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segunda-feira, 4 de maio de 2020

O paradoxo da saída de um fechamento que nunca aconteceu


A pandemia do novo coronavírus, segundo o trends top do Google, uma espécie de termômetro que mede as buscas realizadas pelos internautas, no dia 27 de abril tinha o “fim do coronavírus” e “quanto tempo o coronavírus fica no corpo” respectivamente como os termos mais pesquisados. Estavam entre 140% e 500% acima dos demais termos pesquisados. Os dois termos evidenciados pelo Google refletem as duas maiores preocupações dos brasileiros que estão em isolamento e daqueles que estão com os sintomas do vírus. O primeiro grupo fatigado pela quase prisão domiciliar e o segundo com os sintomas da doença e contando os dias na esperança que a falta de ar termine, ou que nunca venha a se manifestar. Uma outra análise sobre a diferença entre 140% e 500% é aquela que parece indicar que havia muito mais pessoas doentes querendo saber se sobreviveriam ao vírus, em vez de pessoas preocupadas com quanto tempo de isolamento social ainda seria necessário. Pode ser uma mera especulação, mas em tempos de subnotificação de casos, aliada a quantidade anormal de sepultamentos, a busca de informação do tempo do vírus no corpo pode indicar uma maior quantidade de pessoas infectadas.

O ministro da saúde Nelson Teich, em declaração na última quarta-feira (29/04), afirmou que não é possível saber quando será o pico de casos no país e que uma segunda onda da pandemia é real. Outro ponto abordado por Teich é a dúvida da imunização do indivíduo após ter passado pela doença, ou seja, existe a possibilidade de quem se diga curado possa adoecer novamente. Nunca a ciência esteve tão no escuro quanto as estratégias de enfrentamento de um vírus altamente contagioso e com a capacidade de colapsar qualquer sistema de saúde, seja ele de primeiro mundo ou não. A Itália, Espanha e Inglaterra não suportaram a quantidade de pacientes em suas UTIs e mesmo a cidade da maior potência mundial sucumbiu. Os hospitais de Nova Iorque não deram conta da avalanche de doentes graves e a pandemia nos EUA parece estar fora de controle.

Nesse final de semana a Espanha, depois de decretar o confinamento nacional em 14 de março, hoje começou a flexibilizar a quarentena imposta ao país após mais de 25.000 mortes. A Itália, primeiro país ocidental a ser considerada o epicentro da doença, depois de registrar mais de 28.000 óbitos também ensaia sair da quarentena após redução do número de mortes. Essa liberação de ambas somente acontece porque os hospitais desafogaram os leitos e a velocidade do contágio diminuiu, mas enquanto não houver uma vacina para o covid-19 o perigo de uma nova onda é um risco que precisa ser bem calculado. Quanto a Inglaterra, depois dos médicos terem declarado que haviam preparado antecipadamente uma nota anunciando o possível falecimento de Boris Johnson, depois que o mesmo foi internado na UTI, indica que o premiê ter sentido na pele os efeitos da doença tenha modificado sua percepção quanto a letalidade do vírus. Antes relutante em iniciar o lockdown (quarentena), Boris Johnson achava ser possível um “isolamento vertical”, uma fantasia retórica que acredita conter o contágio somente isolando grupos de risco. A explosão de números de internações pela covid-19 colocou a Inglaterra em lockdown desde 23 de março, mas depois de 28.000 mortes e mesmo apresentando redução de internações, segundo publicação da BBC News em 27 de abril, Boris Johnson resiste flexibilizar afirmando que ainda era cedo para aliviar restrições, pois teme uma nova onda de infecções, mortes e novo colapso do sistema de saúde.

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, Donald Trump, que adotava idêntico negacionismo de Johnson, vê uma epidemia que destrói qualquer argumento que insiste colocar pessoas nas ruas e domar a curva de contágio e mortes ao mesmo tempo. O resultado dessa insistência perversa são mais de 67.000 mortes nos EUA e com possibilidade de ultrapassar o número de mortes de Itália, Espanha e Inglaterra juntas. Porém, Donald Trump agora empenha-se em negar o seu negacionismo e repete a receita dos incompetentes: buscar achar um culpado e tem como alvos a imprensa, a Organização Mundial da Saúde e a China. Porém, todas as imagens que mostram Trump subestimando o novo coronavírus voltam para desmenti-lo e restabelecer a verdade.

Olhar para o contexto nacional e internacional buscando informações, modelos e experiências que possam indicar de como agir localmente em nossas cidades é crucial para reduzirmos as mortes pelo colapso hospitalar e o mais rapidamente abrir os serviços, comércios e indústrias que estão parados pela falta de demanda. Não se pode desejar combater o vírus reduzindo parcialmente a circulação de pessoas insistindo em um tipo de isolamento parcial porque já se sabe que o vírus apenas espera um descuido de uma mão contaminada ser levada à boca, ao nariz ou aos olhos. E o vírus pode estar em qualquer lugar e com uma característica sinistra de indivíduos infectados e que sem sintomas algum podem transmitir a doença.

O governador do Amazonas Wilson Lima, em decreto assinado em 30 de abril, prorrogou para 13 de maio um fechamento parcial dos comércios e serviços que havia iniciado em 23 de março. O grande erro é a quantidade de estabelecimentos autorizados a funcionar como delivery o que implica em colocar pessoas circulando no transporte público, pois entregar em casa também requer alguém que se desloque até o local de trabalho. Outro ponto importante é que o decreto não cuidou para impedir que pessoas ocupassem locais públicos, como praças, campos de futebol em bairros e mercadinhos que, mesmo vendendo alimentos, tem nas suas calçadas mesas servindo bebidas, alimentos e gente desnecessariamente reunida contrariando a intenção do decreto. Não houve uma intervenção sistemática da Polícia Militar para impedir que as pessoas circulassem, mesmo porque já havia bastante pessoas nas ruas circulando pelo próprio fechamento parcial.

O resultado deste fechamento desastrado e anticientífico é que as mortes continuam acontecendo em hospitais superlotados, colapsando o sistema funerário e provocando a falta de medicamentos nas farmácias, mesmo após 41 dias de um pseudo “fechamento” e será completamente inócuo prorrogar por mais 51 dias desta forma. Ao final, poderá dar a falsa conclusão que o isolamento social não funciona. No entanto, como bem disse Arthur Virgílio Neto, prefeito de Manaus, como se pode afirmar que vai reabrir o que nunca verdadeiramente foi fechado? Essa interrogação aponta que a atitude do governo do Amazonas, no enfrentamento ao vírus visando desafogar o sistema de saúde, resultou em um imenso fracasso. Embora políticos amazonenses já tenham pedido o impeachment de Wilson Lima, não identifico vozes que se somem a necessidade de um lockdown efetivo em toda a cidade de Manaus por pelo menos 30 dias.

Infelizmente ainda não temos um paradigma de lockdown em nenhuma cidade do Brasil, mesmo em São Paulo de João Dória e o Rio de Janeiro de Wilson Witzel que também adotaram um isolamento light, mas com a diferença que São Paulo obteve no início uma maior adesão popular, mas que infelizmente está sendo relaxada com o passar do tempo em uma espécie de desobediência civil. Em parte essa defecção tem origem na mensagem desastrada e criminosa de Jair Bolsonaro que insiste em pregar uma volta ao trabalho com os hospitais lotados. O presidente Bolsonaro agora contradiz o seu atual ministro da saúde Teich, assim como antes contradizia o seu ex-ministro Mandetta. E o mais nefasto é que Bolsonaro destitui Mandetta visando retirá-lo o protagonismo do combate ao covid-19, mas se recusando a ocupar esse lugar de destaque como líder. Ao contrário, podemos considerar Bolsonaro com o mais forte aliado do novo coronavírus e responsável pela desobediência sanitária que impera entre seus apoiadores. Bolsonaro pode ter afirmado que não é coveiro, mas se comporta como Caronte, o barqueiro de Hades (deus grego do subterrâneo), que se empenha em levar os vivos para a morte. Esse é o papel de Bolsonaro que na sua perversidade, ou psicopatia, não reconhece que a forma mais rápida do país voltar abrir a economia passa pela necessidade de um lockdown. Basta pesquisar exemplos como Nova Zelândia e Paraguai, que fecharam por 30 dias e, agora como baixos casos confirmados da doença e com hospitais desafogados, planejam reabrir, mas com muito cuidado e monitorando a possibilidade de novas infecções.

Na insanidade do governo federal, personificada em Jair Bolsonaro, o protagonismo no combate ao covid-19 deve ser abraçado por aqueles que vivem nas cidades. Será em nossos hospitais que buscaremos atendimento, será nas farmácias de nossas ruas que buscaremos medicamentos e em nossos cemitérios que sepultaremos nossos mortos. O mínimo que esperamos é encontrar esses serviços disponíveis para que não perecermos nas portas do hospitais, ou em casa por falta de remédios e ao final sermos enterrados em uma vala comum como um indigente.

Um raio de racionalidade parece despontar no Maranhão, onde o governador Flávio Dino anunciou que desde primeiro de maio cumprirá a decisão do poder judiciário que decretou lockdown na Grande São Luiz, com o apoio da polícia militar mandando as pessoas de volta para suas casas. Flávio Dino declarou: “quanto ao descumprimento, todos serão objetos de sanções administrativas, multas e comunicação do poder judiciário. Agora, quem insistir no cumprimento de apenas orientações políticas, insensatas, estará simultaneamente infringindo normas estaduais e descumprindo a decisão do Poder Judiciário.

A sorte nunca foi lançada para nós brasileiros, amazonenses e manauaras, pois apesar de todos os exemplos de fracassos e êxitos do exterior, insistimos no pior caminho que leva a dor e ao sofrimento. A única saída é aquela que nos coloca em casa diminuindo o contágio e a morte do vírus no ambiente. Qualquer discurso diferente disso está carregado de má-fé, ignorância ou perversidade.

João Lago

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