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domingo, 19 de setembro de 2021

Virando a página

Seria uma felicidade humana se todos os caminhos iniciados na vida fossem imutáveis, perpétuos e repletos de prazer. No entanto, sabemos que não é assim, porque empreendedores vão falência, o empregado é demitido, cursos na metade são abandonados e os relacionamentos amorosos são desfeitos, todos trazendo muito sofrimento a depender da expectativa inicial em relação ao tamanho da frustração em ser forçado a abandonar o que iniciou como uma conquista ou projeto de vida.

Vivemos em uma sociedade na qual o sucesso é condição essencial para ser feliz e hoje as redes sociais servem como vitrine para essa felicidade. Essa exposição do privado traz angústia quando as coisas não caminham para uma publicação feliz nos “stories”, pois se antes a preocupação era a vergonha de admitir o infortúnio em família, do tipo “o que eu vou dizer lá em casa”, com as redes sociais é expor o fracasso para um universo de pessoas não tão íntimas. Eu sou de uma geração que viveu mais de trinta anos de sua vida sem as redes sociais e quando as coisas não iam lá muito bem a comunicação não era instantânea e poucas eram as pessoas que recebiam as más notícias. Era comum toparmos nas ruas com algum conhecido e haver esse tipo de conversa:

- Você tem visto a fulana?

- Tu não sabes menina? Ela separou do marido! Ele amigou com a empregada da família vinte anos mais nova que ela. Um escândalo!

As redes sociais como Facebook, Instagram, Linkedin etc., são os fofoqueiros de plantão que são alimentados pelo próprio indivíduo que ´publica o fim do relacionamento, a perda do emprego, o fracasso nos negócios. No entanto, ainda que não se publique esses fatos, existem detetives virtuais que atuam como verdadeiros Sherlock Holmes atentos para uma eventual ausência de publicações ou analisam detalhadamente as declarações ou fotos publicadas buscando ver o quê foi apagado, ou quem foi “deletado” e “cancelado”. A depender das condições traumáticas que envolvem os eventos infelizes, talvez o que se menos deseje é dar publicidade aos mesmos. Porém, não me considero radicalmente contra as redes sociais, mas acredito que antes de fazê-las o diário de sua vida deva-se sopesar os riscos emocionais de uma vida exposta.

Virar a página não é uma tarefa fácil quando além do dissabor vem junto a negação, vergonha, melancolia e o medo do futuro, quando a vida parece perder o sentido e fica-se tão preso ao presente e nada, absolutamente nada, parece ser capaz de trazer de volta a autoestima. A psicóloga suíça naturalizada americana Elisabeth Kübler-Ross desenvolveu um trabalho brilhante sobre as etapas do lutos, descrevendo-as como negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Conceitualmente a descrição de cada um sentimento que envolve uma perda até a última fase aceitação parece bastante factível, mas discordo que a psique humana possa respeitar sistemas estanques tão bem definidos. Duas décadas antes de Kübler-Ross, o psicólogo americano Abraham Maslow também buscou hierarquizar as necessidades humanas em básicas, psicológicas e de realização pessoal, mas ambas as abordagens ignoram que os sentimentos são matizes que podem reunir duas ou mais etapas de qualquer hierarquização. Significa que no luto podem vir juntas a negação, raiva e depressão, assim como alguém que não tenha suas necessidades básicas supridas, ainda assim em algum aspecto de sua vida sinta-se realizado. No entanto, o tempo é a peça chave para transpor as fases do luto e pode ser considerado doença da alma caso o sofrimento se prolongue por muito tempo, ou em outras palavras, até que se possa virar a página.

O luto pela perda do emprego, do fracasso nos negócios ou pelo fim de um relacionamento são equivalentes a depender do desequilíbrio que trazem para nossas vidas. Há pessoas que reagem bem passando pelo luto e logo estão novamente a planejar uma nova trajetória de vida, reinventando-se face as oportunidades que surgem ou são criadas. Por outro lado, há pessoas que não conseguem reagir e vão precisar de ajuda para novamente sentirem-se bem consigo mesmas e não há uma fórmula mágica para isso. Portanto, não tem este texto a pretensão de ser um manual para solução desses problemas.

Virar a página passa pela aceitação que não somos capazes de controlar os acontecimentos que não dependem de nossos próprios esforços. Assim, por mais que sejamos otimistas, faz parte de um exercício de autoconhecimento nos colocarmos mentalmente enfrentando o que mais nos pode angustiar, mesmo que a nossa avaliação coloque como remota a possibilidade desse evento ruim acontecer. Nesses casos, deve-se buscar a constante capacitação profissional enquanto empregado ou empreendendo, ou engajar-se em atividades que aumentem a autoestima mesmo durante um relacionamento amoroso feliz. Muitos deixam para buscar essas coisas após o fracasso e outros sequer conseguem movimentar-se para tal e caem em depressão. Virar a página não se traduz em ações que são tomadas após o evento infeliz, mas o quanto nos preparamos para enfrentar essas decepções. Pegar em uma enxada para quem nunca trabalhou no campo traz calos dolorosos, mas se deixamos antecipadamente as mãos bem calejadas o trabalho braçal até poderá ser extenuante, mas não será de tão grande sofrimento.

Como dito anteriormente não há uma fórmula mágica para evitar sofrimentos que levem a depressão, mas o exercício de valorizar o que mais é importante em nossa vida e nos imaginarmos sem pode atuar tal como uma vacina na criação de anticorpos, neste caso, de imunidades emocionais.

João Lago

domingo, 12 de setembro de 2021

A viagem em busca do amor

Amor, quatro letras cujo significado já foi tão explorado por poetas, filósofos, religiosos, psicanalistas, porém essa expressão do sentimento humano ainda parece tão carente de explicação. Poderia começar a destrinchar o amor pelo significado platônico, daquele que somente ama o que verdadeiramente não possui. O amor invejoso que deseja ardentemente o que não é seu, mas, da mesma forma que anseia, o abandona tão rapidamente ao possui-lo. O amor efêmero da paixão fugaz que evapora como água ao sol escaldante do egoísmo. No entanto, amar dessa maneira não explicaria corretamente aquele amor duradouro e desinteressado.

O filósofo Aristóteles, ao contrário de Platão, não tratou explicitamente o significado do amor, mas abordou a felicidade humana como um processo do equilíbrio entre o abundante e o escasso. Desta forma, o amor momentâneo de Platão daria lugar a uma atitude racional em colocar significado ao que deseja a fim de alcançar a felicidade, pois o ser humano em desequilíbrio no que ambiciona jamais encontrará a felicidade. No entanto, alguém poderia dizer que essa tentativa de racionalizar os desejos levaria a um amor repleto de hipocrisia. Talvez, a frustração de quem possa imaginar que a busca do equilíbrio esteja errada, porque jamais em sua vida fez uma reflexão profunda do que deseja para si na máxima socrática: “conhece a ti mesmo” no que vou tentar exemplificar com uma experiência pessoal.

Aos dezoito anos sai de Manaus muito cheio de sonhos em realizações pessoais e fui para Boa Vista – Roraima. Era a minha primeira experiência em sustentar-me como o meu trabalho e sem qualquer ajuda de terceiros. Coisas simples como pagar o aluguel, as contas da casa, alimentar-me e, sempre que possível, gozar algum lazer. Os bens materiais logicamente permeiam os desejos de sucesso e que mais queria é ter um automóvel, mas não poderia ser qualquer carro. Teria que ser aquele considerado o melhor em sua categoria e um dia expressei esse desejo a um amigo já em situação financeira bem melhor que a minha. Contudo, no lugar de concordar comigo, disse-me que o seu sonho era possuir um mais básico da categoria e via brilho em seus olhos. Duvidei e perguntei, com tantas opções melhores de veículo, qual o sentido em escolher o mais básico e sem muitos opcionais, ao que me respondeu: “porque esse eu vou conseguir comprar”. Nessa época, ainda pouco conhecia da vida e o meu interesse pela filosofia era uma tábua rasa, mas imediatamente percebi que a felicidade está em valorizar o acessível a partir da racionalização de nossas expectativas. Saber quem eu sou, do que sou capaz e buscar a felicidade a partir das minhas escolhas, mesmo que não sejam aquelas que os outros possam valorizar.

O amor aristotélico é norteado pelas virtudes nas quais não se ama o inalcançável, mas a quem (ou aquilo) que nos possa trazer felicidade. Assim, nas relações afetivas também o amor passa por um processo racional na qual a estética seja o menos importante e neste caso acredito que algumas mulheres acertam ao definir (melhor do que os homens) o objeto de seus desejos. Algumas nomeiam como o homem ideal alguém que seja divertido, honesto, trabalhador, fiel e muito superficialmente abordam aspectos físicos, É bem verdade que jamais estarei presente em uma reunião só de mulheres para ter certeza que são essas as qualidades desejadas, mas são as que algumas socialmente expressam. No entanto, em reuniões masculinas o que menos interessa são as virtudes de uma mulher quando o assunto é desejo. O correto no sentido do amor aristotélico seria o homem amar não a beleza de uma mulher, mas suas virtudes porque essas não se esvaem com o tempo. A bem da verdade, toda a beleza é efêmera (feminina ou masculina) é isso já está no senso comum.


Não poderia finalizar este breve ensaio sobre o amor sem abordar Paulo de Tarso em I Coríntios 13, que corresponde ao amor Ágape. Talvez, para diferenciá-lo de um sentimento mundano, a versão católica do texto sagrado tenha substituído amor por caridade. Ainda assim, não tira a beleza que o apóstolo Paulo confere ao amor pregado por Cristo que faz da verdadeira felicidade aquela capaz de fazer bem ao outro. Amar desta maneira, como Jesus amou, vai além da ética de Aristóteles, Sócrates e Platão baseada no hedonismo ou nas virtudes, pois o amor verdadeiro em Cristo é desinteressado do sujeito passivo da ação de amar. Para ser mais claro, não se espera nada em troca daquele que se ama. Infelizmente o amor Ágape parece uma ficção, mas são as utopias que nos apontam como os conflitos humanos nos distanciam do ideal, neste caso do amor verdeiro.

O amor é como a bagagem de um viajante que não cabe muita coisa, portanto a depender do objetivo da jornada às vezes leva-se somente o necessário para bem aproveitá-la. Se for para diversão levamos na mala uma boa quantidade de desejos hedônicos não tão compromissados com as virtudes. No entanto, se o objetivo da viagem for a busca de uma felicidade duradoura, o que mais pesará na bagagem serão as virtudes e o desejo de fazer feliz ao outro. Assim, antes de escolher um companheiro para uma viagem pergunte o que ele está carregando em sua mala, pois a depender da resposta talvez se evite uma grande frustração.

João Lago

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

O Grande Golpe

Bolsonaro encerrou sua carreira como militar após ser acusado de planejar atentados que visavam aumentar os salários de militares como ele. Além de colocar bombas em quartéis, planejou explodir a adutora de Gandú que abastece até hoje de água potável a cidade do Rio de Janeiro. Na época foi encontrado um croqui com todo o esquema criminoso, cuja grafia foi atribuída a Jair Bolsonaro. No entanto, apesar do laudo da Polícia Federal atestar como de Bolsonaro os grotescos desenhos, o então capitão do exército foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar – STM em junho de 1988. Em entrevista ao Portal G1 em 31 de julho de 2019, o jornalista Luiz Maklouf, autor do livro O Cadete e o Capitão, relata que a aversão que os militares do STM tinham da imprensa foi decisiva para a absolver Jair Bolsonaro. No entanto, todo esse processo que se instalou contra Bolsonaro no STM não se originou de um bombástico jornalismo investigativo, mas a partir de uma entrevista que o então capitão deu voluntariamente a Revista Veja. Logicamente, covardemente o capitão no julgamento negou sua participação e os militares em um misto de espírito de corpo e ojeriza a imprensa absolveram o protótipo de talibã. Ao final, Bolsonaro tornou-se um “mito” para os militares de baixa patente e foram esses que o elegeram pela primeira vez como vereador do Rio de Janeiro nas eleições de 1988.

Com um cargo eletivo Bolsonaro fugiu da carreira militar como o seu próprio filho relatou na biografia do pai (Mito ou Verdade: Jair Messias Bolsonaro) na qual afirmou: “foi candidato a vereador porque calhou de ser a única opção que possuía no momento para evitar que fosse vítima de perseguição por parte de alguns superiores”. Na política Bolsonaro entrou e nunca mais saiu, sendo sempre um político temático, ligado a um eleitorado cativo de policiais civis, militares e adotando um discurso de desprezo pela vida e ao estado democrático de direito. Uma demonstração disso é a entrevista que o então deputado federal Bolsonaro deu ao programa Câmara aberta da TV bandeirantes em 1999 dizendo: “o voto não vai mudar nada no Brasil (…) só vai mudar quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns trinta mil”. Esse ódio beligerante que Bolsonaro carrega o fez aproximar-se policiais milicianos e participantes de grupo de extermínio como já amplamente divulgado pela imprensa. Aliás, a imprensa hoje é o calcanhar de aquiles do presidente, por expor todo o seu desgoverno na economia, na política e no combate a pandemia de covid-19. Tanto que constantemente ofende jornalistas, inclusive incitando o ódio de seus seguidores contra os tradicionais veículos de comunicação.

A incapacidade de Bolsonaro, desde o início de seu governo, em conviver com opiniões divergentes o fizeram expurgar vários colaboradores e companheiros de campanha ao longo do tempo. A lista é extensa e inclui governadores, deputados, militares e grande parte do eleitorado que o elegeu em 2018 já abandonou o barco do bolsonarismo, conforme demonstrado em todas as recentes pesquisas de opinião. No entanto, mesmo que o conjunto da obra demonstre que a politica do confronto permanente é a razão do fracasso desse governo, Bolsonaro não consegue sair do círculo vicioso de crises que alimenta sua base alienada e sedenta de ódio. Neste sentido, vemos líderes religiosos, que encontraram guarida de sua intolerância no bolsonarismo, agindo como jihadistas lançando fatah (guerra santa) contra o feminismo, em desfavor dos direitos de homossexuais e de intransigência pelas religiões de matrizes africanas como forma de reafirmação de dogmas medievais. Esses fariseus estimulam seus fiéis a participarem dos atos antidemocráticos programados para sete de setembro porque veem em Bolsonaro um igual. Somam-se a esses os saudosistas da ditadura militar que ainda vivem em plena Guerra Fria porque desconhecem que o muro de Berlim deixou de existir em 1989. Para esses a ameaça comunista é tão real quanto a certeza que a Terra é plana.

Bolsonaro sempre demonstrou um comportamento perigosamente amalucado e desde o início de sua carreira militar, política deixou claro que o seu maior incomodo era ganhar pouco. Porém, foi exitoso em enriquecer com supostos desvios de verbas de gabinete, como evidenciam todas as denúncias de peculato que hoje tramitam na justiça. Neste sentido, Bolsonaro poderia aposentar-se na política sendo o que é para o seu eleitorado fluminense igualmente amalucado, miliciano e fanático religioso, mas coube a uma facada e aos erros dos governos Lula e Dilma colocá-lo com uma alternativa viável contra o antipetismo. Infelizmente Bolsonaro foi eleito e no atual momento político não tem nada a perder, pois está cada vez mais evidente que fora da presidência o que lhe aguarda é a prisão. Assim, a única alternativa que tem é promover um golpe, não para proteger o Brasil de uma ameaça comunista destruidora do capitalismo e da tradicional família brasileira, mas para tentar varrer para debaixo do tapete toda a podridão de décadas de sucesso financeiro de um político típico do Centrão.

João Lago