Powered By Blogger

sábado, 10 de agosto de 2019

A repetição do modelo de ser pai


A experiência de ser pai tem um brilho muito especial durante a infância de nossos filhos. Existe uma responsabilidade no cuidado de nossas ações para que elas não possam comprometer o indivíduo adulto que entregamos ao mundo, pois a psicanálise aponta que a maioria das frustrações e neuroses podem ter início na infância. Portanto, como quase tudo na vida, os excessos ou a omissão podem prejudicar o desenvolvimento emocional de uma criança, sejam aqueles motivados pelo amor ou pela necessidade da repreensão. Essa dicotomia pode paralisar e levar o pai, como era comum anterior aos anos cinquenta, a deixar ao encargo da mãe a tarefa de educar os filhos. No entanto, a sociedade mudou e não se espera mais da mulher o papel de dona de casa, muito pelo contrário, a mulher está no mercado de trabalho em luta de igualdade por salários e direitos. Assim, a mulher que não está mais dentro de casa, em face da omissão do pai, muitas vezes também tende a terceirizar a educação da criança para a babá, empregada, parente etc., ou deixa para a escola a função de ensinar valores para os seus filhos. Eu tornei-me pai nesse mundo em transformação e com uma dose de complexidade, pois a infância dos meus filhos foram vividas bem longe de todos os parentes (maternos e paternos).

Não existe um curso de formação de pais e, talvez por causa disto, Antônio Carlos Belchior teria dito em sua canção: “que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Somos uma repetição inconsciente da educação recebida dos pais e, no meu caso, como eu não tive um pai presente que fosse um arremedo de modelo, minha visão de atitudes paternas vieram de meu avô João Pinheiro. Ele era um homem de temperamento forte e com convicções firmes na necessidade que os netos estudassem para que fossem algo na vida. Ele sempre dizia: “quem não estuda puxa carroça”. Na infância de meu avô, os vendedores ambulantes na ausência de animais puxavam eles mesmos suas carroças carregadas de mercadorias, talvez sendo esse o exemplo do insucesso daqueles que não se dedicaram aos estudos. E como toda a criança que ama, lembro que esforçava-me para parecer inteligente e em retribuição era chamado por ele de “meu cientista”.

O meu pai João Lago, de quem herdei o nome, antes de ir morar no Sul do país deixou na casa de minha mãe uma coleção de livros. Eram obras completas de José de Alencar, Machado de Assis, Augusto dos Anjos, poesias de Bocage, além de clássicos com O Vermelho e o Negro de Stendhal dentre outros. Sabia que aqueles livros pertenciam-lhe porque todos levam um carimbo com o seu nome na contracapa e imaginava que ao ler aqueles livros poderia conhecer um pouco do pai que não tive oportunidade de conviver na infância. Já adulto, aos vinte e um anos, tive a felicidade de reencontrá-lo e ficar hospedado em sua casa em Porto Alegre com sua nova família. Com muita oportunidade para conversarmos, indaguei sobre todos aqueles livros para que pudéssemos compartilhar experiências comuns pelo fato de grande parte daquela biblioteca ter passado em minhas mãos. Infelizmente meu pai disse-me que os colecionava e que não os teria lido e, naquele momento, morria em mim a esperança da vivência em comum que pensei que tivéssemos o que me deixou decepcionado. Porém, mais tarde pude perceber que de maneira torta o bem que ele pode proporcionar-me, pois a partir daqueles livros pude adquirir um imenso prazer pela leitura o que me facilitou o gosto por estudar.

O que somos para os nossos filhos será uma ideia do que herdamos de nossos pais. Porém, se em algum momento em nossa infância nos faltou exemplos de vida que nos inspirem a sermos pais melhores, no instante em que somos chamados a paternidade, as pessoas boas que nos cercam hão de servir como modelo para as responsabilidades de pai. Assim, não vejo motivo para omissão de um homem negar-se a ser pai, ainda que o filho seja fruto de uma união desfeita ou não desejada.

Ser pai é muito mais que um nome no registro de nascimento, ou na carteira de identidade. Ser pai é um compromisso para que os filhos possam ser pessoas dignas e que um dia, a repetir esse círculo de virtudes, possam ser também exemplos dignos para os seus filhos.

João Lago

Nenhum comentário:

Postar um comentário