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sábado, 9 de fevereiro de 2013

A Ética pede Socorro

Gostaria de apresentar para crítica a seguinte frase: “A ética não é objetivo em si mesmo. O objetivo em si mesmo é o Brasil, o interesse nacional. A ética é meio, não é fim”. Esta frase foi dita por Renan Calheiros, recém-eleito à presidência do Senado Federal, e vale a pena dissecá-la, pois a partir dela acredito que possamos compreender melhor a identidade dessa tal moral e ética que parece vigorar nas relações políticas brasileiras no cenário atual.
Quando leio a primeira sentença da frase, “a ética não é objetivo em si mesmo”, lembro que Aristóteles pregou que a política era a arte superior às demais, por ser mais capaz de determinar as ações humanas, haja vista que o comportamento dos cidadãos e do Estado estaria subordinado às decisões políticas. Ora, se realmente isto for verdade, na busca de uma alma corruptível para ser elevada a uma alta esfera de decisão política, logicamente alguém que tenha elevado conceito moral mais irá atrapalhar do que favorecer sua ascensão, pois, também disse Aristóteles: “As virtudes éticas visam o domínio da alma sobre o corpo e as suas paixões”.
Assim, no jogo político em que as decisões primordialmente favoreçam grupos de interesses, ao invés da sociedade, não seria aconselhável indicar quem tenha sobre si a pressão para uma conduta ética que reprima suas paixões. Melhor seria indicar alguém de moral claudicante, trôpego em sua biografia, porque assim abre-se o caminho para o jogo do vale-tudo, do toma-lá-dá-cá, no qual ter escrúpulo não é virtude, mas um pecado.
Continuando nossa crítica, a segunda sentença da frase diz: “O objetivo em si mesmo é o Brasil, o interesse nacional”. Aqui vemos certa arrogância e desprezo a todas as bocas que clamam por alguém que tenha histórico de freio moral em suas ações e, portanto, que seja digno de confiança. Não está claro que tipo de “interesse nacional” está em discussão, ou melhor dizendo, quais das repúblicas estamos aqui tratando. Da república de Alagoas, com Fernando Collor presidente e Renan Calheiros como seu líder de governo e porta-voz, ou da República do Brasil, na qual a sociedade encaminhou ao Congresso Nacional a Lei da Ficha Limpa e que Renan Calheiros como senador votou sim.
Não obstante, é a segunda vez que a república de Alagoas se confronta com a opinião pública nacional. Na primeira vez, em meio a passeata dos caras pintadas em Brasília, Renan Calheiros abandonou Fernando Collor e votou pelo seu impeachment. Hoje Collor também é senador por Alagoas e votou no colega Renan para a presidência do senado, dando uma demonstração de qual “interesse nacional” é esse, que passa por cima de mágoas passadas, que perdoa e segue em frente nesse projeto de república que um dia os uniu no passado e que hoje os une novamente.
A última sentença da frase diz: “A ética é meio, não é fim”. Novamente peço ajuda a Aristóteles que ensinou: “É das mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói toda a virtude, assim como toda a arte: de tocar a lira surgem os bons e os maus músicos. Isso vale também para o arquiteto e todos os demais; construindo bem, tornam-se bons arquitetos; construindo mal, maus” (Aristóteles, E, 1103b). Isto quer dizer que em qualquer atividade humana temos o bom e o mau emparelhado, mas será a virtude que os apartará e os definirão como sendo mau ou bom. Mas quais virtudes serão essas? Para Aristóteles são: coragem, temperança, o respeito pela liberdade dos outros (liberalidade), generosidade, magnanimidade, honestidade, brandura, veracidade, urbanidade (funções cívicas elementares), justiça e amizade.
Desta forma, não existirá um fim que seja bom, se o meio não for permeado por essas virtudes, que devem ser o hábito dos homens de bem. Se para Renan Calheiros a ética não é fim é porque ela deixou de acompanhá-lo no meio do caminho. O resultado disto são as denúncias de peculato, falsidade ideológica e uso de documentos falsos que pesam sobre Renan Calheiros e que foram encaminhadas pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Renan Calheiros foi eleito com 56 votos de senadores que o acompanham em sua definição “perfeita” do que é a ética, indo de encontro à opinião pública que deseja a verdadeira ética e moralidade na política brasileira. Infelizmente, os três senadores amazonenses não figuram na lista apresentada pela imprensa como sendo aqueles que não votaram em Renan Calheiros, mas muito pelo contrário. Ouvimos Eduardo Braga em discurso inflamado na tribuna defender a candidatura de Renan Calheiros e Vanessa Grazziotin parabenizar em plenário o colega pela conquista da presidência do senado.
Se lamentamos, com os demais brasileiros, a eleição de um suposto “ficha suja” para um dos mais altos cargos da República, devemos urgentemente repensar que tivemos nossa participação quando deliberadamente votamos em gente que está se lixando para o que pensa a opinião pública majoritária.

João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont


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