O
marido esquece o celular na casa da sogra. Aquela mulher, ao ver o
aparelho, não consegue conter a curiosidade de bisbilhotar com quem
o genro troca mensagens no Whatsapp, mas percebe que o celular está
bloqueado por senha. Esse impedimento poderia ser intransponível
para qualquer mortal, menos para dona Jacinta. Criatura conectada e
atenta para a psicologia das multidões lembra que uma vez em um
artigo sobre “engenharia social”, estratégia utilizada por
hackers, uma das senhas mais utilizadas pelos incautos são datas de
nascimento, principalmente de pessoas próximas. Assim, não se deu
por rogada e na primeira tentativa, digitando o dia do aniversário
do Júninho (seu neto), bingo! Os olhos de dona Jacinta brilharam e
um sorriso cínico de felicidade estampou sua face.
Começou
a esfregar freneticamente o polegar olhando as pequenas fotos de
perfil de cada um dos contatos. Quando a foto lhe parecia
comprometedora abria a conversa e foi assim que encontrou Piluca,
uma morena cuja foto de perfil foi tomada em uma praia e a mesma
posando com um sumaríssimo biquíni. As mensagens trocadas foram as
seguintes:
[4/7
16:39] Piluca: Oi amor você vai para academia hoje?
[4/7
16:42] Diogo: Não dá, hoje a Daiana me ligou e me pediu para buscar
o Júnior na escola.
[4/7
16:47] Piluca: Pôxa, justamente hoje que vou usar aquele conjuntinho
de ginástica que você acha tão sexy. :(
[4/7
16:50] Diogo: Pois é minha flor, mas você vai usar somente para me
agradar? Rsss.
[4/7
16:53] Piluca: Lógico meu bem, adoro ver esse teu sorriso safado
quando me olhas. Diz para tua mulher que terás uma reunião de
trabalho inesperada e vem. Vais perder, justamente hoje que estou com
pensamentos impuros. Rsss.
[4/7
17:05] Diogo: Olha, vou tentar, mas não posso garantir que vou.
Estou hoje mesmo precisando desestressar.
Jacinta
imediatamente baixou a foto de Piluca, clicou nas mensagens e as
encaminhou, acompanhada da foto para a sua conta no Whatsapp e, ato
contínuo, como se tal ato tivesse uma janela de tempo definida por
Aletheia, deusa grega da verdade, ouve bater à porta e entrar Diogo
para buscar o celular esquecido. Ao ter nas mãos conteúdos tão
bombásticos, Jacinta não queria ser a responsável direta pela
infelicidade da filha e acreditando que a mesma deveria tomar ciência
daquela troca de mensagens e da foto, resolve comprar um chip
pré-pago, criar uma conta no Whatsapp e retransmiti-las anonimamente
para sua filha, ainda escrevendo como adendo:
- De
amiga para amiga, teu marido está te traindo.
Daiana
quando leu o conteúdo daquela mensagem sentiu as pernas tremerem ao
ponto de buscar um local para sentar. Não poderia acreditar que o
“tonto” do marido poderia ser capaz de tanta desenvoltura e
desfaçatez, mas logo recuperada do choque uma onda de ódio percorre
seus pensamentos tentando conter-se para não ligar imediatamente
para o “canalha”. Refletiu e achou melhor aguardar que ele
chegasse da suposta reunião de trabalho que ocupou boa parte daquela
noite. Quando finalmente Daiana ouviu a porta da garagem abrir, olhou
para o relógio do celular que marcava 22h. Levantou-se, foi para a
cozinha e na pia começou a lavar a louça do almoço, quando o
marido entrou e tentou abraçá-la por trás e beijá-la na nuca.
Daiana sentiu nojo, esquivou-se, mas conteve a raiva e perguntou: -
Como foi a reunião “meu amor” (dando uma entonação não muito
natural a esse adjetivo possessivo). Diogo desconversou, disse que
tinha sido muito chata e que as cobranças de trabalho eram muitas
dizendo inclusive que estava com um terrível dor de cabeça e que
iria direto para o chuveiro. Daiana recolheu as roupas do marido e
após cheirá-las com uma destreza de um cão perdigueiro, desses que
farejam drogas no fundo das malas, passa vasculhar os bolsos da calça
e da camisa em busca de evidências que pudessem colocá-lo na cena
do crime, porque afinal somente aquela mensagem apócrifa de Whatsapp
não era prova suficiente para condená-lo. Porém, nada encontrou.
Quando
o marido retornou do banho, Daiana tinha nas mãos duas aspirinas.
Diogo, pegando apenas uma das mãos da mulher disse que um comprimido
só era suficiente. Porém, Daiana disse: - Melhor tomar duas por
precaução, porque essa dor de cabeça pode piorar. Perguntou-lhe: -
Quem é Piluca?
Diogo
sentiu faltar-lhe sangue na face, desviou o olhar em direção à
porta, como se desejasse fugir dali, mas Daiana aumentando o tom da
voz insistiu: - Diga homem, quem é Piluca? Diogo respondeu que era
uma conhecida da academia. Com essa resposta, a esposa mostra na tela
de seu celular as malditas mensagens.
Diogo
leu as mensagens e em um ato instintivo de negação perguntou a
mulher quem lhe havia passado aquelas mentiras. Ao que Daiana
perguntou: - Então negas que sejam verdeiras? Diogo respondeu: - É
claro que são, mas insisto em saber quem lhe passou essas mensagens.
Daiana, mulher honesta, revelou ao marido como havia tomado
conhecimento do conteúdo das mesmas, mas ironizou e insistiu que a
pessoa que as enviou sabia de detalhes de suas amizades na academia e
de sua agenda. Inclusive com poderes de clarividência, ao ponto de
descrever que houve a ligação íntima do casal comunicando uma
suposta reunião inesperada de trabalho que o fez desviar de seu
compromisso de buscar o Júnior na escola.
Diogo,
ainda com o celular da esposa nas mãos como não se cansasse de ler
e reler as mensagens, disse:
-
Daiana, eu não reconheço como minhas essas mensagens, mas mesmo que
fossem verdadeiras, não encontro nelas nada de comprometedor. Elas
parecem simplesmente uma simples troca de mensagens entre dois
colegas de academia que não se veem faz tempo. E tem mais, nada pode
assegurar que não foram manipuladas, com frases acrescentadas para
mudar, ou dar duplo sentido a conversa entre dois colegas.
Daiana
respondeu: - Mas, explique como uma pessoa poderia saber de tanto
detalhes de nossas vidas? Ao que Diogo respondeu:
-
Meu amor, não vou comentar o conteúdo de mensagens vazadas por
hackers criminosos cuja veracidade não pode ser comprovada e que
podem ter sido acrescentadas frases com o objetivo de simplesmente
acabar com o nosso casamento. Daiana eu te amo!
Daiana,
não satisfeita com a declaração do marido, disse: - Desbloqueia
agora a tela do teu celular e passa ele para mim; ao que prontamente
o marido obedeceu. Porém, o Diogo já havia apagado todas as
mensagens trocadas com a Piluca e não havia no celular do marido a
comprovação das mensagens, mas em sua lista de contato lá estava
Piluca e a foto de biquíni também. Daiana, diante dessa
comprovação, senta na borda da cama e passa a chorar copiosamente.
Diogo,
vendo aquela cena de fraqueza da mulher, como se diante de um touro
ferido na arena desejoso de uma perfuração fatal no coração que
lhe aliviasse o sofrimento, diz:
-
Meu amor, não fique assim, tudo isso é mentira. Lembra, nós dois
fomos juntos à manifestação a favor do ministro Moro. Ele também
está sendo injustiçado com mensagens falsas de hackers criminosos e
nós dois estávamos lá para apoiá-lo.
Um
estampido seco de um “claque” ecoa por todo o quarto. O calor da
mão de Daiana ainda fervia na face de Diogo quando ouviu outro
barulho, mas agora de porta batendo seguido da frase “vou para a
casa da mamãe”.
Moral
da história: Tem certas mentiras que colam, mas somente quando
servem para comprovar a hipocrisia de nossas verdades.
João
Lago