No dia de ontem, moradores de áreas alagadas próximas aos igarapés da cidade de Manaus, realizaram protestos pedindo apoio a situação de calamidade que se encontram. Reivindicam madeira para subirem os assoalhos de suas casas, prática comum para moradores que se instalam as margens do rio, quando a água alcançam o piso, constroem outro mais acima. Os jornais de hoje noticiam que uma manifestação dos moradores fechou a ponte Senador Fábio Lucena, conhecida como ponte do São Raimundo, havendo muita confusão e intervenção da polícia e do corpo de bombeiros. No entanto, uma outra manifestação, esta em zona alagada próxima ao Distrito Industrial ,acontecia no mesmo momento.
Retornava da Bienal do Livro de Manaus às 17h30min., quando deparei-me com uma manifestação na Avenida Costa e Silva, próxima a Bola da Suframa, na qual um pequeno grupo de moradores que ocupam o leito do igarapé do Quarenta, também queimavam pneus, madeiras e gritavam palavras de ordem. Bloquearam a avenida de acesso ao Distrito Industrial de Manaus, justamente no horário de saída dos ônibus de rota lotados de industriários. O caos só não foi maior porque ocupavam somente uma via da avenida, justamente aquela no sentido Centro/Distrito Industrial, menos congestionada, já que o fluxo maior era no sentido inverso. Ainda assim, formou-se um congestionamento de aproximadamente três quilômetros.
Na minha adolescência eu ficava impressionado quando os Igarapés de Manaus enchiam nesta época, trazendo toda a sujeira lançada pelo moradores do local, mostrando a natureza toda sua força, devolvendo ao homem o que fora lançado no leito do igarapé. Hoje os igarapés estão sendo todos assoreados pelo Prosamim* , que me recuso a chamar de recuperação dos igarapés de Manaus. Esta cheia, que se repete tão próxima da última que tivemos, faz-me pensar se isto não é novamente a natureza devolvendo ao homem os reflexos de sua estupidez. Sabemos que existe nessa época o represamento do Rio Negro pelo Solimões, portanto é de supor que essas águas ocupassem os espaços dos igarapés, hoje ocupados por moradias populares construídas sobre o seu leito. Pergunto-me: Será que por não ter mais o leito natural dos igarapés para ocupar, isto não reflete no aumento do nível do rio Negro defronte Manaus? Não sei, mas como ainda não disponho de informação especializada continuo acreditando que sim.
Entendo como recuperação o retorno do que era nossos igarapés como eram antes, com a vegetação ciliar e as águas limpas, mas o que vemos é justamente a canalização dos igarapés em esgotos e a transformação do seu entorno em vias urbanas. Os milhões de dólares emprestados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, modificam a paisagem urbana no que se refere a situação grotesca que viviam essas comunidades de alagados. Obviamente, na estética o que temos hoje é melhor do que o estado de degradação que existia antes, mas não podemos esquecer que a distribuição de moradias tem o seu projeto populista assistencialista de permanência no poder, fórmula utilizada por sucessivos governos de um mesmo grupo de políticos, que motiva essas populações a esperarem que a solução venha por meio do clientelismo. Essa é a espinha dorsal de sustentação desse grupo de políticos.
Haja dinheiro, com grande endividamento da sociedade amazonense que paga impostos. Enquanto que a velha fórmula de gerar obras vultuosas continuar a render votos, nos bastidores das licitações milionárias o superfaturamento serve para enriquecer alguns e financiar a campanha de poucos. É assim que se mantém no poder, pois esta é a fórmula consagrada.
Não aguento mais ouvir falar em corrupção, de desvios de dinheiro de obras, de caras-de-pau que se apresentam como guardiões da democracia. Quanto desses recursos não deveriam estar sendo usados na construção de escolas (aquelas que ensinam), de hospitais, de coleta de esgotos, em medicina preventiva e curativa, em lazer e cultura (que acrescente ao individuo valores).
Enquanto isto, essa geração que vemos nas ruas, com suas reivindicações (verdadeiras sim) não tem outra perspectiva a não ser a de esperar ajuda, que muitas vezes não vem.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conj. Santos Dumont.
* Prosamim: Programa do governo do Amazonas de construção de casas populares sobre o leiro dos Igarapés de Manaus, acomodando os moradores dessas regiões alagadas em apartamentos populares.
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