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domingo, 4 de julho de 2021

Um monstro cercado de víboras


Um dos entes mais lembrados da mitologia grega em filmes de ação é a Medusa. Trata-se de uma figura feminina que de sua cabeça brotam serpentes, ornando-a em forma de cabelos. Além do aspecto horripilante de sua face, quem olhasse diretamente para os olhos de Medusa era transformado imediatamente em uma estátua de pedra. Coube a Perseu cortar a cabeça de Medusa com sua espada, usando o reflexo de seu escudo para localizá-la e, assim, evitando olhar diretamente em seus olhos. No entanto, mesmo depois de decapitada, a cabeça de Medusa ainda mantinha o poder de transformar em pedra quem olhasse em seus olhos. Perseu a guardava em um saco e a usou contra os seus inimigos.

A intolerância é um mal que cresce na onda de uma divisão que acompanha o debate político, mas precisamente com os ataques de ódio da extrema direita brasileira reacionária e golpista. Há que diga que exista um oposto ao bolsonarismo na política, mas basta olhar a história recente para ver que todos os presidentes eleitos, desde 1985, sujeitaram-se e respeitaram o jogo democrático. Fernando Collor foi apeado do poder e caçado os seus direitos políticos, mesmo renunciando à presidência, e não se tem notícia que tenha atacado as instituições. Mais recentemente, Dilma Rousseff também sofreu impeachment e, ao meu juízo, com fatos políticos de menor impacto daqueles que hoje movimentam os brasileiros nas ruas. É importante que se diga que Lula entregou-se para ir a cadeia sem oferecer resistência e hoje é fato que o juiz que o julgou agiu de forma parcial por interesses políticos pessoais. Porém, ao participar do bolsonarismo, Sérgio Moro aprendeu que ali não existe espaço para divergências, sendo proibido expressar qualquer pensamento que não reproduza o de Bolsonaro e de seus filhos. Qualquer um que pense ao contrário estará fadado a ser expurgado com desonra. Foi assim com Gustavo Bebiano, general Santos Cruz, Sérgio Moro, Joice Hasselmann, Alexandre Frota e tantos outros que foram para a cena política com Bolsonaro, mas que não permaneceram por não se anularem como pessoas pensantes. Restaram os que não se importam em ser identificados como uma das inúmeras serpentes da cabeça de Medusa que é o bolsonarismo.

A lembrança do Mito da Medusa como uma analogia ao bolsonarismo é porque todos os que passaram pelos olhos de Bolsonaro caíram em desgraça, ou estão em vias de estar. A lista é significativa: Sérgio Moro, Abraham Weintraub, Ernesto Araújo, Ricardo Salles e, mais recentemente, general Pazuello. Alguns desses nomes estão seriamente envolvidos em escândalos, ou estão sendo indiciados na justiça, ou chegando muito perto disto. A verdade é que todos aqueles que seguem fielmente a cartilha de Bolsonaro em algum momento serão confrontados com os absurdos de seus próprios atos e, quanto mais alinhados e próximos, grande é o risco de irem parar na cadeia.

A Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI que acontece no Senado Federal é o que mais se aproxima a ser chamada de Perseu, pois assim como o herói grego não poderia olhar diretamente em seus olhos, inicialmente a CPI buscava subterfúgios para decepar-lhe a cabeça, até que surgiu o fato concreto da prevaricação de Bolsonaro em não mandar apurar a corrupção criminosa das vacinas superfaturadas. No entanto, cortar a cabeça da Medusa não diminui o seu poder, sendo necessário mantê-la bem aprisionada.

O mito da Medusa e de Perseu nos serve de alegoria para compreender um outro mito: Não se pode colocar um monstro cercado de víboras para governar, pois ou esse mito nos paralisa, ou será necessário (metaforicamente falando) cortar-lhe a cabeça.

João Lago


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