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quarta-feira, 20 de maio de 2020

Cloroquina é o placebo da política de Bolsonaro


Sabemos que dentre os organismos orgânicos complexos, eucariontes que habitam este terceiro planeta de nosso sistema solar, mais precisamente o único mamífero bípede que tem em suas células vinte e três pares de cromossomos, o ser humano é o único que expressa a consciência da sua existência. No entanto, pensar o existir de forma metódica veio a partir de “cogito, ergo sum”, que traduzido do latim é “penso, logo existo”, do filósofo francês René Descartes. Nesse primeiro ensaio racional da existência pela consciência, Descartes coloca o ser humano com um ser crítico das verdades óbvias, ou seja, nem tudo aquilo que se pode ler, provar, ouvir ou sentir não há de ser considerado verdadeiro sem antes passar pelo crivo da ciência. Isto significa que podemos ser enganados por nós mesmo pela necessidade de acreditar em algo que nos possa ser mais agradável.

Passado mais de três séculos após a morte de Descartes, em plena era da informação, assistimos boquiabertos tantos paradigmas, que foram construídos pela ciência, serem desconstruídos sem qualquer base de raciocínio lógico, método, experimentação científica e crítica, por pessoas que negam essa premissa que nos faz diferente de qualquer animal quadrúpede: O raciocínio crítico de nossa incapacidade de criar conhecimento pelo simples pensamento.

A consciência nasce a partir da aceitação de que nada que nos rodeia pode ser factual sem que possamos compreender as variáveis que compõem determinado fenômeno. Por exemplo, imaginemos uma tribo primitiva da Amazônia, dessas de índios isolados que não tiveram contato com o “homem civilizado” e que veem cruzar os céus um avião. A princípio podem duvidar que seja uma ave, pois o senso comum diz que os pássaros batem as asas. No entanto, um deles poderá dizer que o ruído do motor é o gralhar daquela ave prateada e, portanto, deverá ser mais uma criatura da natureza que habita os céus. No meio das opiniões divididas o xamã, que é o sábio da tribo dirá: Voa como um pássaro, gralha como um pássaro, é um pássaro. Um índio se oferece para seguir o avião e encontrar o seu ninho e ter mais uma evidência que seja uma ave, mas o xamã manda açoitá-lo e prendê-lo por divergir do iluminado, o sábio da tribo.

O dono da verdade é aquele que não aceita a divergência e nega a experimentação científica, ou pela ignorância, ou na ânsia por uma resposta acomoda-se com a mais óbvia. Durante dois mil anos ensinou-se nas escolas que a vida surgia de uma forma espontânea e o exemplo disto era uma carne exposta ao tempo que depois de alguns dias dela surgiam vermes. Era tão fácil acreditar nisto, porque qualquer pessoa poderia repetir o experimento e chegar a mesma conclusão, além de tal teoria ter sido defendida por alguém nada menos que Aristóteles, o grande xamã da Grécia Clássica. No entanto, um certo italiano chamado Francesco Redi, em 1668, resolveu cobrir com tela a carne em putrefação e percebeu que dali nada surgia, chegando a conclusão que se as moscas não tivessem acesso à carne não haveria a geração espontânea da vida. Francesco não sabia que os vermes eram larvas das moscas, mesmo porque a microscopia usada na ciência, que poderia identificar os ovos das moscas, ainda estava engatinhado na Inglaterra por meio das observações de Robert Hooke. Outra verdade que perdurou por séculos foi a teoria da terra plana, mas que hoje volta a conquistar muitas pessoas que preferem acreditar nos que os seus olhos podem ver, negando toda a tecnologia e as evidências mais elementares da esfericidade da Terra, mas isso é uma outra história.

O negacionismo pode ser placebo que tem como fórmula a ignorância, mas sempre haverá os estelionatários que se valem do raso conhecimento alheio, desespero ou ganância para ter sucesso financeiro. Alguns líderes religiosos, por exemplo, atuam nesse sentido, nadando de braçadas em uma legislação frouxa quanto ao enriquecimento de bispos, pastores e apóstolos que vendem a prosperidade na terra a preço de ouro com uma esperança futura de uma gleba no paraíso. Essa facilidade de sedução foi também que permitiu que esses mesmos líderes religiosos começassem a ter influência política, pois com um público tão cativo e obediente logo se percebeu que além de poder financeiro poderiam também obter poder político. Aliado a isso, considerando a existência de uma banda oportunista e corrupta na política brasileira, gerou a aproximação dessa da ala “religiosa” com uma súcia de políticos na qual foi pinçado como representante o mais abjeto, caricato, incompetente e antidemocrático político do baixo clero que se tem notícia.

O que comprova esse estelionato é o fato desse representante ter sido apresentado como contra a corrupção, defensor da família e dos bons costumes. Todos os fatos levantados até aqui pela imprensa livre já demonstraram que Bolsonaro não é alguém a mais do mesmo antro político, mas um sujeito que se destaca por não temer perder apoio popular enquanto as hostes religiosas, antidemocráticas e corruptas que o sustentam permanecerem fiéis. Nesse sentido, demonstrou-se competente em manipular com mentiras e desinformação qualquer assunto envolvendo pessoas ou ideias. Assim, sob essa édge, Bolsonaro aproximou-se do Centrão, que é um grupo fisiologista da política, cujo apoio está a venda, assim como a venda estão as mulheres das vitrines da luz vermelha de Amsterdã. Porém, essas mulheres merecem nosso respeito porque não enganam ninguém e muitas delas têm profunda vergonha do que fazem, sendo o oposto dos políticos do centrão.

A racionalidade que nos torna singular parece totalmente corrompida pelo obscurantismo religioso e político, mas não se engane pensando que esse movimento irracional browniano está totalmente desprovido de lógica. A razão da manutenção da tensão e de ataques constantes a todos que não se aliam ao governo é uma maneira de manter fiéis aqueles que restaram do caldo bolsonarista que foi derramado com a saída de Sérgio Moro e de tantos outros que já serviram de base de apoio. Já a relutância em adotar a ciência médica no combate ao covid-19, a leitura é que se a prosperidade é uma dádiva aos fiéis, a defesa da vida por meio do distanciamento social é um entrave para a felicidade que advém do dinheiro. Porém, não se pode mandar as pessoas para a rua sem uma proteção, ou alento, caso venham a ficar doentes. É justamente nesse detalhe que Bolsonaro insiste em receitar a cloroquina, pois assim daria a certeza que a fé no líder religioso mais a cloroquina será capaz de blindar o indivíduo de uma morte prematura.

As verdades podem parecer óbvias e temos a certeza que dessa carne putrefata não brotará nada de novo, mas enquanto não cobrirmos nossa democracia com o véu espesso da legalidade, da verdade e da ética, essas moscas varejeiras continuarão a depositar os seus ovos e a se reproduzirem sob a dor de uma nação que chora os seus mortos. Eu tenho certeza que se Bolsonaro obrigar as pessoas que hoje estão reclusas a saírem as ruas, novamente teremos uma multidão nas ruas pedindo a sua deposição e prisão em maior número do que os trezentos de Brasília. Estamos confinados, mas não duvide de nossa disposição de lutar pela democracia.

João Lago

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