A
pandemia do novo coronavírus, segundo o trends top do Google, uma
espécie de termômetro que mede as buscas realizadas pelos
internautas, no dia 27 de abril tinha o “fim do coronavírus” e
“quanto tempo o coronavírus fica no corpo” respectivamente como
os termos mais pesquisados. Estavam entre 140% e 500% acima dos
demais termos pesquisados. Os dois termos evidenciados pelo Google
refletem as duas maiores preocupações dos brasileiros que estão em
isolamento e daqueles que estão com os sintomas do vírus. O
primeiro grupo fatigado pela quase prisão domiciliar e o segundo com
os sintomas da doença e contando os dias na esperança que a falta
de ar termine, ou que nunca venha a se manifestar. Uma outra análise
sobre a diferença entre 140% e 500% é aquela que parece indicar que
havia muito mais pessoas doentes querendo saber se sobreviveriam ao
vírus, em vez de pessoas preocupadas com quanto tempo de isolamento
social ainda seria necessário. Pode ser uma mera especulação, mas
em tempos de subnotificação de casos, aliada a quantidade anormal
de sepultamentos, a busca de informação do tempo do vírus no corpo
pode indicar uma maior quantidade de pessoas infectadas.
O
ministro da saúde Nelson Teich, em declaração na última
quarta-feira (29/04), afirmou que não é possível saber quando será
o pico de casos no país e que uma segunda onda da pandemia é real.
Outro ponto abordado por Teich é a dúvida da imunização do
indivíduo após ter passado pela doença, ou seja, existe a
possibilidade de quem se diga curado possa adoecer novamente. Nunca a
ciência esteve tão no escuro quanto as estratégias de
enfrentamento de um vírus altamente contagioso e com a capacidade de
colapsar qualquer sistema de saúde, seja ele de primeiro mundo ou
não. A Itália, Espanha e Inglaterra não suportaram a quantidade de
pacientes em suas UTIs e mesmo a cidade da maior potência mundial
sucumbiu. Os hospitais de Nova Iorque não deram conta da avalanche
de doentes graves e a pandemia nos EUA parece estar fora de controle.
Nesse
final de semana a Espanha, depois de decretar o confinamento nacional
em 14 de março, hoje começou a flexibilizar a quarentena imposta ao
país após mais de 25.000 mortes. A Itália, primeiro país
ocidental a ser considerada o epicentro da doença, depois de
registrar mais de 28.000 óbitos também ensaia sair da quarentena
após redução do número de mortes. Essa liberação de ambas
somente acontece porque os hospitais desafogaram os leitos e a
velocidade do contágio diminuiu, mas enquanto não houver uma vacina
para o covid-19 o perigo de uma nova onda é um risco que precisa ser
bem calculado. Quanto a Inglaterra, depois dos médicos terem
declarado que haviam preparado antecipadamente uma nota anunciando o
possível falecimento de Boris Johnson, depois que o mesmo foi
internado na UTI, indica que o premiê ter sentido na pele os efeitos
da doença tenha modificado sua percepção quanto a letalidade do
vírus. Antes relutante em iniciar o lockdown (quarentena), Boris
Johnson achava ser possível um “isolamento vertical”, uma
fantasia retórica que acredita conter o contágio somente isolando
grupos de risco. A explosão de números de internações pela
covid-19 colocou a Inglaterra em lockdown desde 23 de março, mas
depois de 28.000 mortes e mesmo apresentando redução de
internações, segundo publicação da BBC News em 27 de abril, Boris
Johnson resiste flexibilizar afirmando que ainda era cedo para
aliviar restrições, pois teme uma nova onda de infecções, mortes
e novo colapso do sistema de saúde.
Enquanto
isso, do outro lado do Atlântico, Donald Trump, que adotava idêntico
negacionismo de Johnson, vê uma epidemia que destrói qualquer
argumento que insiste colocar pessoas nas ruas e domar a curva de
contágio e mortes ao mesmo tempo. O resultado dessa insistência
perversa são mais de 67.000 mortes nos EUA e com possibilidade de
ultrapassar o número de mortes de Itália, Espanha e Inglaterra
juntas. Porém, Donald Trump agora empenha-se em negar o seu
negacionismo e repete a receita dos incompetentes: buscar achar um
culpado e tem como alvos a imprensa, a Organização Mundial da Saúde
e a China. Porém, todas as imagens que mostram Trump subestimando o
novo coronavírus voltam para desmenti-lo e restabelecer a verdade.
Olhar
para o contexto nacional e internacional buscando informações,
modelos e experiências que possam indicar de como agir localmente em
nossas cidades é crucial para reduzirmos as mortes pelo colapso
hospitalar e o mais rapidamente abrir os serviços, comércios e
indústrias que estão parados pela falta de demanda. Não se pode
desejar combater o vírus reduzindo parcialmente a circulação de
pessoas insistindo em um tipo de isolamento parcial porque já se
sabe que o vírus apenas espera um descuido de uma mão contaminada
ser levada à boca, ao nariz ou aos olhos. E o vírus pode estar em
qualquer lugar e com uma característica sinistra de indivíduos
infectados e que sem sintomas algum podem transmitir a doença.
O
governador do Amazonas Wilson Lima, em decreto assinado em 30 de
abril, prorrogou para 13 de maio um fechamento parcial dos comércios
e serviços que havia iniciado em 23 de março. O grande erro é a
quantidade de estabelecimentos autorizados a funcionar como delivery
o que implica em colocar pessoas circulando no transporte público,
pois entregar em casa também requer alguém que se desloque até o
local de trabalho. Outro ponto importante é que o decreto não
cuidou para impedir que pessoas ocupassem locais públicos, como
praças, campos de futebol em bairros e mercadinhos que, mesmo
vendendo alimentos, tem nas suas calçadas mesas servindo bebidas,
alimentos e gente desnecessariamente reunida contrariando a intenção
do decreto. Não houve uma intervenção sistemática da Polícia
Militar para impedir que as pessoas circulassem, mesmo porque já
havia bastante pessoas nas ruas circulando pelo próprio fechamento
parcial.
O
resultado deste fechamento desastrado e anticientífico é que as
mortes continuam acontecendo em hospitais superlotados, colapsando o
sistema funerário e provocando a falta de medicamentos nas
farmácias, mesmo após 41 dias de um pseudo “fechamento” e será
completamente inócuo prorrogar por mais 51 dias desta forma. Ao
final, poderá dar a falsa conclusão que o isolamento social não
funciona. No entanto, como bem disse Arthur Virgílio Neto, prefeito
de Manaus, como se pode afirmar que vai reabrir o que nunca
verdadeiramente foi fechado? Essa interrogação aponta que a atitude
do governo do Amazonas, no enfrentamento ao vírus visando desafogar
o sistema de saúde, resultou em um imenso fracasso. Embora políticos
amazonenses já tenham pedido o impeachment de Wilson Lima, não
identifico vozes que se somem a necessidade de um lockdown efetivo em
toda a cidade de Manaus por pelo menos 30 dias.
Infelizmente
ainda não temos um paradigma de lockdown em nenhuma cidade do
Brasil, mesmo em São Paulo de João Dória e o Rio de Janeiro de
Wilson Witzel que também adotaram um isolamento light, mas com a
diferença que São Paulo obteve no início uma maior adesão
popular, mas que infelizmente está sendo relaxada com o passar do
tempo em uma espécie de desobediência civil. Em parte essa defecção
tem origem na mensagem desastrada e criminosa de Jair Bolsonaro que
insiste em pregar uma volta ao trabalho com os hospitais lotados. O
presidente Bolsonaro agora contradiz o seu atual ministro da saúde
Teich, assim como antes contradizia o seu ex-ministro Mandetta. E o
mais nefasto é que Bolsonaro destitui Mandetta visando retirá-lo o
protagonismo do combate ao covid-19, mas se recusando a ocupar esse
lugar de destaque como líder. Ao contrário, podemos considerar
Bolsonaro com o mais forte aliado do novo coronavírus e responsável
pela desobediência sanitária que impera entre seus apoiadores.
Bolsonaro pode ter afirmado que não é coveiro, mas se comporta como
Caronte, o barqueiro de Hades (deus grego do subterrâneo), que se
empenha em levar os vivos para a morte. Esse é o papel de Bolsonaro
que na sua perversidade, ou psicopatia, não reconhece que a forma
mais rápida do país voltar abrir a economia passa pela necessidade
de um lockdown. Basta pesquisar exemplos como Nova Zelândia e
Paraguai, que fecharam por 30 dias e, agora como baixos casos
confirmados da doença e com hospitais desafogados, planejam reabrir,
mas com muito cuidado e monitorando a possibilidade de novas
infecções.
Na
insanidade do governo federal, personificada em Jair Bolsonaro, o
protagonismo no combate ao covid-19 deve ser abraçado por aqueles
que vivem nas cidades. Será em nossos hospitais que buscaremos
atendimento, será nas farmácias de nossas ruas que buscaremos
medicamentos e em nossos cemitérios que sepultaremos nossos mortos.
O mínimo que esperamos é encontrar esses serviços disponíveis
para que não perecermos nas portas do hospitais, ou em casa por
falta de remédios e ao final sermos enterrados em uma vala comum
como um indigente.
Um
raio de racionalidade parece despontar no Maranhão, onde o
governador Flávio Dino anunciou que desde primeiro de maio cumprirá
a decisão do poder judiciário que decretou lockdown na Grande São
Luiz, com o apoio da polícia militar mandando as pessoas de volta
para suas casas. Flávio Dino declarou: “quanto ao descumprimento,
todos serão objetos de sanções administrativas, multas e
comunicação do poder judiciário. Agora, quem insistir no
cumprimento de apenas orientações políticas, insensatas, estará
simultaneamente infringindo normas estaduais e descumprindo a decisão
do Poder Judiciário.
A
sorte nunca foi lançada para nós brasileiros, amazonenses e
manauaras, pois apesar de todos os exemplos de fracassos e êxitos do
exterior, insistimos no pior caminho que leva a dor e ao sofrimento.
A única saída é aquela que nos coloca em casa diminuindo o
contágio e a morte do vírus no ambiente. Qualquer discurso
diferente disso está carregado de má-fé, ignorância ou
perversidade.
João
Lago
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