Conheci Chris Lowney em Setembro de 2008 no Rio de Janeiro em um encontro latino-americano promovido pela Província dos Jesuítas do Brasil. Novamente tornei a reencontrá-lo um ano depois na Colômbia, agora participando de um curso de fundraising(1) na Universidade Javeriana de Bogotá. Chris Lowney trabalhou como diretor na J.P. Morgan & Co em Nova Iorque, Londres, Tóquio e Singapura e como financista acumulou certa fortuna, ao ponto de abandonar a carreira promissora como executivo financeiro e seguir fazendo palestras pelo mundo sobre formas de obtenção de financiamentos para ONGs(2). No entanto, o motivo de citá-lo aqui foi eu ter tido a oportunidade de ter lido o seu livro Heroic Leadership: Best Practices from a 450-Year-Old Company That Changed the World (3) que conta a trajetória de 450 anos da ordem católica dos jesuítas, mas com os olhos de um homem de negócios que vê inspiração para as empresas em geral nesta história de superação de uma ordem católica que conseguiu sobreviver a perseguição interna da própria igreja a qual pertencia.
Os jesuítas foram banidos da Europa pelo Papa Clemente XIV em 21 de julho de 1773, e somente retornaram quarenta anos depois no pontificado do Papa Pio VII por meio da Bula Papal “Sollicitudo onminim ecclesiarum”(4). Em seu livro, Chris Lowney conta que os jesuítas expulsos da Europa refugiaram-se nas treze colônias inglesas na América (hoje EUA), a partir de sua proclamação de independência em 1776. Outros jesuítas foram para a Rússia, recebendo o asilo da Czarina (rainha) Catarina que, simpatizante dos jesuítas, em 17 de junho de 1773 tornou público seu Edito da Tolerância, que instituiu a liberdade religiosa em seus domínios. Assim, no Século XVIII o iluminismo francês, muito antes da revolução francesa, inspirou tanto a monarquia russa, como o surgimento da primeira democracia no mundo. Dois séculos depois, esses dois atores, Rússia (então URSS) e EUA, protagonizaram o mundo dividido em dois blocos antagônicos: Capitalista e Socialista.
Robert Putnam, criador do conceito de “Capital Social”(5), em seu livro Making Democracy Work: Civic Traditions in Modern Italy(6) descreveu a democracia americana do Século XIX por meio da visão de Alexis de Tocqueville, na qual o pensador francês relata sua admiração por uma nação de efervescência social, onde os cidadãos se reúnem em grupos que agem em conjunto lutando por interesses comuns, com a participação de classes de menor renda da sociedade, seio que emerge a força política que mantém o governo democrático. No entanto, a democracia americana somente subsistiu pelo respeito a sua constituição federal que protege, desde a fundação do país, a livre expressão de opinião das ideias, assim como a liberdade religiosa, daí porque os jesuítas terem sido aceitos nos EUA, mesmo sendo uma nação de predominância calvinista/luterana. Poderiam não gostar dos jesuítas, mas os toleravam em respeito a sua constituição e as garantias democráticas que tornava livre e coesa aquela jovem nação. Desta forma, por mais que eu seja crítico ao modelo da sociedade estadunidense atual, não posso negar sua importância histórica como promotora da democracia moderna.
No Século XX, os historiadores apontam a Igreja Católica, no pontificado de João Paulo II, como responsável pela aceleração da queda do socialismo soviético, ou comunismo como o conhecemos. Um papa polonês, que apoiou o sindicato Solidariedade de Lech Walesa em seu país natal, um modelo de associativismo não desejado em governos totalitários e antidemocráticos. A história completa todos nos que temos mais de 35 anos e que somos minimamente politizados acompanhamos. Assim, nos países antes velados pelas “cortinas de ferro”, nos quais os Estados Socialistas condenavam a religião, há um avanço no crescimento do cristianismo e, principalmente, da fé católica. João Paulo II em seu derradeiro suspiro talvez tenha pensado que havia deixado o mundo mais afeito a aceitar a religião, ou pelo menos os dogmas que constroem o cristianismo.
No Século XXI, um fenômeno tenho observado, que qualquer um que seja fã das “teorias conspiratórias”(7) ficaria de orelha em pé, é que governos socialistas eleitos em alguns países democráticos revisam, ou aprovam, leis que vão de encontro aos dogmas do cristianismo. No Uruguai o ex-guerrilheiro José Mujica, que lutou na extrema-esquerda pela implantação de um governo socialista, sanciona o aborto e o casamento gay. Na França o governo socialista de François Hollande autoriza o casamento gay e a adoção de crianças por esses casais, mesmo havendo gigantescas manifestações de franceses contrários a medida. Na Argentina dos Kirchner, na qual o Nestór, o falecido marido peronista de Cristina, foi preso duas vezes pela ditadura de seu país e era considerado membro da esquerda portenha, mas não foi morto pela ditadura porque, formado em direito, manteve-se longe da política nos anos da ditadura, exercendo a profissão de advogado. Cristina, sua esposa e herdeira política, como presidente promove e sanciona o casamento gay na Argentina.
No Brasil, a ex-guerrilheira socialista Dilma Roussef, eleita presidente, com a nomeação de Eleonora Menicucci, uma abortista militante para a ministra Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, demonstra (apesar de negado em campanha) sua simpatia pela descriminalização do aborto no Brasil. Além disto, é justamente no governo Dilma que a “casamento gay” é referendado no STF – Supremo Tribunal Federal, mesmo indo de encontro a maioria contrária a questão no Congresso Nacional. Como escrevi, tudo isto pode ser grande coincidência, mas daria uma boa história conspiratória como o socialismo vem em algumas partes do mundo minando a resistência dogmática das igrejas cristãs.
No entanto, retornando as duas nações citadas no início desta reflexão, ou seja Rússia e EUA, é justamente delas que vem as principais derrotas de grupos que buscam vencer um dos pilares dos valores cristãos: A família composta pela união de um homem com uma mulher.
Na Rússia é de onde chegam as notícias de maior acirramento das tensões contra a militância gay, justamente em um país que na sua história recente colocou a religião como proscrita, ou mesmo clandestina e sem direitos. Em Junho de 2012, o Tribunal Municipal de Moscou proibiu as paradas gays por cem anos. Já nos EUA a Suprema Corte daquele país não demonstra ser tão liberal quanto o nosso STF, e desde março a imprensa brasileira silenciou quanto o julgamento de recursos que visam efetivar nos seus 50 Estados a ampliação de direitos para a união de pessoas do mesmo sexo. O DOMA - Defense of Marriage Act(8), uma lei federal de 1996, que proíbe benefícios federais a casais do mesmo sexo, é contestada a partir de 2008 na Suprema Corte Americana. É preciso explicar que a constituição estadunidense permite que os Estados tenham legislações próprias, tanto que em doze Estados (número menor que as colônias iniciais que formaram aquela nação) o casamento gay foi aprovado, mas na federação não é reconhecido, no que se refere aos benefícios fiscais e previdenciários. A militância e simpatizantes do casamento gay não conseguem obter apoio a sua causa entre a maioria da população estadunidense, justamente em um país que sempre foi considerado exemplo de liberdade e democracia, mas que somente em 1967 aprovou o casamento entre brancos e negros. Nos EUA é preciso que sejamos claros, jamais aprovariam a criminalização da “homofobia” da forma que está descrita na PL 122 (9), assim como não há lei como a brasileira que criminaliza o racismo. A razão é simples: “todos tem a livre expressão de pensamento, mesmo que seja de origem antissemita (nazista), ou que seja recheada de preconceitos contra os negros”. Como escrevi, mantenho minha crítica quanto aos aspectos de formação da sociedade dos EUA como modelo, assim como reafirmo minha condenação a qualquer espécie de preconceito, pelo simples fato de ser cristão.
Em Julho o Papa Francisco, jesuíta de formação virá ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude. Aqui chegando encontrará um país no qual boa parte da mídia apoia a militância gay e busca criar entre os mais jovens uma visão relativista no que se refere ao conceito de família. Também encontrará um governo federal pró-aborto, que começou a distribuir pílulas abortivas (chamadas do dia seguinte) por meio do SUS e tenta descriminalizar o aborto via reformulação do Código Penal. Assim, caberá ao Papa Francisco a missão trazer para essa juventude a reafirmação de valores considerados anacrônicos por correntes neossocialistas. Tentará resgatar o carisma de João Paulo II que conquistou a admiração dos jovens de seu tempo (fui um deles).
Quando iniciei esta resenha, como todas essas ideias na cabeça, o que verdadeiramente motivou-me a escrevê-la foi refletir que os católicos devem a democracia dos EUA do Século XVIII a existência de uma Papa Francisco, assim como devem também a Czarina da Rússia em igual período.
Como católico, desejo ao sumo pontífice nesse Pentecostes, que o Espírito Santo de Deus possa inspirá-lo a conduzir sua Igreja neste Século, porque serão imensos os seus desafios, talvez tão mais poderosos e gigantescos do que aqueles enfrentados por João Paulo II. Assim, nada mais estratégico do que um papa que venha de uma ordem católica que soube resistir ao seu tempo.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
NOTAS:
- Fundraising, termo em inglês que significa “captação de fundos”.
- ONG - Organizações Não Governamentais, entidades privadas que atuam em atividades que deveriam ser do governo.
- Em tradução livre: Liderança heroica: As melhores práticas de uma empresa de 450 anos que mudou o mundo.
- Em livre tradução: Cuidados com as Igrejas
- Conceituo o termo como a influência do associativismo como fator de transformação econômica e social de uma nação.
- Em livre tradução: Fazendo a democracia funcionar: tradições cívicas na moderna Itália.
- Teorias que supõem que um grupo organizado de conspiradores está envolvido em um plano e que trabalha na clandestinidade.
- Em livre tradução: Lei de Defesa do Casamento
- Projeto de Lei que transforma em crime qualquer manifestação que seja entendida como preconceito contra homossexuais.
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