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domingo, 28 de maio de 2023

CAMA DE PREGOS


Na esteira das manifestações de repúdio ao racismo direcionado ao Vini Júnior na Espanha, o “humorista” Léo Lins foi intimado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a retirar de suas redes sociais vídeos de piadas acerca da escravidão. Sim, apesar de todo o esforço civilizatório feito no Brasil para que gritos racistas e homofóbicos sejam abolidos dos estádios de futebol, existe um público que deseja um local livre para exercer toda espécie de preconceitos. Não se engane, pode ser perturbador mas um vizinho, conhecido, colega de trabalho ou um parente próximo deve achar uma violência alguém não poder expressar livremente escárnio contra negros e homossexuais. Esses também elegeram o “politicamente correto” como um inimigo da liberdade de expressão e estavam órfãos de alguém que pudesse reverberar todo ódio contra qualquer minoria.

Quando voltamos um pouco no tempo, lá pelos idos de 2016, nos protestos na avenida Eduardo Ribeiro em Manaus que pediam o impeachment de Dilma Rousseff, observava-se um pequeno grupo calçando botas de coturno, vestindo uniforme militar camuflado e com faixas pedindo golpe militar. Ainda bem distante dos crimes dos atos antidemocráticos, essa gente estranha quase não era notada, mas que já ensaiava perder o pudor e ávida em associar-se a uma corrente política que os acolhesse. Naquela época parecia improvável que algum partido ou movimento social de direita os adotasse, mas eis que um deputado suspeito de corrupção, inexpressivo do baixo clero que ganhava notoriedade frequentando programas de humor duvidoso e de variedades na TV, destilando discurso homofóbico, saudoso da ditadura militar e com relações de intimidade com milicianos do Rio de Janeiro, apresenta-se como aglutinador dessa gente e mesmo sem um passado moralista cristão torna-se o xodó de nove a cada dez pastores neopentecostais. Assim, sob a justificativa de “defensor de liberdades”, as vozes homofóbicas e racistas também se veem acolhidas pelo bolsonarismo. É importante que se diga que Bolsonaro não inaugurou uma ideologia política, apenas demonstrou-se tolerante e catalisador de gente reprimida por correntes civilizatórias.

O tsunami de solidariedade internacional que Vini Júnior recebeu em repúdio aos ataques racistas que sofreu na Espanha, ao mesmo tempo que algumas pessoas, dessas que emergiram do pantanal da extrema direita, buscam suavizar falas criminosas racistas e homofóbicas como exercício de “liberdade de expressão”. Não se engane, essas vozes vieram para ficar e mesmo que o “mito” não tenha sido eleito, a amálgama estúpida, odiosa e preconceituosa colocou no Congresso Nacional uma turba que os representa. São pessoas completamente desclassificadas e que pouco conhecem das atribuições necessárias para o exercício de um mandato, mas que se comunicam nas redes sociais de forma a manter vivo o bolsonarismo, mesmo em um momento em que o seu líder máximo sem a imunidade parlamentar mostra-se covardemente calado e com medo de acabar na cadeia.

Escrever uma resenha que aborde um assunto escabroso e muito comentado traduz-se em um desafio que se assemelha a colocar mais um prego em uma cama de faquir. No entanto, ao falar de racismo, utilizando-se da mesma metáfora, quanto mais acolchoada de pregos menos dolorido torna-se o deitar, ou seja, quanto mais vozes formarem coro de repúdio ao ódio nefasto contra pretos e pardos, mais suave torna-se o tecido social para aqueles que tem mais melanina na pele.

João Lago