A experiência de
ser pai tem um brilho muito especial durante a infância de nossos
filhos. Existe uma responsabilidade no cuidado de nossas ações para
que elas não possam comprometer o indivíduo adulto que entregamos
ao mundo, pois a psicanálise aponta que a maioria das frustrações
e neuroses podem ter início na infância. Portanto, como quase tudo
na vida, os excessos ou a omissão podem prejudicar o desenvolvimento
emocional de uma criança, sejam aqueles motivados pelo amor ou pela
necessidade da repreensão. Essa dicotomia pode paralisar e levar o
pai, como era comum anterior aos anos cinquenta, a deixar ao encargo
da mãe a tarefa de educar os filhos. No entanto, a sociedade mudou e
não se espera mais da mulher o papel de dona de casa, muito pelo
contrário, a mulher está no mercado de trabalho em luta de
igualdade por salários e direitos. Assim, a mulher que não está
mais dentro de casa, em face da omissão do pai, muitas vezes também
tende a terceirizar a educação da criança para a babá, empregada,
parente etc., ou deixa para a escola a função de ensinar valores
para os seus filhos. Eu tornei-me pai nesse mundo em transformação
e com uma dose de complexidade, pois a infância dos meus filhos
foram vividas bem longe de todos os parentes (maternos e paternos).
Não existe um curso
de formação de pais e, talvez por causa disto, Antônio Carlos
Belchior teria dito em sua canção: “que apesar de termos feito
tudo, tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os
nossos pais”. Somos uma repetição inconsciente da educação
recebida dos pais e, no meu caso, como eu não tive um pai presente
que fosse um arremedo de modelo, minha visão de atitudes paternas
vieram de meu avô João Pinheiro. Ele era um homem de temperamento
forte e com convicções firmes na necessidade que os netos
estudassem para que fossem algo na vida. Ele sempre dizia: “quem
não estuda puxa carroça”. Na infância de meu avô, os vendedores
ambulantes na ausência de animais puxavam eles mesmos suas carroças
carregadas de mercadorias, talvez sendo esse o exemplo do insucesso
daqueles que não se dedicaram aos estudos. E como toda a criança
que ama, lembro que esforçava-me para parecer inteligente e em
retribuição era chamado por ele de “meu cientista”.
O meu pai João
Lago, de quem herdei o nome, antes de ir morar no Sul do país deixou
na casa de minha mãe uma coleção de livros. Eram obras completas
de José de Alencar, Machado de Assis, Augusto dos Anjos, poesias de
Bocage, além de clássicos com O Vermelho e o Negro de Stendhal
dentre outros. Sabia que aqueles livros pertenciam-lhe porque todos
levam um carimbo com o seu nome na contracapa e imaginava que ao ler
aqueles livros poderia conhecer um pouco do pai que não tive
oportunidade de conviver na infância. Já adulto, aos vinte e um
anos, tive a felicidade de reencontrá-lo e ficar hospedado em sua
casa em Porto Alegre com sua nova família. Com muita oportunidade
para conversarmos, indaguei sobre todos aqueles livros para que
pudéssemos compartilhar experiências comuns pelo fato de grande
parte daquela biblioteca ter passado em minhas mãos. Infelizmente
meu pai disse-me que os colecionava e que não os teria lido e,
naquele momento, morria em mim a esperança da vivência em comum que
pensei que tivéssemos o que me deixou decepcionado. Porém, mais
tarde pude perceber que de maneira torta o bem que ele pode
proporcionar-me, pois a partir daqueles livros pude adquirir um
imenso prazer pela leitura o que me facilitou o gosto por estudar.
O que somos para os
nossos filhos será uma ideia do que herdamos de nossos pais. Porém,
se em algum momento em nossa infância nos faltou exemplos de vida
que nos inspirem a sermos pais melhores, no instante em que somos
chamados a paternidade, as pessoas boas que nos cercam hão de servir
como modelo para as responsabilidades de pai. Assim, não vejo motivo
para omissão de um homem negar-se a ser pai, ainda que o filho seja
fruto de uma união desfeita ou não desejada.
Ser pai é muito
mais que um nome no registro de nascimento, ou na carteira de
identidade. Ser pai é um compromisso para que os filhos possam ser
pessoas dignas e que um dia, a repetir esse círculo de virtudes,
possam ser também exemplos dignos para os seus filhos.
João Lago
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