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domingo, 28 de julho de 2019

OS CRIPTO FARAÓS


Nessas idas e vindas de Rio Preto da Eva para Manaus, cidade distante 77 km da capital do Amazonas, face ao atraso da chegada do ônibus fui seduzido a encurtar a espera e seguir em um dos vários táxis lotação que servem de transporte alternativo. O veículo era um desses utilitários que cabem sete pessoas e em uma viagem de uma hora e meia, mesmo com a disposição de ficar calado, muitas vezes somos quase que obrigados a entrar na conversa. Ao meu lado vinham dois sujeitos que faziam quase que uma conversa de roteiro combinado, na qual uma fazia as perguntas carregadas de interesse para que o outro as respondessem. É dessagrável entrar na conversa alheia, mas, convenhamos, o confinamento forçado é a centelha para que esqueçamos nossa polidez e afloremos a ausência de educação.

O sujeito mais falante fez uma breve descrição de seu currículo profissional. Havia sido motorista de aplicativo e agora dedicava-se a manter uma carteira de criptomoedas e alardeava ganhos de 400% sobre o capital investido. Para quem não a conhece, criptomoeda é uma moeda virtual que não existe fisicamente e que não é emitida por nenhum banco central, portanto não tem a garantia de nenhum governo, mas que foi sendo popularizada a partir do interesse de várias pessoas ao redor do mundo em “minerá-las”, ou comprá-las para possuí-las em uma carteira virtual. A partir do momento em que foi possível comprá-las e vendê-las em um mercado de câmbio virtual foi que essas moedas adquiriram o status de meio de troca no mundo real, mas ainda são poucas as empresas que se arriscam a vender produtos aceitando criptomoeda como pagamento. A Comissão de Valores Mobiliários – CVM, que regulamenta os produtos de investimento financeiro no país, não reconhece criptomoeda como ativo financeiro e proíbe que fundos de investimento comprem a moeda virtual (artigo 2º, V, da Instrução CVM nº 555/14). Não se trata de preconceito da CVM sobre a moeda virtual, mas uma preocupação legítima em proteger o interesse de investidores que, muitas vezes, por não serem conhecedores dos riscos associados a cada ativo financeiro possam ter prejuízos irreparáveis.

Retornando ao confinamento do táxi lotação, a conversa entre os dois sujeitos girava em torno dos ganhos extraordinários e a possibilidade de viver sem trabalhar. Permanecia impassível até o momento em que alguns passageiros, inclusive o motorista, começaram a perguntar como entrar nessa onda milionária. A conversa ficou mais perigosa porque o investimento sugerido era em uma pirâmide financeira baseada em criptomoedas, ou seja, com elevado risco de perda de todo o valor “investido”. Realmente aquele papo inicial entre os dois tinha a intenção de aguçar a ambição de ganhos fáceis e o sinal de alerta veio da citação de uma empresa virtual chamada Unick. Uma ex-aluna já havia questionado a respeito dessa empresa e perguntava-me se eu aprovava colocar algum dinheiro nisto. A minha resposta foi direta e sem rodeios: Fuja disto! É uma pirâmide financeira.

Quando estive na Colômbia em 2008 acabava de estourar o escândalo da pirâmide DMG, iniciais do nome de David Múrcia Gusmán, um ex-vendedor ambulante, que conseguiu colocar um país em “estado de emergência social” pela quantidade de incautos que colocaram todas suas economias para alimentar a pirâmide DMG na esperança de deixarem de trabalhar para sempre. A pergunta que se faz é: Como algumas pessoas, mesmo com certa razoabilidade intelectual caem nesse golpe? Para responder é necessário dizer como funciona o esquema de pirâmide. Vamos supor que você tenha uma laranja e deseje ter retorno de três laranjas em pouco tempo. Então, cria uma carteira e consegue convencer três pessoas a investirem nela prometendo retorno de três laranjas, desde que consigam cada um mais três novos investidores. O sujeito que inicia a carteira toma para si todas as laranjas dos investidores, porque que sabe que se cada um trouxer mais três “investidores” e os demais mais três o resultado parcial da carteira será de 27 laranjas. Parece um bom negócio enquanto os novos entrantes na base da pirâmide busquem mais e mais clientes para a carteira até que cada vez menos sejam captados provocando, enfim, a falência do modelo. Quando a pirâmide deixa de crescer e aqueles que investirem busquem retirar as laranjas que depositaram vão perceber que elas não mais existem, pois foram todas chupadas e nem o bagaço restou. Na verdade alguns poucos ganham muito, mais precisamente aqueles que controlam a carteira. As vezes uma pirâmide demora a desmoronar porque aqueles que colocam o seu dinheiro acompanham um crescimento de valor investido ilusório e acreditando que podem ganhar ainda mais não sacam a totalidade do investido, mas apenas uma parte. A lógica é quanto mais antiga seja a criação e o tempo do dinheiro retido em pirâmides maiores serão os riscos de perder tudo.

Esses golpes com pirâmides são alimentados pela ganância e são cíclicos, pois veem de tempo em tempos, fazem estragos e retornam com uma nova roupagem. Agora usando a ideia de criptomoeda e associada ao termo de “multinível” que vem de um outro tipo de pirâmide que foi apelidada de “marketing multinível”. A ideia é a mesma, talvez os estelionatários sejam os mesmos, somente os incautos que não o são.

João Lago

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