sábado, 14 de abril de 2012
Quebra cabeça jurídico
Nesta manhã de sábado, a partir da análise das consequências da decisão do Supremo Tribunal Federal - STF assegurando o aborto de fetos com anencefalia, pensei no seguinte quebra-cabeça:
Uma mulher remediada casa-se por amor (verdadeiro) com um homem muito rico, mas por imposição da família, que a tratava como uma aventureira, essa mulher honesta para fugir da pecha de interesseira decide com o marido casar-se em regime total de separação de bens. Passado algum tempo após o casamento, essa mulher engravida e, antes de realizar o primeiro ultrassom, o marido rico morre em um acidente trágico sem deixar testamento. O pesar toma conta dessa jovem mulher, que se agarra ao fato de ter em si um pedaço do marido, fruto desse amor que a acompanhará doravante. A família do marido morto, que nunca a suportou, devido a gravidez decide que a mesma continue a morar na casa confortável, usufruindo de todos os bens materiais antes disponíveis a ela (talvez por uma mera condescendência moral). No entanto, ao realizar o primeiro ultrassom, os médicos notam que existe algo errado no feto, cujos exames revelam o assustador diagnóstico de que o bebê é anencéfalo. A família do marido, face a perspectiva da possibilidade aberta pelo STF, aproxima-se da mãe tentando convencê-la a abortar, com o argumento que o bebê está morto em seu ventre e que continuar a gravidez é um sofrimento.
A jovem mãe inicialmente fica em dúvida se deve ou não aceitar a proposta da família do rapaz, mas, por natureza exclusivamente sentimental, decide que irá gestar a criança. Porém, a partir desta decisão a família declara que não irá dar mais o apoio a jovem mulher e entra com uma ação de despejo para que esta abandone a casa do marido, que não lhe pertence, dentre uma das justificativas alegadas é que o bebê em seu ventre, baseado no entendimento do STF, está morto. A jovem mulher desesperada, sem o amparo que tinha do marido (agora morto), decide procurar ajuda de um advogado.
Para quem é um pouco mais leigo no direito do que eu, vou explicar brevemente qual é o entrave jurídico (perdoe-me se em algum momento eu equivocar-me, pois o direito não é minha praia). O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 4o., declara que a personalidade civil está assegurada no nascimento com vida, ou seja, se durante um breve tempo tendo o bebê respirado, ele adquire todos os direitos legais de ser filho do pai que tem (ou teve, neste caso). No entanto, enquanto no ventre da mãe, a lei garante o direito do nascituro, ou seja, assegura que ele não pode ser morto, o que tipifica o crime de aborto quando praticado fora do que hoje permite o ordenamento jurídico brasileiro (gravidez por estupro ou risco de vida a mãe).
De maneira objetiva, antes do decisão do STF não restavam dúvidas que a situação descrita neste quebra-cabeça, mesmo a criança nascendo e vivendo por breves instantes, torna-se automaticamente herdeira de todo o patrimônio do pai morto e, após respirar e vir a falecer transforma a mãe (essa pobre mulher achincalhada pela família do marido morto) em herdeira universal de todo o patrimônio, não cabendo absolutamente nada aos pais do marido (herdeiros ascendentes).
O advogado dessa mulher entra com um mandado de segurança com um pedido liminar para que a mãe continue a morar na casa do marido morto, baseando-se no direito do nascituro (ou seja, do bebê em seu ventre). Todavia, a família do marido contrata renomados advogados que refutam que haja direito do nascituro, baseando-se na decisão do STF, alegando que não existe direito já que o bebê não pode ser considerado vida. Assim, tanto faz vir ao mundo e respirar, pois jaz morto no ventre da mãe, somente esperando o enterro no final da gestação, como reiterado por vários ministros do STF durante o polêmico julgamento.
Bem, agora ponha-se como o juiz que irá julgar todo este imbróglio, mas não desejo nenhuma erudição jurídica sobre o caso, mas uma opinião como leigo (se assim o fores). Peço apenas que reflita que os direitos do nascituro, nos casos de anencéfalos, antes tão cristalinos, agora estão turvos por essa decisão desleixada e irresponsável do STF.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
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