produzem o veneno, a pessoa criminosa também deve amputar de sua vida o que lhe confere a maldade.


Todavia, tão somente a reflexão e o arrependimento podem não promover a cura do mal represado, pois a depender dos efeitos que a iniquidade produziu em indivíduos próximos e na sociedade, um simples pedido de desculpas (ainda que aceito) pode não sanar toda a dor e a ausência que atos contra a vida e ao patrimônio costumam a deixar. Como um simples arrependimento do algoz poderá atenuar a dor de alguém que perdeu seu companheiro de vida assassinado? Como um pedido de desculpas poderá preencher a ausência material e afetiva na vida de uma criança, que agora crescerá órfã, porque seus pais morreram pela ação ou omissão de outrem? Como poderá um simples pedido de perdão enxugar todas as lágrimas de uma mãe, pai, irmãos, irmãs, de uma família inteira que sofre pela saudade? Como o reconhecimento do erro é capaz de indenizar e reparar o patrimônio público e privado depredado pela imbecilidade e pelo ódio? Assim, porque nem sempre o arrependimento e um pedido de desculpas são suficientes para reparar toda a dor é que nascem os clamores por justiça.


Enquanto o criminoso, que age a margem da lei, não é confrontado pelos seus atos, dificilmente pode-se esperar qualquer arrependimento. Somente quando é capturado, trazido a realidade e devidamente processado pelos seus crimes é que muitos choram, pedem desculpas e demonstram alguma contrição. Porém, é verdade que a escalada de violência política veio em um crescente iniciado desde a campanha presidencial, com especial citação a Marcelo Arruda, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores - PT assassinado enquanto festejava o seu aniversário de 50 anos, pelo vandalismo ocorrido em 12 de dezembro de 2022, no qual ônibus e veículos particulares foram queimados, vidraças de delegacia quebradas em Brasília e pela bomba encontrada em 24 de dezembro de 2022, armada em um caminhão-tanque repleto de combustível no aeroporto da capital federal, planejada para explodir. Agora, nesse domingo (08/01/2022) temos o ápice dos atos violentos pela tentativa de subversão da ordem democrática pela invasão do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal por centenas de terroristas travestidos de manifestantes.


O ovo da serpente veio sendo chocado nos quatro anos do governo Bolsonaro, que uma vez instalado no poder, os seus escorpiões foram reproduzindo-se por partenogênese nas redes sociais, considerada por muitos uma terra sem lei e que agora, empoderados pelo suposto anonimato que o ambiente virtual parece prover, esses terroristas tomaram o asfalto buscando esconderem-se também no meio de uma horda enfurecida pelo veneno que a consome. São covardes, tantos esses que se camuflam no meio da multidão para perpetrar atos vis, quanto aqueles que fomentam e financiam esses atos mas não são capazes de seguir em frente do aluvião que patrocinam e apoiam.


Não são apenas manifestantes que exercem o sagrado direito democrático da liberdade de expressão, haja vista que não demonstram qualquer apreço à democracia e, portanto, não merecem anistia. Não importa quantos sejam esses que participaram da destruição dos prédios instalados na Praça dos Três Poderes, absolutamente todos devem ser confrontados com os seus atos criminosos, presos, processados e julgados, pois se não forem punidos exemplarmente voltarão, porque somente enjaulados, como feras que são, podem deixar de oferecer perigo a sociedade.

João Lago.

domingo, 1 de janeiro de 2023

Esperança dos ratos e a fé dos homens


Uma pesquisa realizada com ratos na década de 50 trouxeram uma importante análise sobre como a psicossomática é influenciada pela esperança. Entenda-se como psicossomático o estresse mental motivado pelo medo, desalento, fadiga e afins que pode afetar a saúde do corpo. No caso específico dessa pesquisa, o psicobiólogo e geneticista americano Curt Paul Richter estudou o comportamento de ratos criados em laboratório e de ratos silvestres, comparando suas reações quando colocados para nadar até a morte em um recipiente de vidro.

Apesar de ser considerado um experimento cruel para os padrões atuais, esse estudo (On the Phenomenon of Sudden Death in Animals and Man) trouxe uma importante contribuição para medicina no entendimento psicossomático da morte súbita. Verificou-se que aqueles ratos que viviam livres e que eram bons nadadores na natureza morriam mais rapidamente em relação aqueles criados confinados e sem qualquer experiência aquática. Enquanto os ratos selvagens morriam afogados de um a quinze minutos depois de colocados nos recipientes, os ratos de laboratório nadavam até sessenta horas antes de morrerem afogados e os dados apontavam que "os animais morriam por desaceleração do ritmo cardíaco e não por aceleração". Ou seja, a respiração era reduzida assim como a temperatura do corpo até que o coração deixasse de bater.

Embora haja controvérsia, o instinto é uma forma de inteligência, como aquela que orienta uma ave quando deve migrar para o sul, um peixe quando deve subir pela correnteza de um rio para procriar, uma tartaruga que ao romper o ovo nada em direção ao rio, ou um recém-nascido que ao ser colocado no colo da mãe procura e suga avidamente o seio materno. Sim, não devemos nos esquecer que mesmo o ser humano, no alto de sua racionalidade funcional, também age por impulso, pois em determinado momento de nossa existência somos pura “id”. Ou seja, em tenra idade somos movidos por desejos, vontades e pulsões primitivas, derivados dos instintos descolados de freios éticos e morais.

No entanto, vai-se crescendo, adquirindo humanidade, diferenciando-se dos animais e passando a controlar certos instintos, porque esta é uma condição essencial para viver em sociedade. A convivência e a genética constrói nossa personalidade, explicada pelo aforismo popular de que “filho de peixe, peixinho é” ou por meio dos embates filosóficos que colocam o “homem como o lobo do homem” de Hobbes em contraposição de que “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe” de Rousseau. Na verdade, se quando nascemos somos movidos pelo mais puro instinto, nossa id aos poucos passa a conhecer a animadversão do animalesco e a conviver com os limites que respeito ao direito do outro impõe como necessários para uma vida em harmonia.

A esperança poderia ser considerada um instinto de sobrevivência, ou deveria ser atribuída como um processo cognitivo complexo inerente ao ser humano consciente e inteligente? A resposta depende do quanto somos arrogante em nosso antropocentrismo ao tratar os demais seres vivos como objetos para serem usados a exaustão para o nosso prazer e bem-estar. A esperança que não é dita em palavras pelos animais necessita de nossa inteligência para decifrá-la, ao mesmo tempo que nos ensina que quando se tem esperança luta-se mesmo quando todo o ambiente nos é desfavorável. Ter esperança é acreditar que as situações adversas, por mais severas que sejam, vão passar e que é possível seguir adiante. Talvez isto explique porque a fé pode operar milagres na cura de enfermidades, ou mesmo promover longa sobrevida em doenças desenganadas pela medicina. Nesse sentido, é comum ouvir que determinada pessoa ao receber um diagnóstico terrível entregou-se a doença e em pouco tempo morreu, mas que outra com otimismo e com fé em Deus lutou e venceu a doença ou viveu muito além do que foi vaticinado pela medicina.

Esperança, que é um atributo que nos faz acreditar no impossível, esteja presente em nossas aspirações para 2023. Coloque nela sua fé, mesmo que não creia em Deus, pois se até os ratos conseguem ter fé no impossível, por que nós seriamos tão arrogantes de desmerecê-la e morrer sem experimentá-la, mesmo que seja pelo mais puro instinto.

Feliz 2023.

João Lago