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domingo, 20 de junho de 2021

A necessidade de unificação das vozes nas ruas


As manifestações que ocorreram no último sábado (19/6) demonstram uma reação de uma maioria insatisfeita com a destruição sistemática de valores que nos distinguem como nação civilizada. A Amazônia sendo reduzida a toras de madeira e seus rios contaminados por garimpeiros de mercúrio que tornam inservíveis peixes para alimentação dos povos tradicionais. Grileiros apoderam-se das terras devastadas pelos madeireiros ilegais transformando em pasto o que um dia foi o lar de várias espécies de animais e plantas. Os nascidos nessa terra sabem que o solo amazônico esconde um paradoxo de floresta exuberante e solo frágil. Retira-se a cobertura vegetal e o que sobra é um solo amarelado que não serve para agricultura de larga escala sem uma onerosa correção de solo.

Se a ameaça ao meio ambiente per si já fosse suficiente para exortar a derrubada de um governo, veio a pandemia e demonstrou como é importante que uma nação tenha um governante com empatia pelo seu povo. Boris Johnson, primeiro-ministro inglês, passou de negacionista da ciência a um defensor do lockdown, do uso de máscaras e providenciou vacinas para imunizar os seus concidadãos, mas sem antes passar ele próprio por uma internação para curar sua covid-19. É perdoável sua atitude inicial, pois o SARS-CoV-2 era uma incógnita quanto ao seu tratamento e várias tentativas foram lançadas mesmo antes dos ensaios clínicos. Muitos dos tratamentos que hoje são aplicados nas UTIs, como o uso de antibióticos, anticoagulantes e corticoides, tiveram sua eficácia comprovada, em reduzir os efeitos nefastos do vírus em nosso corpo, pela análise clínica dos pacientes. Na esteira da crescente lotação dos hospitais, medicamentos foram sendo testados e descartados por não apresentarem qualquer benefício que pudesse prevenir que casos severos pudessem evoluir para a morte do paciente. Países civilizados abandonaram o “achismo” e começaram a apostar nas vacinas e nas medidas não farmacológicas para proteger sua população. O resultado está visível diante dos nossos olhos, pois Reino Unido, EUA, Israel, Canadá a medida que ultrapassam mais de 50% de sua população vacinada, as hospitalizações e mortes decrescem e já começam, mesmo que com muito cuidado, a flexibilizar o uso de máscaras e permitir aglomerações em eventos públicos e privados. Bem diferente do Brasil que com pouco menos de 15% de nossa população vacinada com a segunda dose, tem um governante que manda o seu ministro da saúde estudar desobrigar o uso de máscaras para os já vacinados e reiteradamente ainda defende cloroquina como esperança de cura para covid-19.

No entanto, se somente o meio ambiente e a saúde do brasileiro não fossem motivos suficientes para uma revolta popular, será que a perda da liberdade democrática, com sucessivos arrotos de golpe, não poderia despertar uma ação política constitucional para apear um governo que age para destruir o que conquistamos em apenas um terço de século? Um governo errático em sua lida no meio ambiente e na saúde pública poderia ganhar carta branca ditatorial para suprimir a imprensa, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal e agir livremente sem oposição em suas ações? Talvez se economicamente o Brasil estivesse em pleno emprego poderiam vozes serem levantadas pela necessidade de ignorarmos tudo isso e aguentarmos mais um ano e meio de agonia política e social? Infelizmente a inflação aproxima-se perigosamente dos dois dígitos e os juros começam a subir com previsão da taxa Selic (que baliza os juros básicos da economia), que já foi 2%, chegar no final de 2021 em 5,5% ao ano. Comércios fechados pelos erros na condução da pandemia, desemprego aumentando em função disso, compõe a cereja colocada nesse monte de estrume produzido pelo governo Bolsonaro. Não há nada que justifique a manutenção desse governo e as manifestações que não deveriam acontecer em um momento tão grave da pandemia, com mais de 500 mil vidas perdidas, são uma reação de desespero para sinalizar que o copo transbordou.

Em Manaus, o número de manifestantes aumentou nas ruas desde 29 de maio, mas a pauta daqueles que usaram o microfone do alto do carro de som usavam a pandemia como pano de fundo de suas próprias reivindicações. Até as pedras do caminho sabem que Bolsonaro demonstra ser homofóbico, misógino e flerta com supremacistas brancos, mas um discurso voltado para o próprio umbigo, ainda que necessário, estrategicamente deixa uma ideia difusa sobre o porquê de irmos as ruas pedir pela saída de Bolsonaro. As próximas manifestações devem pautar que Bolsonaro é uma ameaça a saúde pública, ao meio ambiente e a nossa democracia, além do que, sem essa última sequer estaríamos nas ruas pedindo o seu impeachment. É necessário compreender que todas as demais pautas sociais são importantes, mas secundárias em um momento em que precisamos fazer que mais pessoas possam compreender como é grave o momento político no qual vivemos, no qual a cooptação de setores das forças armadas e das polícias civis e militares pode levar a formação de uma milícia pró-golpe de Bolsonaro. Descomplicando, o que é de fundo são todas as pautas feministas, antirracistas, indígenas, gays etc., mesmo porque boa parte da população não se identifica com essas reivindicações e é necessário nos unirmos naquilo que nos é comum. O aumento do preço dos alimentos nos supermercados, a morte de parentes e amigos pela covid-19, a estagnação econômica, o desemprego e a ameça de perdermos nossa liberdade democrática.

Precisamos compreender que todas as pautas civilizatórias são ameaçadas por Bolsonaro e que se ao olharmos para o lado pensando em não agredir esteticamente quem pensa diferente todos tem a ganhar. O que nos une é a necessidade premente de nos livrarmos de Bolsonaro e as demais lutas hão de revigorar-se na sociedade.

João Lago

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