|
Dom Sérgio Castriani |
Por Ana Paula Lourenço
O novo arcebispo de
Manaus, Dom Sérgio Eduardo Castriani, que toma posse neste mês de
fevereiro de 2013, é natural da cidade de Regente Feijó, interior
de São Paulo. Formado na Congregação do Espírito Santo e ordenado
presbítero em 1978, sob o lema episcopal “habitou entre nós”.
Há 34 anos tem sido um
dedicado pastor na Amazônia e por 14 anos foi bispo da Prelazia de
Tefé. Também foi presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a
Ação Missionária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), quando acompanhou de perto a missão da Igreja no Brasil e
fora dele. Em entrevista concedida ao Informativo Arquidiocese em
Noticia (IAN)', Dom Sérgio conta um pouco de sua caminhada
missionária, a missão de assumira Arquidiocese de Manaus e as
perspectivas para o trabalho a ser realizado em Manaus.
IAN - O senhor foi
presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Missionária
da CNBB. Que experiências o senhor pode nos contar?
Dom Sérgio - A
Comissão Episcopal para a ação missionária e cooperação
intereclesial têm como objetivo principal manter acesa a chama da
missão “ad gentes” ou além fronteiras na Igreja do Brasil.
Colabora intensamente com as Pontifícias Obras Missionárias, com o
Centro Cultural Missionário, com o Conselho indigenista Missionário,
com a Conferência Nacional dos Religiosos do Brasil, com a Pastoral
dos Brasileiros no Exterior, formando com estas e outras forças
missionárias o Conselho Missionário Nacional. Entre as atividades
importantes e marcantes cito algumas.
1. A primeira delas é
a acolhida dos missionários que vêm para o Brasil e que se preparam
para a missão no nosso país no Centro Cultural Missionário
(Comissão Episcopal), do qual fui presidente durante os oito anos. É
bonito ver o missionário dar os primeiros passos numa nova língua e
começar a sua imersão numa nova cultura procurando entrar em
sintonia com a Igreja que o recebe. mas sem perder suas raízes e
experiências profundas que o trouxeram até aqui.
2. A segunda é
acompanhar os missionários brasileiros que partem para a missão
além fronteiras em todos os continentes e também em regiões
missionárias no Brasil. E um privilégio conhecer estes
missionários, pois, afinal, a missão não acontece sem eles. Eles
são a expressão e o sinal da natureza missionária da igreja, Eles
realizam de maneira eloquente aquilo que toda a igreja é:
missionária. A comissão também está em contato com os
missionários brasileiros no exterior através de visitas,
correspondência e ajuda quando necessário. Ela acompanhou, em
primeira mão, por dez anos, a missão no Timor Leste, assumida pela
CNBB e financiada pelas comunidades pobres do Brasil, através de
duas grandes coletas nacionais. Tive o privilégio de visitar o Timor
e testemunhar o quanto fizeram as nossas missionárias, religiosas
de várias congregações e leigas.
3. Um outro projeto da
CNBB que é acompanhado pela Comissão é o envio de professores de
Filosofia e Teologia durante os meses de dezembro e janeiro para a
Guiné Bissau, que ajudam na formação do clero local e dos muitos
missionários brasileiros presentes naquele país. Nos acompanhamos
também envio de uma equipe missionária para o Haiti, em conjunto
com a Caritas Nacional e a Conferência dos Religiosos do Brasil
(CRB). Ha' o acompanhamento também dos projetos “Igrejas irmãs”
as “Santas missões populares”, a “Imprensa Missionária”
etc. Estes são alguns exemplos, mas a vitalidade da missão é
impressionante. No momento, faço parte da Comissão da Amazônia e
no regional acompanho a dimensão missionária sendo o bispo de
referência para a Comissão Missionária Regional (Comire).
IAN - Explique-nos,
resumidamente, o que é missão?
Dom Sérgio - A Igreja
é missionária por natureza. Isto quer dizer que ela existe para a
Missão. E como acontece a missão? O primeiro mandamento missionário
é o mandamento do amor. Amar é sair de si mesmo, romper os próprios
limites e preocupações e deixar que o outro e suas necessidades
mostrem o caminho. Foi o que aconteceu com o samaritano na parábola
que Jesus contou. É a dimensão do serviço. A igreja não vive para
si, mas está a serviço da humanidade. O serviço se dá em primeiro
lugar com o testemunho de uma vida nova em Jesus Cristo. E este
testemunho acontece através de um comportamento renovado de quem tem
os mesmos sentimentos de Cristo Jesus. O testemunho desemboca no
diálogo com aqueles que vivem e pensam de maneira diferente. E em
tudo deve acontecer o anúncio explícito de nossa fé na obra
redentora que acontece no mistério da encarnação, morte e
ressurreição. Conscientes de que o protagonista da missão é o
Espirito Santo que a precede, a confirma e a atualiza, deixamo-nos
conduzir o por Ele.
IAN - O que motivou o
senhor vir para a Amazônia há 34 anos?
Dom Sérgio - A
Congregação do Espírito Santo chegou ao Brasil no final do século
XIX e durante meio século trabalhou só na Amazônia, mais
especificamente em Belém, Manaus e na Prefeitura Apostólica de Tefé
que, até 1932, também compreendia a atual diocese de Cruzeiro do
Sul - Acre. Quando entrei na Congregação sabia que a minha vida
missionária aconteceria na Amazônia ou na África, continente onde
vive e de onde vem a maior parte dos “espiritanos”, como somos
conhecidos. Portanto, vir para a Amazônia logo depois da minha
ordenação foi uma consequência da minha opção pela vida
espiritana. Mas também tive o privilégio de conhecer nossa missão
em vários países africanos, quando fui conselheiro geral da
congregação. A paixão pela África faz parte do carisma
espiritano, mesmo àqueles que nunca foram para lá.
IAN - Conte-nos um
pouco de como tem sido a sua vida missionária na Amazônia. Que
experiências foram mais marcantes?
Dom Sérgio - A minha
vida missionária que começou na juventude, na grande São Paulo, e
que continuou no rio Envira município de Feijó, numa época em que
os seringais ainda estavam ativos, mas foi o começo de uma nova
época em relação 'á economia da região e a relação com a
natureza. Os últimos catorze anos, estive na Prelazia de Tefé,
sendo testemunha que o Reino de Deus está no meio de nós, pois vi
isto na vida de tantas pessoas que se deixam conduzir pelo Espírito
Santo, vivendo uma vida renovada, correta, responsável e justa. Vi o
reino de Deus acontecendo em tantas comunidades que se reúnem para
ouvir e praticar a Palavra, renovando o mundo em que vivem, lutando
pela cidadania e qualidade de vida para todos, assumido os valores do
evangelho mesmo quando isto significa perseguição, sofrimento e
cruz. As histórias e exemplos são muitos. Creio que teremos muitas
ocasiões para contá-las.
IAN - Anteriormente, o
senhor afirmou ter acolhido com muita alegria a sua indicação para
ser Arcebispo de Manaus e que este seria um grande desafio. Desde
desse dia, como tem ressoado em seu coração essa nova missão?
Dom Sérgio - A partir
do momento que se diz sim a um chamado da Igreja, a sensação é de
alegria porque cremos que ai e expressou a vontade do Pai discernida
por tantos que foram os responsáveis imediatos por este chamado. Se
a resposta é pessoal e a responsabilidade final é do sujeito, á
experiencia é também de profunda comunhão. Não estamos sozinhos.
Acreditar que o Espírito Santo conduz a sua igreja tem como
consequência uma profunda paz interior. É só na fé e a partir
dela que podemos assumir a nossa missão. Dar testemunho de Jesus
Cristo com uma vida coerente, servir as pessoas a nos confiadas, sem
reservas e segundas intenções, dialogar respeitosamente com quem
pensa e age diferente de nós, só é possível na força do
Espirito. Por isso é preciso invocá-lo sempre. Creio que estes são
os meus sentimentos no momento: consciência de quem sou, paz
interior, alegria profunda, comunhão com a Igreja, e muita emoção
ao deixar, fisicamente, a Igreja
(Prelazia de Tefé) que
servi por catorze anos.
IAN - Recentemente, o
senhor reuniu com Dom Luiz e os bispos auxiliares para conhecer a
realidade da Arquidiocese. Nessa conversa, o senhor percebeu a
existência de desafios específicos? Poderia citar algum e como
pretende enfrentá-los?
Dom Sérgio - Os
grandes desafios da Igreja no Brasil hoje, e que são também os
desafios da Arquidiocese são apresentados nas Diretrizes Gerais da
Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. O primeiro deles é a
Missão. Numa sociedade plural, fragmentada, dominada por uma cultura
pós-moderna e urbana, com situações que degradam a pessoa humana,
mas também com imensas possibilidades de comunicação, acesso a
cultura e a educação, exercício da cidadania, superação de
preconceitos, entre outras, como anunciar Jesus Cristo e o Evangelho,
indo até aqueles que estão afastados e excluídos pelas mais
diferentes razões. Como chegar as cidades invisíveis dentro da
grande cidade, que se escondem atrás das grades das prisões, dos
muros dos hospitais, nos bairros degradados, nas invasões, mas
também nos condomínios fechados, nos mercados e feiras, nas ruas do
centro etc? A missão é urgente porque o crime organizado toma conta
de uma parte de nossa sociedade, porque a vida não e' respeitada,
porque as pessoas não têm perspectivas, porque a Palavra não é
mais referência, e as vezes é até manipulada. O outro desafio é a
formação e o fortalecimento de comunidades. A vida cristã e'
essencialmente comunitária porque tem sua fonte no Deus que é
Trindade. Num ambiente que reforça o individualismo, o relativismo,
o imediatismo, mas que também apresenta tantas novas formas de vida
em comunidade, que podem ser virtuais, afetivas, de interesse. Como
formar verdadeiras comunidades cristãs, que vivam ao redor da
palavra, que se organizem a partir do serviço mútuo, que
transformem a realidade em que vivem exercendo a cidadania? Colocar a
Palavra de Deus no centro das nossas vidas também representa um
outro desafio. Propiciar o conhecimento da Palavra, formar cristãos
católicos que a conheçam em profundidade e competência. Fazer com
que a nossa liturgia, catequese, ação social, enfim toda a nossa
vida seja uma resposta à Palavra, contida nas Escrituras, mas que é
o próprio Jesus Cristo, o Verbo encarnado. Estas três urgências
exigem uma Iniciação Cristã progressiva e constante. Fui informado
que a coordenação de pastoral fez desta dimensão uma prioridade.
Isto é fundamental e deve continuar. Mas toda a vida cristã
desemboca no serviço à vida plena para todos. A Igreja não existe
para si, mas, assim como Jesus, existe para que todos tenham vida e a
tenham plenamente. Não preciso lembrar todas as situações em que
vida e' diminuída e degradada. Não estamos sozinhos nesta
empreitada. É preciso juntar forças. Não é possível que num país
de maioria esmagadoramente cristã a vida humana seja tão
desrespeitada. O mesmo se diga em relação a natureza, diante da
qual temos uma responsabilidade imensa. A Igreja de Manaus já
enfrenta estes desafios com muita generosidade, fé e competência.
Junto-me a ela neste esforço ousado de evangelização.
IAN - O senhor tem um
plano especial para desenvolver ainda mais o trabalho das pastorais?
Dom Sérgio - As
pastorais são as formas concretas que Igreja no Brasil criou para
responder aos apelos da realidade de forma organizada e competente,
mas sempre a partir da fé. Os grandes problemas são transversais. É
importante que não se isolem. Daí a importância da pastoral de
conjunto, que começa com a escuta respeitosa daquilo que o outro
pensa e faz. Dai surge a necessidade de estruturas de comunhão e
participação como secretariados, reuniões periódicas, coordenação
etc. Estas estruturas existem e é preciso conservá-las e animá-las
sem cair no perigo de torná-las vazias e sem vida. Espero poder
participar ativamente, dentro das minhas possibilidades, destas
estruturas, ouvindo, aprendendo, e contribuindo para que a pastoral
seja realmente de conjunto.
IAN - Qual a sua visão
sobre a proposta da CF 2013 de olhar para o jovem de forma inclusiva,
canalizando suas habilidades para contribuir com a construção da
“Civilização do Amor” do Reino de Deus aqui na terra?
Dom Sérgio -Juventude
e' sempre importante e sempre deve ser prioridade. Juventude é
futuro, mas é sobretudo o presente da sociedade e da Igreja. Também
é o segmento que mais sofre as mazelas da sociedade. Basta visitar
nossas cadeias públicas e penitenciárias. Há anos se vem pedindo
uma Campanha da Fraternidade com este tema. A última vez foi em 92.
Se somos uma Igreja Missionária, de comunhão, centrada na Palavra,
a serviço da vida, e se queremos levar todos e todas a iniciação
cristã, não podemos deixar de priorizar a Pastoral da Juventude e
todos os movimentos, comunidades e organizações que a evangelizam
abrindo espaço para a vida cristã e o exercício da cidadania.
IAN - A CF 2013 também
traz a questão do uso das novas tecnologias que, com a devida ética,
podem ampliar os horizontes da evangelização. Como o senhor vê
isso?
Dom Sérgio - As novas
tecnologias são um fato. Todos nós as utilizamos querendo ou não.
Como toda nova tecnologia surgida no decorrer da história, elas
abrem novas perspectivas de conhecimento e de comunicação criando
cultura. Cabe a nós impregnar esta nova cultura com o Evangelho,
cujos valores fundamentais são os mesmos. Como tudo que é humano
elas são ambíguas. Mas não devemos ter medo delas. Aqui vale o
principio da encarnação: “Deus amou tanto o mundo que enviou o
seu próprio Filho para salva'-lo”.
IAN - Na sua opinião,
os veículos de comunicação atuam com certa missionariedade quando
conseguem alcançar comunidades distantes? Como o senhor vê o seu
uso para a evangelização e de que forma poderíamos potencializar
isso?
Dom Sérgio - Quero
apenas lembrar o rádio pois, numa região como a nossa, parcelas
numerosas de nossa população ainda tem no rádio o único meio de
comunicação. Visitando as comunidades ribeírinhas se percebe a
importância de nossas rádios de inspiração católica. Elas são
muito ouvidas e apreciadas pelo serviço que prestam, informando,
formando, divulgando. Fazem isto como serviço e assim evangelizam.
Mas não podemos ficar só no rádio. É preciso investir na TV e,
sobretudo, na internet, pois acredito que o futuro passa por aí.
Investir tecnicamente, formar comunicadores, estar atento às
transformações sociais, ter muita consciência de nossa identidade
cristã e católica. Penso que o caminho vai por ai.
IAN - A posição de
Bispo ocupa certa relevância política. Como o senhor vê isso? Como
se deve proceder quando se trata de reivindicar os direitos dos
pobres, injustiçados e excluídos, por exemplo?
Dom Sérgio - Minha
posição é a da Igreja no Brasil. Não fazemos alianças
partidárias e não nos alinhamos a partidos políticos. Mas isto não
significa neutralidade. Temos princípios, valores, metas para uma
sociedade mais justa e fraterna. Isto significa que participamos de
campanhas como a da Ficha Limpa; exigimos o cumprimento da
constituição como no caso dos direitos dos indígenas as suas
terras; expressamos nossa opinião como, por exemplo, no caso do
plebiscito sobre as armas; podemos apoiar candidatos que se propõem
a lutar com o povo e pelo povo; denunciamos aquilo que julgamos ser
contra a dignidade e os direitos humanos; lutamos por uma reforma do
Estado brasileiro para que esteja mais a serviço dos pobres e dos
pequenos do que do capital e daqueles , que podem pagar pelos seus
serviços, como acontece muitas vezes. Estes são alguns exemplos que
não esgotam o assunto. Mas acima de tudo espero que os católicos
sejam cidadãos conscientes e participantes e que a fe' que
professamos nos leve a assumir as nossas responsabilidades, o que
para alguns significa participar de um partido politico, concorrer a
cargos eletivos ou participar do poder do Estado através de
concursos, como é o caso do poder judiciário. Que os cristãos
católicos que são funcionários públicos, além de serem tratados
com a dignidade que merecem, sejam de fato servidores do povo. Penso
também que devemos participar e incentivar os Conselhos Paritários
(formados por representantes da sociedade civil e de órgãos
públicos), como espaço privilegiado de participação na gerência
da coisa pública. , A opção pelos pobres e excluídos não é
facultativa para a Igreja, ela é consequência do Evangelho que
proclamamos. Todas as nossas estruturas devem estar a serviço, em
primeiro lugar deles, e só quando estamos a serviço deles vivemos
de verdade a fé que professamos. Agradeço a oportunidade deste
diálogo com os leitores deste Informativo. Espero encontrá-los
pessoalmente. A partir do momento que aceitei a nomeação do Santo
Padre minha vida pertence a esta Igreja particular e com ela e
através dela a toda a Igreja. Como Igreja, faço parte da vida do
povo e da sociedade que vive em Manaus e nas outros sete municípios
que fazem parte da Arquidiocese. Meu desejo é conviver e servir
pedindo sempre que a vontade do Pai seja feita e que o Reino de Deus
venha.
Fonte: Informativo
Arquidiocese em Notícias, no. 88, Fevereiro 2013