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domingo, 3 de fevereiro de 2013

Santa Maria nos livre de outro erro crasso

É sempre muito difícil escrever sobre uma tragédia, ainda mais quando se busca criar algum juízo de valor em cima da dor alheia. Uma mente sã não deseja envolver-se, ou mesmo ser protagonista de tragédias, mas muitas vezes podemos ser conduzidos ao patíbulo inconscientemente, pois depois do acontecido é muito fácil apontar as causas, determinar os erros crassos, aliás este adjetivo para erro é muito apropriado e pode muito bem ilustrar certos tipos de estupidez que são motivadas por arrogância, ou mesmo por uma cegueira dominada por autoconfiança.
Na Roma antiga, por volta de 59 a.C, o poder estava divido entre Júlio César, Pompeu Magnus e Marco Licinius Crasso. César e Pompeu entraram para a história como generais com elevado talento militar e com várias conquistas de importantes territórios no currículo. Júlio César conquistou a Gália, como era chamada a antiga região da França, e Pompeu dominou Jerusalém e a Península Ibérica, territórios de Portugal e Espanha juntas. Enquanto os dois primeiros eram estrategistas militares, que ampliaram o império romano, Crasso era mais conhecido por sua riqueza. No entanto, foi por certa teimosia e excesso de confiança que seu nome Crasso fico conhecido como sinônimo de estupidez.
Naquela época, os partos governavam um império em um vasto território, que hoje é localizado no Iraque, Irã, Turquia, Armênia e arredores. Marco Crasso almejava o feito de conquistar os Partos e à frente de um exército de aproximadamente 50 mil soldados enfrentou o general Surena na batalha de Carras. Apesar da superioridade numérica romana (os partos tinha um exército com apenas dez mil homens), Crasso cometeu uma sucessão de decisões equivocadas que o levaram à derrota. A primeira foi dispensar o reforço de mais 50 mil homens do rei Artavasdes II da Arménia, confiando que somente os seus homens fossem suficientes para vencer o inimigo. O segundo erro foi seguir com seus homens por um vale estreito que o deixou a mercê do inimigo. O terceiro equívoco foi, quando atacado, ter abandonado as táticas de guerra que faziam o exército romano vencedor, passando a seguir sua própria intuição. O quarto erro foi ter confiado demais nas informações passadas por um líder árabe local que o aconselhou a atacar de frente o exército parto, que na verdade o levou para um cilada.
Depois de massacrados e reduzidos os romanos a menos da metade de seu efetivo, Crasso resolveu negociar um acordo com os Partos, mas na verdade este foi o último erro, pois foi traído e morto, sendo protagonista da derrota mais humilhante já sofrida pelo Império Romano.
Há mais de dois mil anos sabemos que quando se estuda a anatomia de um desastre, a história vem demonstrando que várias tragédias não têm somente uma única causa, mas são provenientes de uma sucessão de erros. Na tragédia do voo TAM 3054, em 2007, na qual morreram 199 pessoas(187 a bordo e 12 em solo) as causas do desastre foram: 1) ausência de ranhuras na pista; 2) um dos motores com o reverso travado, que é o que ajuda a frear a aeronave; 3) falha humana, já que se presume que o piloto ao invés de desacelerar, acabou por colocar mais força nos motores; 4) falha mecânica dos freios aerodinâmicos. Aliadas a isto, as condições atmosféricas também contribuíram, pois chovia copiosamente, logo a pista estava molhada.
Em outra tragédia, da qual conheci em Belo Horizonte uma moça que perdeu a irmã, traz mórbida semelhança com o incêndio da boate Kiss em Santa Maria (RS). Trata-se do Canecão Mineiro onde morreram sete pessoas. As investigações demonstram: 1) foram acessos fogos no palcos que iniciaram um incêndio no teto; 2) Uma única porta de saída congestionada; 3) Os seguranças fecharam as portas para impedir que as pessoas saíssem sem pagar; 3) Um curto-circuito na rede elétrica deixou o galpão as escuras, dificultando a saída das pessoas; 4) Falha da fiscalização municipal e do corpo de bombeiros, que aprovaram o funcionamento de uma casa de show sem qualquer projeto de prevenção e combate a incêndio, tendo ainda sido constatado que o Corpo de Bombeiros tinha pleno conhecimento da situação irregular da casa de shows, prevaricando ao deixar de solicitar à Prefeitura a interdição do prédio.
Em Santa Maria apenas se repetiu o que pode acontecer em qualquer lugar do mundo quando vai se negligenciando aos poucos a prudência. Vemos a arrogância e a falta de preparo de seguranças que foram adestrados a não raciocinar frente a possibilidade da ocorrência de um sinistro. Temos a ignorância dos proprietários em não investir em prevenção, ou de não ter gente capaz de analisar e decidir que não se deve acender fogos em ambientes fechados. Será que não sabiam que há menos de seis anos o Canecão Mineiro ardeu e matou por causa disto? Se não, demonstram excesso de confiança ou incompetência, por não conhecerem adequadamente o mercado (ou o território) no qual estavam inseridos. Por último, novamente faltou atuação do poder público por autorizar o funcionamento de uma arapuca.
O nome singelo da pacata cidade gaúcha não a livrou da tragédia de um erro crasso, mas rogamos a Santa Mãe de Deus que console as família em luto e que nos livre e guarde de tragédia semelhante, pois existem muito “generais” que não conhecem a história e estupidamente tendem a repeti-la de forma contumaz, conduzindo pessoas a uma morte anunciada.

João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont

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