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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Fechamento da Campanha Amigos Solidários 2021 - Prestação de contas aos doadores

Apresentamos a nossa prestação de contas da campanha NATAL AMIGOS SOLIDÁRIOS 2021.

Neste ano de 2021 ao invés de comprar a cesta pronta optamos por fazer cotação dos itens que a compõe e fazer pesquisa de preços em vários supermercados/atacadistas na cidade de Manaus. O resultado dessa pesquisa está na tabela abaixo:


O valor de uma cesta básica pronta mais em conta foi cotada em R$ 59,99


Dessa cesta retiramos o refrigerante e acrescentamos 2 latas de sardinha e 1 molho de tomate, portanto uma cesta com mais itens e em média R$ 4,74 mais barata.

Abaixo a lista de doadores e o valor arrecadado.



O valor recebido em dinheiro, pelo valor médio cotado da cesta básica, daria somente para comprar 50 cestas. Portanto, o recebimento de doações de produtos in natura foi muito importante para compor mais 15 cestas adicionais. Os produtos doados serviram para diminuir a necessidade de compra de itens da cesta que direcionou os valores doados para comprar somente as quantidades de produtos faltantes.

A lista de doadores de produtos in natura está abaixo. Os produtos doados para efeito contábil foram atribuídos valores correspondente aos itens cotados.



A soma do valor doado em dinheiro e dos valores doados em produto é igual a R$ 3.445,08 que dividios pelo valor médio das cestas de R$55,25 totaliza 62 (sessenta e duas cestas). Como recebemos a doação de 03 (três) cestas fechadas de um amigo que pediu para permanecer anônimo, fechamos a quantidade de 65 (sessenta e cinco) cestas prontas para doação.

Abaixo as notas fiscais de compras:
























Assim, fechamos nossa campanha agradecendo a todos os doadores e a aqueles que doaram seu tempo, seus recursos para o transporte das cestas até a comunidade, em especial a Gabriel Nicolau pelo empréstimo da Fiorino e por ter conduzido pessoalmente o veículos até o local da entrega. Agradecemos também o Alfredo Aguiar, Nazaré Lago, Lívia Lago e João Alfredo Lago que ajudaram no carregamento e entrega das cestas no local. Agradecemos ainda a Sra. Jane da Comunidade de Itaporanga que nos ajudou a escolher as famílias em suas necessidades.

Agradecemos ainda a Denis Taumaturgo que fez nossa ponte com a Fundação Amazônia Sustentável para doação de produtos.

Finalizamos agradecendo a Deus e aos amigos que Ele nos envia todos os anos para que possamos espalhar o seu amor aos mais necessitados.

Um feliz Natal e um próspero ano novo de 2022.

AMIGOS SOLIDÁRIOS

terça-feira, 12 de outubro de 2021

A destruição do Templo da Decência


Muitos dos complexos e das síndromes são inspirados na mitologia grega como o complexo de Édipo e a síndrome de Cassandra. Porém, existe um distúrbio em especial que não vem de uma alegoria, mas de um fato histórico. É justamente sobre o complexo de Heróstrato, ainda não tão conhecido, que esta resenha abordará.

Na Grécia antiga, uma das setes maravilhas do mundo antigo era o Templo de Ártemis, deusa grega da caça e da vida selvagem. Foi o poeta e escritor grego Antípatro que no século 2 a. C. fez a famosa lista que também incluía as pirâmides do Egito, as muralhas da China e outras cinco que já não existem mais. Antípatro descreveu o templo de Ártemis como uma edificação maravilhosa, possuindo cento e vinte e sete colunas em mármore com vinte metros de altura cada uma. Em seu interior uma estátua grandiosa em ébano da deusa Ártemis, com teto de madeira e inúmeras esculturas ornando o local. Assim, de tão belo o templo a deusa grega da caça era uma atração turística que encantava viajantes na antiguidade, até que um delinquente narcisista, chamado Heróstrato, resolveu colocar fogo na edificação com o objetivo de tornar-se famoso e ser lembrado pelos séculos como o homem que destruiu uma maravilha arquitetônica. Aliás, o narcisismo é um outro distúrbio psicológico também inspirado na mitologia grega que retrata alguém que ama tanto a si próprio que frequentemente cultua um exibicionismo excessivo.

Heróstrato não somente foi condenado à morte, mas também sentenciado ao esquecimento com a proibição da menção de seu nome. Os juízes que o condenaram temiam que outros surgissem com igual objetivo, mas Heróstrato não pode deixar de ser citado pelo historiador Teopompo e tanto entrou nos anais da história como um demente narcisista, quanto inspirou a psicanálise a nomear uma síndrome que leva o seu nome e que descreve indivíduos que cometem atrocidades com o objetivo de ser lembrados na posteridade. Entretanto, Heróstrato não está só nessa imensa lista de seres abjetos que cometem barbaridades e em um breve exercício de lembrança surgem nomes como Nero, Calígula, Vlad III (o empalador), Hitler, Jim Jones, Charles Manson, Osama Bin Laden entre tantos outros que ainda habitam este chão e que estão nas cadeias mundo afora. É certo que nem todos tinham a mesma motivação de Heróstrato quando cometeram seus crimes, apesar que cada um será lembrado por suas atrocidades.

O Brasil já algum tempo vem sofrendo carência de bons exemplos, ou seja, hoje não existem unanimidades na política, artes, ciências, esportes e negócios que possam ser citados como sinônimos de honestidade, inteligência, bondade, humildade, responsabilidade, coragem ou qualquer outra virtude que os identifiquem. Infelizmente, aparentemente a maioria dos ícones que abarcam duas ou mais virtudes citadas já estejam mortos e não sei se a taxa de reposição de pessoas boas é tão baixa que os indivíduos torpes vem ocupando todos os espaços possíveis. A pergunta que deve ser feita é onde foram parar os homens de bem? Talvez devêssemos resgatar a lanterna de Diógenes e buscar entre nós indivíduos que fossem indiferentes ao luxo, conforto e de todas as exterioridades que corrompem a integridade humana. No entanto, vivemos em uma sociedade que cultua o hedonismo, em uma urgente necessidade de satisfação dos prazeres, ainda que isto signifique cometer ilícitos, ou mesmo passar por cima de direitos de terceiros. Neste sentido, as redes sociais servem com vitrine para toda a espécie de ignomínia, desde bandidos exibindo vidas luxuosas a partir dos ganhos de seus crimes, ou mesmo indivíduos (conhecidos ou anônimos) usando a internet para expor homofobia, racismo, xenofobia, misoginia e toda sorte de desvio ético e moral.

A conclusão que podemos chegar é que o cansaço com o “politicamente correto” produziu na população uma tolerância em relação aqueles que se opõem a qualquer princípio civilizatório básico, inclusive permitindo que uma minoria torpe saísse das sombras e passasse a orgulhar-se de suas infâmias. Lamentavelmente, muitos desses indivíduos estão ocupando postos chaves na administração pública e boa parte da pauta nacional está deslocada para combater suas iniquidades enquanto que a vida dos brasileiros estão sendo afetadas com inflação, desemprego e fome.

Herotrástos estão no meio de nós e por não terem nada de bom a oferecer desejam simplesmente destruir tudo o que encontram pela frente. Deixam em ruínas um país e colocam o seu nome no panteão do abjeto sob o olhar passivo dos brasileiros de bem que absurdamente parecem ter abdicado do protagonismo. Talvez, contrário ao que se possa pensar, os bons sejam minoria e insistimos em acreditar que possam ser muitos, mas ainda existe a esperança que apenas estejam adormecidos a espera da chama de Diógenes. Não nos custa nada tentar acendê-la.

João Lago

domingo, 19 de setembro de 2021

Virando a página

Seria uma felicidade humana se todos os caminhos iniciados na vida fossem imutáveis, perpétuos e repletos de prazer. No entanto, sabemos que não é assim, porque empreendedores vão falência, o empregado é demitido, cursos na metade são abandonados e os relacionamentos amorosos são desfeitos, todos trazendo muito sofrimento a depender da expectativa inicial em relação ao tamanho da frustração em ser forçado a abandonar o que iniciou como uma conquista ou projeto de vida.

Vivemos em uma sociedade na qual o sucesso é condição essencial para ser feliz e hoje as redes sociais servem como vitrine para essa felicidade. Essa exposição do privado traz angústia quando as coisas não caminham para uma publicação feliz nos “stories”, pois se antes a preocupação era a vergonha de admitir o infortúnio em família, do tipo “o que eu vou dizer lá em casa”, com as redes sociais é expor o fracasso para um universo de pessoas não tão íntimas. Eu sou de uma geração que viveu mais de trinta anos de sua vida sem as redes sociais e quando as coisas não iam lá muito bem a comunicação não era instantânea e poucas eram as pessoas que recebiam as más notícias. Era comum toparmos nas ruas com algum conhecido e haver esse tipo de conversa:

- Você tem visto a fulana?

- Tu não sabes menina? Ela separou do marido! Ele amigou com a empregada da família vinte anos mais nova que ela. Um escândalo!

As redes sociais como Facebook, Instagram, Linkedin etc., são os fofoqueiros de plantão que são alimentados pelo próprio indivíduo que ´publica o fim do relacionamento, a perda do emprego, o fracasso nos negócios. No entanto, ainda que não se publique esses fatos, existem detetives virtuais que atuam como verdadeiros Sherlock Holmes atentos para uma eventual ausência de publicações ou analisam detalhadamente as declarações ou fotos publicadas buscando ver o quê foi apagado, ou quem foi “deletado” e “cancelado”. A depender das condições traumáticas que envolvem os eventos infelizes, talvez o que se menos deseje é dar publicidade aos mesmos. Porém, não me considero radicalmente contra as redes sociais, mas acredito que antes de fazê-las o diário de sua vida deva-se sopesar os riscos emocionais de uma vida exposta.

Virar a página não é uma tarefa fácil quando além do dissabor vem junto a negação, vergonha, melancolia e o medo do futuro, quando a vida parece perder o sentido e fica-se tão preso ao presente e nada, absolutamente nada, parece ser capaz de trazer de volta a autoestima. A psicóloga suíça naturalizada americana Elisabeth Kübler-Ross desenvolveu um trabalho brilhante sobre as etapas do lutos, descrevendo-as como negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Conceitualmente a descrição de cada um sentimento que envolve uma perda até a última fase aceitação parece bastante factível, mas discordo que a psique humana possa respeitar sistemas estanques tão bem definidos. Duas décadas antes de Kübler-Ross, o psicólogo americano Abraham Maslow também buscou hierarquizar as necessidades humanas em básicas, psicológicas e de realização pessoal, mas ambas as abordagens ignoram que os sentimentos são matizes que podem reunir duas ou mais etapas de qualquer hierarquização. Significa que no luto podem vir juntas a negação, raiva e depressão, assim como alguém que não tenha suas necessidades básicas supridas, ainda assim em algum aspecto de sua vida sinta-se realizado. No entanto, o tempo é a peça chave para transpor as fases do luto e pode ser considerado doença da alma caso o sofrimento se prolongue por muito tempo, ou em outras palavras, até que se possa virar a página.

O luto pela perda do emprego, do fracasso nos negócios ou pelo fim de um relacionamento são equivalentes a depender do desequilíbrio que trazem para nossas vidas. Há pessoas que reagem bem passando pelo luto e logo estão novamente a planejar uma nova trajetória de vida, reinventando-se face as oportunidades que surgem ou são criadas. Por outro lado, há pessoas que não conseguem reagir e vão precisar de ajuda para novamente sentirem-se bem consigo mesmas e não há uma fórmula mágica para isso. Portanto, não tem este texto a pretensão de ser um manual para solução desses problemas.

Virar a página passa pela aceitação que não somos capazes de controlar os acontecimentos que não dependem de nossos próprios esforços. Assim, por mais que sejamos otimistas, faz parte de um exercício de autoconhecimento nos colocarmos mentalmente enfrentando o que mais nos pode angustiar, mesmo que a nossa avaliação coloque como remota a possibilidade desse evento ruim acontecer. Nesses casos, deve-se buscar a constante capacitação profissional enquanto empregado ou empreendendo, ou engajar-se em atividades que aumentem a autoestima mesmo durante um relacionamento amoroso feliz. Muitos deixam para buscar essas coisas após o fracasso e outros sequer conseguem movimentar-se para tal e caem em depressão. Virar a página não se traduz em ações que são tomadas após o evento infeliz, mas o quanto nos preparamos para enfrentar essas decepções. Pegar em uma enxada para quem nunca trabalhou no campo traz calos dolorosos, mas se deixamos antecipadamente as mãos bem calejadas o trabalho braçal até poderá ser extenuante, mas não será de tão grande sofrimento.

Como dito anteriormente não há uma fórmula mágica para evitar sofrimentos que levem a depressão, mas o exercício de valorizar o que mais é importante em nossa vida e nos imaginarmos sem pode atuar tal como uma vacina na criação de anticorpos, neste caso, de imunidades emocionais.

João Lago

domingo, 12 de setembro de 2021

A viagem em busca do amor

Amor, quatro letras cujo significado já foi tão explorado por poetas, filósofos, religiosos, psicanalistas, porém essa expressão do sentimento humano ainda parece tão carente de explicação. Poderia começar a destrinchar o amor pelo significado platônico, daquele que somente ama o que verdadeiramente não possui. O amor invejoso que deseja ardentemente o que não é seu, mas, da mesma forma que anseia, o abandona tão rapidamente ao possui-lo. O amor efêmero da paixão fugaz que evapora como água ao sol escaldante do egoísmo. No entanto, amar dessa maneira não explicaria corretamente aquele amor duradouro e desinteressado.

O filósofo Aristóteles, ao contrário de Platão, não tratou explicitamente o significado do amor, mas abordou a felicidade humana como um processo do equilíbrio entre o abundante e o escasso. Desta forma, o amor momentâneo de Platão daria lugar a uma atitude racional em colocar significado ao que deseja a fim de alcançar a felicidade, pois o ser humano em desequilíbrio no que ambiciona jamais encontrará a felicidade. No entanto, alguém poderia dizer que essa tentativa de racionalizar os desejos levaria a um amor repleto de hipocrisia. Talvez, a frustração de quem possa imaginar que a busca do equilíbrio esteja errada, porque jamais em sua vida fez uma reflexão profunda do que deseja para si na máxima socrática: “conhece a ti mesmo” no que vou tentar exemplificar com uma experiência pessoal.

Aos dezoito anos sai de Manaus muito cheio de sonhos em realizações pessoais e fui para Boa Vista – Roraima. Era a minha primeira experiência em sustentar-me como o meu trabalho e sem qualquer ajuda de terceiros. Coisas simples como pagar o aluguel, as contas da casa, alimentar-me e, sempre que possível, gozar algum lazer. Os bens materiais logicamente permeiam os desejos de sucesso e que mais queria é ter um automóvel, mas não poderia ser qualquer carro. Teria que ser aquele considerado o melhor em sua categoria e um dia expressei esse desejo a um amigo já em situação financeira bem melhor que a minha. Contudo, no lugar de concordar comigo, disse-me que o seu sonho era possuir um mais básico da categoria e via brilho em seus olhos. Duvidei e perguntei, com tantas opções melhores de veículo, qual o sentido em escolher o mais básico e sem muitos opcionais, ao que me respondeu: “porque esse eu vou conseguir comprar”. Nessa época, ainda pouco conhecia da vida e o meu interesse pela filosofia era uma tábua rasa, mas imediatamente percebi que a felicidade está em valorizar o acessível a partir da racionalização de nossas expectativas. Saber quem eu sou, do que sou capaz e buscar a felicidade a partir das minhas escolhas, mesmo que não sejam aquelas que os outros possam valorizar.

O amor aristotélico é norteado pelas virtudes nas quais não se ama o inalcançável, mas a quem (ou aquilo) que nos possa trazer felicidade. Assim, nas relações afetivas também o amor passa por um processo racional na qual a estética seja o menos importante e neste caso acredito que algumas mulheres acertam ao definir (melhor do que os homens) o objeto de seus desejos. Algumas nomeiam como o homem ideal alguém que seja divertido, honesto, trabalhador, fiel e muito superficialmente abordam aspectos físicos, É bem verdade que jamais estarei presente em uma reunião só de mulheres para ter certeza que são essas as qualidades desejadas, mas são as que algumas socialmente expressam. No entanto, em reuniões masculinas o que menos interessa são as virtudes de uma mulher quando o assunto é desejo. O correto no sentido do amor aristotélico seria o homem amar não a beleza de uma mulher, mas suas virtudes porque essas não se esvaem com o tempo. A bem da verdade, toda a beleza é efêmera (feminina ou masculina) é isso já está no senso comum.


Não poderia finalizar este breve ensaio sobre o amor sem abordar Paulo de Tarso em I Coríntios 13, que corresponde ao amor Ágape. Talvez, para diferenciá-lo de um sentimento mundano, a versão católica do texto sagrado tenha substituído amor por caridade. Ainda assim, não tira a beleza que o apóstolo Paulo confere ao amor pregado por Cristo que faz da verdadeira felicidade aquela capaz de fazer bem ao outro. Amar desta maneira, como Jesus amou, vai além da ética de Aristóteles, Sócrates e Platão baseada no hedonismo ou nas virtudes, pois o amor verdadeiro em Cristo é desinteressado do sujeito passivo da ação de amar. Para ser mais claro, não se espera nada em troca daquele que se ama. Infelizmente o amor Ágape parece uma ficção, mas são as utopias que nos apontam como os conflitos humanos nos distanciam do ideal, neste caso do amor verdeiro.

O amor é como a bagagem de um viajante que não cabe muita coisa, portanto a depender do objetivo da jornada às vezes leva-se somente o necessário para bem aproveitá-la. Se for para diversão levamos na mala uma boa quantidade de desejos hedônicos não tão compromissados com as virtudes. No entanto, se o objetivo da viagem for a busca de uma felicidade duradoura, o que mais pesará na bagagem serão as virtudes e o desejo de fazer feliz ao outro. Assim, antes de escolher um companheiro para uma viagem pergunte o que ele está carregando em sua mala, pois a depender da resposta talvez se evite uma grande frustração.

João Lago

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

O Grande Golpe

Bolsonaro encerrou sua carreira como militar após ser acusado de planejar atentados que visavam aumentar os salários de militares como ele. Além de colocar bombas em quartéis, planejou explodir a adutora de Gandú que abastece até hoje de água potável a cidade do Rio de Janeiro. Na época foi encontrado um croqui com todo o esquema criminoso, cuja grafia foi atribuída a Jair Bolsonaro. No entanto, apesar do laudo da Polícia Federal atestar como de Bolsonaro os grotescos desenhos, o então capitão do exército foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar – STM em junho de 1988. Em entrevista ao Portal G1 em 31 de julho de 2019, o jornalista Luiz Maklouf, autor do livro O Cadete e o Capitão, relata que a aversão que os militares do STM tinham da imprensa foi decisiva para a absolver Jair Bolsonaro. No entanto, todo esse processo que se instalou contra Bolsonaro no STM não se originou de um bombástico jornalismo investigativo, mas a partir de uma entrevista que o então capitão deu voluntariamente a Revista Veja. Logicamente, covardemente o capitão no julgamento negou sua participação e os militares em um misto de espírito de corpo e ojeriza a imprensa absolveram o protótipo de talibã. Ao final, Bolsonaro tornou-se um “mito” para os militares de baixa patente e foram esses que o elegeram pela primeira vez como vereador do Rio de Janeiro nas eleições de 1988.

Com um cargo eletivo Bolsonaro fugiu da carreira militar como o seu próprio filho relatou na biografia do pai (Mito ou Verdade: Jair Messias Bolsonaro) na qual afirmou: “foi candidato a vereador porque calhou de ser a única opção que possuía no momento para evitar que fosse vítima de perseguição por parte de alguns superiores”. Na política Bolsonaro entrou e nunca mais saiu, sendo sempre um político temático, ligado a um eleitorado cativo de policiais civis, militares e adotando um discurso de desprezo pela vida e ao estado democrático de direito. Uma demonstração disso é a entrevista que o então deputado federal Bolsonaro deu ao programa Câmara aberta da TV bandeirantes em 1999 dizendo: “o voto não vai mudar nada no Brasil (…) só vai mudar quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns trinta mil”. Esse ódio beligerante que Bolsonaro carrega o fez aproximar-se policiais milicianos e participantes de grupo de extermínio como já amplamente divulgado pela imprensa. Aliás, a imprensa hoje é o calcanhar de aquiles do presidente, por expor todo o seu desgoverno na economia, na política e no combate a pandemia de covid-19. Tanto que constantemente ofende jornalistas, inclusive incitando o ódio de seus seguidores contra os tradicionais veículos de comunicação.

A incapacidade de Bolsonaro, desde o início de seu governo, em conviver com opiniões divergentes o fizeram expurgar vários colaboradores e companheiros de campanha ao longo do tempo. A lista é extensa e inclui governadores, deputados, militares e grande parte do eleitorado que o elegeu em 2018 já abandonou o barco do bolsonarismo, conforme demonstrado em todas as recentes pesquisas de opinião. No entanto, mesmo que o conjunto da obra demonstre que a politica do confronto permanente é a razão do fracasso desse governo, Bolsonaro não consegue sair do círculo vicioso de crises que alimenta sua base alienada e sedenta de ódio. Neste sentido, vemos líderes religiosos, que encontraram guarida de sua intolerância no bolsonarismo, agindo como jihadistas lançando fatah (guerra santa) contra o feminismo, em desfavor dos direitos de homossexuais e de intransigência pelas religiões de matrizes africanas como forma de reafirmação de dogmas medievais. Esses fariseus estimulam seus fiéis a participarem dos atos antidemocráticos programados para sete de setembro porque veem em Bolsonaro um igual. Somam-se a esses os saudosistas da ditadura militar que ainda vivem em plena Guerra Fria porque desconhecem que o muro de Berlim deixou de existir em 1989. Para esses a ameaça comunista é tão real quanto a certeza que a Terra é plana.

Bolsonaro sempre demonstrou um comportamento perigosamente amalucado e desde o início de sua carreira militar, política deixou claro que o seu maior incomodo era ganhar pouco. Porém, foi exitoso em enriquecer com supostos desvios de verbas de gabinete, como evidenciam todas as denúncias de peculato que hoje tramitam na justiça. Neste sentido, Bolsonaro poderia aposentar-se na política sendo o que é para o seu eleitorado fluminense igualmente amalucado, miliciano e fanático religioso, mas coube a uma facada e aos erros dos governos Lula e Dilma colocá-lo com uma alternativa viável contra o antipetismo. Infelizmente Bolsonaro foi eleito e no atual momento político não tem nada a perder, pois está cada vez mais evidente que fora da presidência o que lhe aguarda é a prisão. Assim, a única alternativa que tem é promover um golpe, não para proteger o Brasil de uma ameaça comunista destruidora do capitalismo e da tradicional família brasileira, mas para tentar varrer para debaixo do tapete toda a podridão de décadas de sucesso financeiro de um político típico do Centrão.

João Lago

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O Rio Rubicão da Nova República

Em uma manhã fria do inverno europeu, do dia dez de janeiro de 49 a.C. , Júlio César estacionou suas tropas as margens do rio Rubicão e hesitava se deveria atravessá-lo com sua legião em direção à Roma. A República Romana tinha como lei que qualquer general, ao regressar de suas campanhas militares, deveria deixar suas tropas fora do núcleo do império e entrar com pequeno séquito na cidade. César voltava da Gália Cisalpina para enfrentar o senado romano que havia nomeado Pompeu como ditador com poderes excepcionais. Ao cruzar o rio, César transgredia a lei e sinalizava o início da inevitável guerra civil que seria travada com os partidários de Pompeu. Foi o caminho sem volta para a ilegalidade e o fratricídio que fez Júlio César bradar: Alea jacta est (a sorte está lançada).

Cruzar uma linha sem volta na balzaquiana “Nova República Brasileira”, por qualquer alto representante de nossa democracia, é a transgressão de qualquer preceito constitucional. Aquele que rasga a Constituição que jurou proteger é um traidor, um criminoso, cuja única alternativa para não ir para a cadeia é marchar contra sua gente, aplicar um golpe e abraçar o fratricídio. Diferentemente de Júlio César que era amado pelos plebeus, com grande popularidade e ressentia levantar armas contra os seus concidadãos, Bolsonaro amarga os mais altos índices de rejeição popular e já demonstrou que não tem apreço pela vida dos brasileiros por sabotar sistematicamente as medidas de combate a covid-19. Além do mais, Júlio César foi um estadista que fez reformas sociais e políticas, principalmente em reconhecer a cidadania romana aos estrangeiros por meio do mérito e reconhecimento como forma de pacificar os territórios conquistados. No entanto, Bolsonaro desde sua posse governa para o “cercadinho” do Planalto e jamais acenou que deseja pacificar o Brasil, pelo contrário, o seu governo é uma usina de crises, fantasias, mentiras, delírios e a única reforma social que fez foi promover o enriquecimento próprio e de seus filhos.

A insistência de Bolsonaro em desacreditar as urnas eletrônicas, mesmo sem qualquer indício mínimo de fraude eleitoral, é apenas mais um capítulo das inúmeras tentativas golpistas que se seguirão até as eleições de outubro de 2022. Portanto, em mais um arroubo de tentativa de demonstração de força, Bolsonaro, em conluio com setores das Forças Armadas, colocará veículos militares nas cercanias do Congresso Nacional no mesmo dia no qual os deputados votarão a Proposta de Emenda a Constituição - PEC do voto impresso (10/8). É importante que se diga que essa votação no plenário é uma veleidade de Arthur Lira (PP-AL) para agradar Bolsonaro, mesmo depois da PEC ter sido rejeitada na comissão especial formada para analisar a sua pertinência. Arthur Lira pensa colocar freios em Bolsonaro, mas o presidente já demonstrou que tem a inteligência emocional de uma criança de cinco anos e a velhacaria politica do Centrão o qual disse pertencer. Não obstante, Bolsonaro continuará com sua campanha de destruição de nossa democracia, porque essa é a única alternativa que tem frente a ameaça de cadeia que se avizinha.

O rio Rubicão há muito já foi cruzado e quem vem marchando não é Júlio César, mas um sujeito que é uma mistura de Nero com Calígula. Desnorteado das ideias como aquele que pôs fogo em Roma e tão depravado moral quanto aquele que mandou erigir uma estátua de si mesmo no templo de Jerusalém. Porém, ainda há tempo de salvar nossa democracia, basta que aqueles que tenham um pouco de sanidade, decência e coragem percebam que a solução não está em aguardar um novo ataque e reagir, mas colocar agora um ponto final na carreira política de Bolsonaro. O Brasil não merece caminhar com Bolsonaro até 2022.

Alea jacta est!

João Lago

domingo, 25 de julho de 2021

O sapo e as jacintas

Conta-se que em um tempo muito distante, quando os animais e insetos comunicavam-se uns com os outros, uma família de sapos foi habitar uma lagoa povoada por jacintas (libélulas), moscas e carapanãs (pernilongos). Os sapos ficaram muito felizes porque ali não lhes faltariam alimentos, neste caso os infelizes insetos. É preciso dizer que antes dos sapos chegarem eram as jacintas que estavam no topo da cadeia alimentar, pois se refastelavam das moscas, dos carapanãs e até, enquanto ninfas, de filhotes de peixes.

Quando a carnificina iniciou e os insetos viram-se dizimados, uma comissão de moscas e carapanãs foi conversar com a rainha das jacintas para pedir que falasse com os sapos para deixarem a lagoa. Os outros insetos não gostavam das jacintas, mas o apetite delas era bem inferior ao daquela família de sapos. Assim, a jacinta rainha, cheia da coragem afeita somente aos lideres, foi conversar com o sapo rei para pedir-lhe uma trégua. Disse-lhe com toda a erudição característica de elegante inseto:

- Senhor Batráquio, venho aqui em nome de todos os insetos que habitam esta lagoa para pedir que vossa majestade, acompanhado de vossa família, deixe este local. Não é nada pessoal, mas o apetite exacerbado dos sapos está a dizimar toda a população de insetos e em breve não sobrará um sequer para saciar sua fome. Sabemos que existem outras lagoas bem maiores ao norte e com uma maior população de insetos que não sentirão o impacto da chegada de uma família de sapos insaciáveis.

A jacinta voava a uma distância segura da língua pegajosa do batráquio. O sapo levantou os olhos em direção ao inseto, cuspindo para o lado e vociferando:

- E se eu não quiser sair daqui, quem é que vai me colocar para fora desta lagoa?

A jacinta respondeu:

- Certamente não serei eu, porque não tenho força suficiente para tal, mas posso dizer-lhe que encontraremos um meio para tal.

O sapo arrogante, salivando novamente para o lado e jogando sua língua para alcançar a rainha das jacintas sem conseguir, ao final disse-lhe:

- Vai-te embora daqui inseto insolente, tens sorte que minha língua não tem uns centímetros a mais, se não já estarias a caminho do meu estômago.

A jacinta voou para reencontrar os demais insetos e para anunciar que infelizmente os sapos não deixariam a lagoa voluntariamente e que precisaria um pouco de mais de tempo para observar e pensar uma estratégia de contra ataque, mas por enquanto todos deveriam redobrar os cuidados e manter uma distância segura da família dos sapos.

Passadas algumas semanas os sapos começaram a acasalar. A rainha das jacintas notou que as fêmeas lançavam os óvulos na água para que os machos os fertilizassem e, depois de fecundados, eram abandonados pelos pais. As jacintas perceberam que daqueles óvulos saíram girinos, muitos semelhantes aos filhotes de jovens de peixes que serviam de alimentos para as ninfas de jacintas. Desta forma, a cada nova ninhada de sapo, um exército de ninfas de jacintas era enviado para devorar os filhotes de sapo. Por não conseguir se reproduzir, os sapos finalmente foram obrigados a deixar a lagoa e a paz voltou a reinar no local.

Moral da estória: Não se sinta poderoso pelo tamanho de seu adversário, pois por algum momento a força bruta poderá vencer, mas há de sucumbir com a paciência e persistência daqueles que não são fortes, mas são muitos.

João Lago

domingo, 18 de julho de 2021

O brócolis e o pastel frito

Quem já criou filhos, com a preocupação devotada para o bem-estar, sabe que fazê-los gostar de salada ao invés do pastel frito é uma tarefa árdua. Principalmente quando os pais têm costumes alimentares nada saudáveis e que em nada contribuem como exemplo para os pequenos. Neste ponto, o dilema será entre a mudança de vida, ou a velha imposição do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. A hipocrisia é o caminho fácil desde que bem escamoteada nas profundezas da intimidade familiar, mas com tanta exposição do que se faz hoje na vida pouco sobra para ficar no subterrâneo. Essa corda bamba que muitos se equilibram entre o público e o privado, do que deve ser visto e o que restará escondido, esbarra na necessidade de sermos reconhecidos, admirados, “curtidos” e aceitos.

Um mundo tão interconectado como o que vivemos, principalmente com tantas ferramentas de mídia à disposição como facebook, youtube, whatsapp, instragram, twitter e, mais recentemente, tik tok (dentro outros semelhantes) favoreceu a comunicação de personalidades com o seu público, ao mesmo tempo que proporcionou o surgimento de inúmeras celebridades instantâneas. Artistas de TV, cantores, esportistas, músicos, poetas, atores, jornalistas, todos que se consagraram na mídia tradicional de jornais, revistas, rádio e televisão, agora dividem espaço no mundo da internet e do smartphone com gente até então desconhecida. No entanto, do mesmo limbo que alguns emergem, outros famosos podem ser ali lançados a depender de como se comunicam, ou de qual fato exposto de sua vida particular vaza para o grande público.

Recentemente um “famoso” DJ, autor de inúmeros hits dos quais desconheço todos (não sou referência nessa área), foi do auge a sarjeta quando vídeos abomináveis de espancamentos praticados contra sua mulher foram viralizados nas novas mídias e repercutiram nas tradicionais. Pessoas ignorantes a “arte” de Iverson de Souza Araújo, ou DJ Ivis (alcunha que adotou), foram quase que obrigadas a buscar informação sobre qual tipo de celebridade estava-se falando. Se no passado recente a janela do mundo era estática na tela da TV, hoje caminha conosco na palma de nossas mãos. É bem verdade que essas novas mídias criaram bolhas, ou em um termo mais afeito a tecnologia, criaram clusters de indivíduos conectados por interesses e administrados por algorítimos que os alimentam somente daquilo que gostam de consumir. É como se as crianças, apesar das informações de alimentos saudáveis circularem, na mesa de suas casas somente sejam servidas frituras, doces e refrigerantes, porque é isso que aprenderam a desejar, não por uma escolha racional, mas porque é o que se impôs. Essa analogia é válida para tudo, da música erudita que deixa de ser conhecida, da literatura que não é consumida, da dança e do teatro que não são vistos, da ciência por trás das coisas que não alcançam a curiosidade. Uma sociedade na qual os interesses são orientados por algarismos tende a ser dominada pela Id (impulsos vindo de desejos primitivos na psicologia freudiana) e ficará orbitando entre o fácil e o ordinário.

Infelizmente muitas celebridades estão abrindo seus subterrâneos e expondo o seu pior porque uma grande parcela dos brasileiros acaba por se identificar com essa podridão. Alguns fazem sem muita cerimônia porque falam para sua bolha e dela dependem financeiramente, mas outros, que são patrocinados por marcas cuja ideologia pauta-se pela opinião pública, quando extrapolam o razoável da decência voltam atrás para pedir desculpas quando perdem contratos. Não se arrependem verdadeiramente de sua cupidez, apenas recuam um pouco até que novamente as circunstâncias lhes sejam mais favoráveis para novamente sair das sombras. Não nos enganemos, existe uma legião escondidas nas trevas prontas para agir se deixarmos de reagir aos ataques aos valores que nos caracterizam como nação civilizada.

É inegável que tivemos um retrocesso imenso nas pautas civilizatórias e recuperar o que foi perdido nos últimos anos pode demorar décadas. Isto posto, olhar para as crianças e realmente vê-las como futuro desta nação deverá ser mais que uma simples retórica de impacto. N o entanto, não se pode desejar que sejam somente educadas para dominar as tecnologias tão necessárias para a nossa independência econômica, bem como não se pode tirar a oportunidade de crianças nascidas marginalizadas ter acesso a mesma educação disponível as famílias mais abastadas. O desafio da educação é o da inclusão, mas não no sentido da imposição de uma revolução de valores quando o básico ainda não foi suprido ao conjunto da maioria mais pobre. Como falar para novas gerações da necessidade de cuidar do meio ambiente, se nas favelas que habitam o lixo acumula-se nas ruas e falta saneamento básico e água nas torneiras? Como falar que ser honesto é importante quando na comunidade aqueles que mais ostentam são justamente os que estão envolvidos no tráfico de drogas e em outros crimes? Como falar de igualdade quando a própria cor da pele já é identificação de culpa em uma abordagem policial ou de atitude suspeita em lojas e centros comerciais?

Uma chaga foi aberta como um câncer que vai tomando conta de um tecido enfraquecido e os remédios amargos mais fragilizam o paciente que o aliviam da dor. Para todas as mazelas descritas a solução que está na cabeça de uma maioria é controlar com violência a criminalidade nas favelas, aceitando como “efeito colateral” a morte de inocentes que nada tem a ver com isso e construir um muro bem alto que impeça gente pobre e “feia” de circular nos shoppings e lojas frequentadas por “gente de bem”. Essa forma de contenção já foi mais do que praticada por décadas no Brasil e é um exercício de hipocrisia e burrice insistir neste modelo que não deu certo, mas não por acaso sustenta uma indústria de programas “mundo cão” que é celeiro de políticos demagogos e corruptos. Não basta caiar a casa, trocar a geladeira, o fogão e não mudar o entorno, pois agindo assim nada de concreto muda na história de vida dessas pessoas, ou quando apenas alimenta o desejo de um dia sair dali e dá lugar a outro. Faz-se necessário levar dignidade as pessoas no lugar onde vivem e muito poucos buscaram este modelo.

Fazer uma criança gostar de comer verduras talvez seja fácil quando todas puderem escolher entre brócolis ou pastel frito, mas antes disso muita “gente de bem” continuará saindo de seus subterrâneos e expondo sua podridão em praça pública.

João Lago.

domingo, 11 de julho de 2021

Jogo sujo e mentiroso

Um jogo de azar que contém certa razoabilidade é o pôquer, mas não no sentido do completo domínio da partida e da certeza da vitória. Quem somente conhece esse jogo de cartas pela encenação de filmes sabe que faz parte do jogo o “blefe”, ou seja, fazer crer aos adversários que o conjunto de cartas que se tem nas mãos é superior aos demais. Aquele que dobra a aposta pode levar o que está sobre a mesa sem a necessidade de mostrar suas cartas, desde que nenhum outro pague para ver. Esse tipo de atitude mexe com a fragilidade do outro, pois como o adversário não conhece as cartas do oponente, pode ser que até tenha um bom jogo nas mãos, mas por não acreditar que tenha cartas suficientes para vencer, não dobra a aposta e, ou, não paga para ver. A bem da verdade, o pôquer é um jogo de azar no qual aqueles que sabem mentir, fingir e dissimular podem sair vencedores. Daí o porquê que geralmente os jogadores de pôquer são retratados no cinema como sujeitos de baixíssima moral.



O cenário político das últimas semanas bem que poderia retratar uma mesa de pôquer, pois fatos não faltam para ilustrar. Por exemplo, os irmãos Miranda fizeram calar Bolsonaro porque insinuaram, na Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI (no Senado Federal), que talvez tivessem nas mãos a gravação na qual denunciaram ao presidente Bolsonaro a compra superfaturada de vacinas da covaxin pelo Ministério da Saúde. É certo que Bolsonaro, segundo os Miranda, além de apontar o responsável pela fraude, nada fez e prevaricou pela omissão, ou melhor dizendo, estaria supostamente deixando o roubo acontecer. A imprensa, nem a CPI, tão pouco Bolsonaro não sabem se a gravação realmente existe, mas Bolsonaro não é capaz de pagar para ver e dizer que não houve a denúncia e prefere ficar calado. Face ao silêncio, um bom jogador de pôquer poderá supor que os Miranda, por terem dobrado a aposta ao ameaçar que não ouse Bolsonaro desmenti-los, tem nas mãos um “royal straight flush” (maior combinação possível do jogo).


Em uma outra mesa, Bolsonaro joga cartas com a sociedade brasileira tendo como parceiros de jogo alguns militares que integram o seu governo. O presidente jamais demonstrou em sua biografia apreço pela democracia e respeito pelas instituições que a sustenta. Sua conduta errática, principalmente no combate a pandemia e as denúncias de corrupção, foi-lhe descapitalizando e restam muito poucas fichas sobre a mesa. Bolsonaro vendo sua popularidade derreter, olha para ao lado e busca em seus correligionários de partida uma última cartada: o blefe. Diz que as urnas eletrônicas são fraudadas, essas mesmas que ao longo de vinte anos elegeram a si próprio e aos seus filhos, falando abertamente que não haverá eleição se não for adotado o voto impresso. A arrogância de Bolsonaro reside no apoio que supostamente tem das forças armadas que estariam dispostas a apoiá-lo em uma aventura golpista. É verdade que os generais, almirantes e brigadeiros da ativa em tese não podem se manifestar politicamente, mas uma linha tênue foi transposta quando o general Pazuello não foi punido por participar de “motociata” com Bolsonaro no Rio de Janeiro. Seguindo na garupa de Pazuello, recentemente comandantes do exército, marinha e aeronáutica assinaram uma nota conjunta de repúdio ao senador Omar Aziz (PSD-AM) por ter o parlamentar mencionado a existência de “uma banda podre” nas forças armadas que apoiam Bolsonaro e que estão envolvidas nos casos de corrupção da compra de vacinas. O sensato seria jamais militares da ativa serem chamados para participar de qualquer governo além do limite constitucional imposto as forças armadas. Como Bolsonaro demonstra que fará qualquer coisa para manter-se no poder, não tem nenhum pudor em oferecer vantagens pecuniárias aos militares em seu governo, como por exemplo a Portaria 4.975/21, do Ministério da Economia, que autorizou militares acumularem salários acima do teto constitucional. Esse mesmo impulso de sobrevivência política que também fez Bolsonaro distribuir bilhões em emendas ao Centrão e calar-se quando soube que um deles estava envolvido nas acusações dos irmãos Miranda.


A sociedade brasileira observa atônita e já não aguenta mais as loucuras de Bolsonaro e isto está demonstrado nas recentes pesquisas. O presidente buscou criar todo esse mal estar porque é de sua essência o confronto e não tem escrúpulos em demonstrar o que é: um sujeito de pouca inteligência emocional, baixa moral e nenhum respeito pela verdade. Talvez ele não saiba nem que cartas tem nas mãos, mas mesmo assim blefa e espera que o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal pague para ver. A nós brasileiros restam colocar nossas fichas na mesa e abastecer as instituições democráticas com manifestações populares mais numerosas e decididas a não tolerar mais ameças. Estamos no limite e é necessário darmos um basta nesse jogo sujo e mentiroso.


João Lago.

domingo, 4 de julho de 2021

Um monstro cercado de víboras


Um dos entes mais lembrados da mitologia grega em filmes de ação é a Medusa. Trata-se de uma figura feminina que de sua cabeça brotam serpentes, ornando-a em forma de cabelos. Além do aspecto horripilante de sua face, quem olhasse diretamente para os olhos de Medusa era transformado imediatamente em uma estátua de pedra. Coube a Perseu cortar a cabeça de Medusa com sua espada, usando o reflexo de seu escudo para localizá-la e, assim, evitando olhar diretamente em seus olhos. No entanto, mesmo depois de decapitada, a cabeça de Medusa ainda mantinha o poder de transformar em pedra quem olhasse em seus olhos. Perseu a guardava em um saco e a usou contra os seus inimigos.

A intolerância é um mal que cresce na onda de uma divisão que acompanha o debate político, mas precisamente com os ataques de ódio da extrema direita brasileira reacionária e golpista. Há que diga que exista um oposto ao bolsonarismo na política, mas basta olhar a história recente para ver que todos os presidentes eleitos, desde 1985, sujeitaram-se e respeitaram o jogo democrático. Fernando Collor foi apeado do poder e caçado os seus direitos políticos, mesmo renunciando à presidência, e não se tem notícia que tenha atacado as instituições. Mais recentemente, Dilma Rousseff também sofreu impeachment e, ao meu juízo, com fatos políticos de menor impacto daqueles que hoje movimentam os brasileiros nas ruas. É importante que se diga que Lula entregou-se para ir a cadeia sem oferecer resistência e hoje é fato que o juiz que o julgou agiu de forma parcial por interesses políticos pessoais. Porém, ao participar do bolsonarismo, Sérgio Moro aprendeu que ali não existe espaço para divergências, sendo proibido expressar qualquer pensamento que não reproduza o de Bolsonaro e de seus filhos. Qualquer um que pense ao contrário estará fadado a ser expurgado com desonra. Foi assim com Gustavo Bebiano, general Santos Cruz, Sérgio Moro, Joice Hasselmann, Alexandre Frota e tantos outros que foram para a cena política com Bolsonaro, mas que não permaneceram por não se anularem como pessoas pensantes. Restaram os que não se importam em ser identificados como uma das inúmeras serpentes da cabeça de Medusa que é o bolsonarismo.

A lembrança do Mito da Medusa como uma analogia ao bolsonarismo é porque todos os que passaram pelos olhos de Bolsonaro caíram em desgraça, ou estão em vias de estar. A lista é significativa: Sérgio Moro, Abraham Weintraub, Ernesto Araújo, Ricardo Salles e, mais recentemente, general Pazuello. Alguns desses nomes estão seriamente envolvidos em escândalos, ou estão sendo indiciados na justiça, ou chegando muito perto disto. A verdade é que todos aqueles que seguem fielmente a cartilha de Bolsonaro em algum momento serão confrontados com os absurdos de seus próprios atos e, quanto mais alinhados e próximos, grande é o risco de irem parar na cadeia.

A Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI que acontece no Senado Federal é o que mais se aproxima a ser chamada de Perseu, pois assim como o herói grego não poderia olhar diretamente em seus olhos, inicialmente a CPI buscava subterfúgios para decepar-lhe a cabeça, até que surgiu o fato concreto da prevaricação de Bolsonaro em não mandar apurar a corrupção criminosa das vacinas superfaturadas. No entanto, cortar a cabeça da Medusa não diminui o seu poder, sendo necessário mantê-la bem aprisionada.

O mito da Medusa e de Perseu nos serve de alegoria para compreender um outro mito: Não se pode colocar um monstro cercado de víboras para governar, pois ou esse mito nos paralisa, ou será necessário (metaforicamente falando) cortar-lhe a cabeça.

João Lago


domingo, 27 de junho de 2021

A vontade de Deus

Há tempos o homem pergunta-se qual a vontade de Deus e para ilustrar esta reflexão lembrei-me do teto da capela sistina que retrata não somente, mas principalmente, os primeiros capítulos do livro de Gênesis. Pintada por Michelangelo, o centro do afresco mostra a criação do homem, na qual Adão e o Criador parecem com os seus braços e mãos estendidos, mas não se tocam. Uma versão da intenção de Michelangelo é a de deixar Adão separado de Deus pela flexão do dedo indicador, ou seja, bastaria o primeiro homem esticar o dedo para tocá-lo. Esse gesto é uma interpretação do livre arbítrio, pois a reconciliação do homem com o seu criador estaria tão somente limitada a vontade humana de alcançá-lo. No entanto, é certo que a doutrina cristã coloca a corrupção humana pelo pecado como empecilho para essa reconciliação, mas foi vontade de Deus, por amor a sua criação, enviar Cristo para redenção dos nossos pecados. Cristo veio ao mundo e a seu tempo não foi muito bem compreendido em suas palavas de amor e redenção, tanto que foi necessário morrer na cruz pelos pecados dos homens.


Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara Federal, muito antes da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI que acontece no senado, já recebeu sessenta e oito pedidos de impeachment, sendo que somente seis pedidos foram analisados por Lira que restaram arquivados ou desconsiderados. Em minha análise, quando a CPI instalou-se a sua intenção era produzir a “mãe de todos os pedidos de impeachment” a partir da ação supostamente criminosa de Bolsonaro agir para deixar o coronavírus espalhar-se e contaminar mais rapidamente um maior número de pessoas para enfim alcançar a famigerada “imunidade de rebanho”, na qual o vírus deixaria de circular e o contágio e as mortes cessariam. Seria a base desse pedido de impeachment a interpretação do descaso de Bolsonaro para a compra de vacinas, sua insistência em querer empurrar cloroquina como um remédio que previne a doença e o seu comportamento pessoal de não usar máscaras, de promover aglomerações e de desqualificar as medidas adotadas pelos governadores e prefeitos para frear o contágio do vírus, como fechamento temporário de comércio e serviços não essenciais. Entretanto, com o depoimento dos irmãos Miranda na CPI na última sexta-feira (25/6), ficou claro pelas falas de alguns senadores e senadoras que os trabalhos agora têm uma nova frente mais robusta de investigação: o golpe bilionário da compra de vacinas da covaxin que estava sendo ministrado nas veias do Ministério da Saúde.


O livre arbítrio e a vontade de Deus, inicialmente expostas, ganham correlação com três fatos. Primeiro a insistência que Bolsonaro declara que: “somente Deus me tira dessa cadeira presidencial”. Segundo as manifestações ocorridas que levaram milhares de pessoas às ruas pelo impeachment de Bolsonaro e que pressionam o Congresso Nacional a partir do aumento da adesão da população ao “fora Bolsonaro”. Por último, está nas mãos de Arthur Lira, que tem o poder constitucional para tal, aceitar qualquer um dos pedidos que estão engavetados ou aguardar que a CPI produza um material explosivo que possa incendiar ainda mais as ruas, assim como se não bastassem os 500 mil mortos e a ameça real que Bolsonaro é para a saúde pública e para a democracia no Brasil. A “Aliança pelo Brasil” de Bolsonaro com o Centrão de Arthur Lira e Ricardo Barros, ambos do Partido Progressistas (PP), fez que em 20 de maio último o presidente desse a seguinte declaração: “Fui do PP por muito tempo. Ele (senador Ciro Nogueira atual presidente do PP) não está apaixonado por mim, mas está me namorando, quer que eu retorne ao PP. Quem sabe, se ele souber conversar, for bom de papo, quem sabe a gente volte. Não estou me fazendo de difícil, é um grande partido”. Bolsonaro assim se manifestou porque precisa de uma legenda para concorrer em 2022 e o caminho mais cômodo seria abraçar-se de vez com Lira, Nogueira e Barros. Parece que essa “trindade” (que não é santa) está ameaçada pelas forças sinistras que induzem os homens a corrupção dos pecados.


O deputado Luís Miranda (DEM-DF), com o apoio de seu irmão, colocou Bolsonaro nu e as evidências demonstram que será necessário “construir uma narrativa” (termo na ponta da língua dos bolsonaristas quando o assunto é a CPI) para lá fantástica que possa esclarecer todas as convergências que puseram Bolsonaro despido no colo do PP em um namoro não muito inocente para os padrões conservadores. A última coincidência aconteceu em 6 de maio quando Bolsonaro nomeou a mulher de Barros para uma cadeira no conselho de administração da Itaipu Binacional, com um salário de R$ 27 mil, para comparecer em reunião que acontece a cada dois meses. É importante que se diga que quando Bolsonaro nomeou Cida Borghetti e anunciou namoro com o PP, ele já tinha sido avisado em 20 de março, pelos irmão Miranda, da irregularidade criminosa da importação das vacinas da covaxin, portanto não somente deixou de levar adiante a investigação para a Polícia Federal, conforme prometera, bem como resolver premiar a Barros e sua mulher. Para provar tudo isso, o delator Luís Miranda insinuou que existe uma gravação da conversa que tiveram com Bolsonaro e o ameça para que não ouse desmenti-lo. Se provado que foi avisado e nada fez, independente das vacinas terem sido compradas ou não, Bolsonaro cometeu o crime de prevaricação e corrupção passiva, artigos 319 e 317 respectivamente do código penal que, por ironia, somados dão pena máxima de 13 (treze) anos. Os mais leigos poderiam perguntar: mas qual seria a vantagem recebida por Bolsonaro? Simples, manter o apoio do PP, principal partido do Centrão, não desagradando Lira que tem a chave da gaveta dos pedidos de impeachment e arrastar-se como presidente até o final de 2022 e preparar o golpe anunciado contra as urnas eletrônicas e a falácia do “voto impresso e auditável”. Bolsonaro insisti em ignorar que em vinte e cinco anos não houve nenhum registro de fraude no processo eleitoral brasileiro e que ele mesmo vem sendo eleito a sucessivos mandatos pela mesma urna que hoje desacredita.


O ditado popular diz que “Deus escreve certo por linhas tortas” e esse Deus que Bolsonaro tanto cita parece querer demonstrar qual seja a sua vontade, porque outro ditado diz: “o povo é a voz de Deus”, neste caso a voz de Deus reverbera nas bocas de uma multidão está indo para as ruas protestar. No entanto, é uma incógnita se Arthur Lira tenha se arrependido dos engavetamentos dos pedidos de impeachment, pedido penitência de seus pecados e esticado o dedo para alcançar Deus. Não existe citação bíblica que possa encaixar-se mais nos acontecimentos que: “e conhecerão a verdade, e a verdade libertará vocês” (João 8:32). Que a CPI traga toda e verdade que precisamos para nos libertar de Bolsonaro.


João Lago

domingo, 20 de junho de 2021

A necessidade de unificação das vozes nas ruas


As manifestações que ocorreram no último sábado (19/6) demonstram uma reação de uma maioria insatisfeita com a destruição sistemática de valores que nos distinguem como nação civilizada. A Amazônia sendo reduzida a toras de madeira e seus rios contaminados por garimpeiros de mercúrio que tornam inservíveis peixes para alimentação dos povos tradicionais. Grileiros apoderam-se das terras devastadas pelos madeireiros ilegais transformando em pasto o que um dia foi o lar de várias espécies de animais e plantas. Os nascidos nessa terra sabem que o solo amazônico esconde um paradoxo de floresta exuberante e solo frágil. Retira-se a cobertura vegetal e o que sobra é um solo amarelado que não serve para agricultura de larga escala sem uma onerosa correção de solo.

Se a ameaça ao meio ambiente per si já fosse suficiente para exortar a derrubada de um governo, veio a pandemia e demonstrou como é importante que uma nação tenha um governante com empatia pelo seu povo. Boris Johnson, primeiro-ministro inglês, passou de negacionista da ciência a um defensor do lockdown, do uso de máscaras e providenciou vacinas para imunizar os seus concidadãos, mas sem antes passar ele próprio por uma internação para curar sua covid-19. É perdoável sua atitude inicial, pois o SARS-CoV-2 era uma incógnita quanto ao seu tratamento e várias tentativas foram lançadas mesmo antes dos ensaios clínicos. Muitos dos tratamentos que hoje são aplicados nas UTIs, como o uso de antibióticos, anticoagulantes e corticoides, tiveram sua eficácia comprovada, em reduzir os efeitos nefastos do vírus em nosso corpo, pela análise clínica dos pacientes. Na esteira da crescente lotação dos hospitais, medicamentos foram sendo testados e descartados por não apresentarem qualquer benefício que pudesse prevenir que casos severos pudessem evoluir para a morte do paciente. Países civilizados abandonaram o “achismo” e começaram a apostar nas vacinas e nas medidas não farmacológicas para proteger sua população. O resultado está visível diante dos nossos olhos, pois Reino Unido, EUA, Israel, Canadá a medida que ultrapassam mais de 50% de sua população vacinada, as hospitalizações e mortes decrescem e já começam, mesmo que com muito cuidado, a flexibilizar o uso de máscaras e permitir aglomerações em eventos públicos e privados. Bem diferente do Brasil que com pouco menos de 15% de nossa população vacinada com a segunda dose, tem um governante que manda o seu ministro da saúde estudar desobrigar o uso de máscaras para os já vacinados e reiteradamente ainda defende cloroquina como esperança de cura para covid-19.

No entanto, se somente o meio ambiente e a saúde do brasileiro não fossem motivos suficientes para uma revolta popular, será que a perda da liberdade democrática, com sucessivos arrotos de golpe, não poderia despertar uma ação política constitucional para apear um governo que age para destruir o que conquistamos em apenas um terço de século? Um governo errático em sua lida no meio ambiente e na saúde pública poderia ganhar carta branca ditatorial para suprimir a imprensa, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal e agir livremente sem oposição em suas ações? Talvez se economicamente o Brasil estivesse em pleno emprego poderiam vozes serem levantadas pela necessidade de ignorarmos tudo isso e aguentarmos mais um ano e meio de agonia política e social? Infelizmente a inflação aproxima-se perigosamente dos dois dígitos e os juros começam a subir com previsão da taxa Selic (que baliza os juros básicos da economia), que já foi 2%, chegar no final de 2021 em 5,5% ao ano. Comércios fechados pelos erros na condução da pandemia, desemprego aumentando em função disso, compõe a cereja colocada nesse monte de estrume produzido pelo governo Bolsonaro. Não há nada que justifique a manutenção desse governo e as manifestações que não deveriam acontecer em um momento tão grave da pandemia, com mais de 500 mil vidas perdidas, são uma reação de desespero para sinalizar que o copo transbordou.

Em Manaus, o número de manifestantes aumentou nas ruas desde 29 de maio, mas a pauta daqueles que usaram o microfone do alto do carro de som usavam a pandemia como pano de fundo de suas próprias reivindicações. Até as pedras do caminho sabem que Bolsonaro demonstra ser homofóbico, misógino e flerta com supremacistas brancos, mas um discurso voltado para o próprio umbigo, ainda que necessário, estrategicamente deixa uma ideia difusa sobre o porquê de irmos as ruas pedir pela saída de Bolsonaro. As próximas manifestações devem pautar que Bolsonaro é uma ameaça a saúde pública, ao meio ambiente e a nossa democracia, além do que, sem essa última sequer estaríamos nas ruas pedindo o seu impeachment. É necessário compreender que todas as demais pautas sociais são importantes, mas secundárias em um momento em que precisamos fazer que mais pessoas possam compreender como é grave o momento político no qual vivemos, no qual a cooptação de setores das forças armadas e das polícias civis e militares pode levar a formação de uma milícia pró-golpe de Bolsonaro. Descomplicando, o que é de fundo são todas as pautas feministas, antirracistas, indígenas, gays etc., mesmo porque boa parte da população não se identifica com essas reivindicações e é necessário nos unirmos naquilo que nos é comum. O aumento do preço dos alimentos nos supermercados, a morte de parentes e amigos pela covid-19, a estagnação econômica, o desemprego e a ameça de perdermos nossa liberdade democrática.

Precisamos compreender que todas as pautas civilizatórias são ameaçadas por Bolsonaro e que se ao olharmos para o lado pensando em não agredir esteticamente quem pensa diferente todos tem a ganhar. O que nos une é a necessidade premente de nos livrarmos de Bolsonaro e as demais lutas hão de revigorar-se na sociedade.

João Lago