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sábado, 17 de agosto de 2019

A busca do poder da abstração


A capacidade de abstração é uma das mais elevadas formas de exercitar a mente na busca conhecimento, porque ela não limita o raciocínio aos fatores relacionados a realidade do indivíduo. Para que possamos melhor compreender este conceito, o exemplo mais clássico é aquele que se atribui a Isaac Newton quando viu uma maça despencar do galho que a prendia. Ao presenciar tal cena lúdica o físico e matemático inglês percebeu que a mesma força da natureza que leva a maça cair ao chão é a aquela que faz os planetas girarem ao redor do sol. Logicamente uma abstração dessa magnitude não sairia de uma mente vazia, pois para que fosse possível alcançar tal estágio de sofisticação intelectual, ele próprio já deveria ter alcançado todo o conhecimento matemático de sua época e ido muito mais além. Atribui-se a Isaac Newton e Gottfried Leibniz a invenção do cálculo diferencial e integral, os quais foram essenciais para o desenvolvimento da engenharia, economia, física, estatística e demais ramos do conhecimento que precisam estudar e analisar taxas de variação de grandezas e a acumulação de quantidades para melhor entender fenômenos observados. Isaac Newton ao ver uma maça cair ao chão não teria formulado a lei da gravitação universal se sua mente não fosse capaz de resolver os problemas mais elementares daquilo que já era observável pela percepção humana.

A política é considerada um fenômeno social e até existe um ramo do conhecimento que a estuda, o qual se denomina Ciência Política. Embora considerando que a Ciência Política tenha uma análise mais reativa das ações de governos, visando relacioná-las dentro de uma visão sistêmica, ou seja, estabelece padrões empíricos baseados em conhecimentos históricos e traça paralelos que visa explicá-las, mas pouco contribuindo para apontar inovações. O raciocínio que desejo lançar sobre a Ciência Política é que tudo que a sociedade construiu até aqui como modelo advém de conhecimento empírico e que nos falta essa tal capacidade de abstração para trilharmos o caminho do novo. Porém, para que se possa abstrair sobre determinado tema é necessário alcançar um grau de excelência nos princípios fundamentais do conhecimento, basta olharmos para a biografia da maioria dos homens que estão no Congresso Nacional, do atual presidente e dos seus ministros para percebermos que dessa mato não sairá coelho, cobra, sapo ou qualquer outro animal que pule ou rasteje. Quando analiso boa parte do discurso presidencial, de ministros e dos recém-eleitos para o Congresso Nacional vejo que esses ainda estão com a mente no final dos anos 50 do século passado e em plena guerra fria. Ainda estão atados a dicotomia do comunismo versus capitalismo, sendo aqueles de esquerda desejando uma sociedade planificada que reduz os cidadãos ao determinismo das abelhas e os outros de direita com a convicção fisiocrata que a mão invisível do mercado traz justiça social. Se os discípulos do Leninismo ainda vivem a luta de classes, os adeptos contemporâneos da fisiocracia, por sua vez, ainda estão perdidos no final do século XVIII e não passaram pelas agruras sociais advindas com a revolução industrial ocorrida no século XIX e que proporcionaram que as ideias de Karl Marx fossem “ideologizadas”. O estudo empírico da Ciência Política por ela mesma seria suficiente para deduzir que pouco temos a ganhar com essa discussão interminável que se assemelha ao sexo dos anjos.

A capacidade de abstração não deveria estar tão somente restrita as ciências naturais, mas deveria ser capaz de modernamente inspirarem os cientistas sociais a elucubrarem novos caminhos que levem a uma sociedade economicamente sustentável, socialmente justa e respeitando a individualidade de seus membros ao limite do que é aceitável para uma convivência coletiva. Porém, aqui não se deseja afirmar que a dominação de uma maioria sectária seja justificável pelo simples fato de ser maioria. Para exemplificar, levando o exemplo ao extremo, imaginemos hipoteticamente que no Brasil exista um grupo que esteja muito preocupado com o comportamento afetivo de casais homossexuais em público e que não suporte vê-los andando de mãos dadas e beijando-se. A reflexão a qual se deve ater é se todos os membros dessa sociedade estariam dispostos a abdicar de namorar em público para que exista paz social, deixando seus comportamentos lascivos para o âmbito privado. Não se pode construir privilégios individuais, tão poucos coletivos, quando esses atentam contra a liberdade e a isonomia de seus membros. A ofensa que um indivíduo possa fazer ao outro tem que ir além da subjetividade, pois no âmbito privado qualquer um pode acumular lixo em sua casa e viver na imundice, desde que isso não traga risco a saúde de seus vizinhos. Quando vive em sociedade, o dever que o indivíduo tem como compromisso de respeito ao semelhante é agir e respeitar as campanhas de combate as endemias (dengue, sarampo etc.) vacinando-se e limpando o seu quintal, buscando o conhecimento e fugindo do obscurantismo. Assim, se cada um agir com responsabilidade e estiver disposto a ter as mesmas obrigações e direitos de seu semelhante, estaremos no caminho do equilíbrio social que todos desejam.

Estamos vivendo um período muito difícil, no qual os princípios básicos que nos definem como civilizados estão sendo postos à prova. Parcelas significativas da sociedade trava uma luta contra a ciência e mostra-se desfavorável às liberdades individuais que colocam em risco qualquer possibilidade de encontrarmos um caminho de conciliação. A continuarmos travados no discurso mais raso de todas as possibilidades que nos definem como nação, muito provável seremos incapazes de proporcionar as próximas gerações o mínimo necessário para grandes abstrações.

João Lago

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