Perguntar-se qual a relevância da menstruação da baleia na coloração do mar vermelho é uma alegoria que ensina porque nem tudo que parece ter correlação positiva com um fenômeno pode ser considerado como algo que o explique. Lembrei-me dessa obviedade na insistência do senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) em citar Rancho Queimado-SC como exemplo de sucesso da cloroquina como tratamento precoce. É surreal que um país com uma média de 2.000 mortos diária ainda esteja discutindo se um medicamento que não serve para covid-19 deva ser indicado para o seu tratamento. No entanto, vou dar aqui minha contribuição para elucidar a ignorância ou má-fé do senador Heinze.
Rancho Queimado é uma cidade de 2.748 habitantes que possui 59,6% vivendo na área rural, conforme informação disponível no portal da prefeitura na internet. Excluindo os que vivem no campo, sobram 1.110 almas residindo na área urbana. Somente o bairro de Educandos em Manaus, com 15.857 habitantes, acomodaria quatorze Ranchos Queimados, demonstrando o quanto deve ser espaçoso e pacto o município catarinense. Até o momento o covid-19 ceifou duas vidas em Rancho Queimado, correspondendo 1,80% de sua população. Somente para comparação, Manaus com uma população de 2,02 milhões de habitantes, que já passou por duas ondas de infecção e falta de oxigênio nos hospitais, contabilizava 9.025 óbitos até o dia 6 de junho. O número de mortes em Manaus corresponde a 0,44% da população total urbana, proporcionalmente três vezes menor que Rancho Queimado e, podendo supor, com suas duas mortes ser mais letal e perigoso morar no município catarinense que na capital do Amazonas? A resposta é não, porque simplesmente comparar uma cidade com pequena população e baixa densidade populacional com qualquer metrópole densamente povoada não contém honestidade intelectual. Devemos ainda considerar outros fatores como: quantidade da população já exposta ao vírus, taxa de circulação de indivíduos e a taxa de adesão a medidas não farmacológicas como distanciamento social, asseio das mãos e uso de máscaras para minimamente criar uma base de comparação.
É importante que se diga que existe diferença entre taxa de mortalidade e taxa de letalidade. No exemplo apresentado entre Rancho Queimado e Manaus refere-se a taxa de mortalidade, mas o correto é calcular a taxa de letalidade, ou seja, a quantidade de mortes em relação ao total de indivíduos que testaram positivo para covid-19. Porém, como é sabido que o governo brasileiro não disponibilizou testes de covid-19 para aplicar em toda sua população, é certo que existe uma subnotificação de casos em indivíduos que tiveram sintomas leves e que não procuraram atendimento médico. Rancho queimado com 2 mortes e 429 casos confirmados têm uma taxa de letalidade de 0,46% e Manaus com 9.025 óbitos e 179.186 casos confirmados apresenta letalidade de 5,03%.
Provavelmente Rancho Queimado, com sua pequena população, com a vacinação e a exposição da população ao vírus, não alcance a taxa de letalidade de Manaus, mas absolutamente isso não tem nenhuma correlação com o fato da prefeitura ter disponibilizado cloroquina para sua população. Assim com o sangue da menstruação da baleia não é a causa da coloração do mar vermelho, a cloroquina não é responsável por salvar vidas em Rancho Queimado ou em qualquer outro município brasileiro. Quem afirma ao contrário não é honesto intelectualmente e tenta justificar o injustificável.
João Lago.
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