A
capacidade de abstração é uma das mais elevadas formas de
exercitar a mente na busca conhecimento, porque ela não limita o
raciocínio aos fatores relacionados a realidade do indivíduo. Para
que possamos melhor compreender este conceito, o exemplo mais
clássico é aquele que se atribui a Isaac Newton quando viu uma maça
despencar do galho que a prendia. Ao presenciar tal cena lúdica o
físico e matemático inglês percebeu que a mesma força da natureza
que leva a maça cair ao chão é a aquela que faz os planetas
girarem ao redor do sol. Logicamente uma abstração dessa magnitude
não sairia de uma mente vazia, pois para que fosse possível
alcançar tal estágio de sofisticação intelectual, ele próprio já
deveria ter alcançado todo o conhecimento matemático de sua época
e ido muito mais além. Atribui-se a Isaac Newton e Gottfried Leibniz
a invenção do cálculo diferencial e integral, os quais foram
essenciais para o desenvolvimento da engenharia, economia, física,
estatística e demais ramos do conhecimento que precisam estudar e
analisar taxas de variação de grandezas e a acumulação de
quantidades para melhor entender fenômenos observados. Isaac Newton
ao ver uma maça cair ao chão não teria formulado a lei da
gravitação universal se sua mente não fosse capaz de resolver os
problemas mais elementares daquilo que já era observável pela
percepção humana.
A
política é considerada um fenômeno social e até existe um ramo do
conhecimento que a estuda, o qual se denomina Ciência Política.
Embora considerando que a Ciência Política tenha uma análise mais
reativa das ações de governos, visando relacioná-las dentro de uma
visão sistêmica, ou seja, estabelece padrões empíricos baseados
em conhecimentos históricos e traça paralelos que visa explicá-las,
mas pouco contribuindo para apontar inovações. O raciocínio que
desejo lançar sobre a Ciência Política é que tudo que a sociedade
construiu até aqui como modelo advém de conhecimento empírico e
que nos falta essa tal capacidade de abstração para trilharmos o
caminho do novo. Porém, para que se possa abstrair sobre determinado
tema é necessário alcançar um grau de excelência nos princípios
fundamentais do conhecimento, basta olharmos para a biografia da
maioria dos homens que estão no Congresso Nacional, do atual
presidente e dos seus ministros para percebermos que dessa mato não
sairá coelho, cobra, sapo ou qualquer outro animal que pule ou
rasteje. Quando analiso boa parte do discurso presidencial, de
ministros e dos recém-eleitos para o Congresso Nacional vejo que
esses ainda estão com a mente no final dos anos 50 do século
passado e em plena guerra fria. Ainda estão atados a dicotomia do
comunismo versus capitalismo, sendo aqueles de esquerda desejando uma
sociedade planificada que reduz os cidadãos ao determinismo das
abelhas e os outros de direita com a convicção fisiocrata que a mão
invisível do mercado traz justiça social. Se os discípulos do
Leninismo ainda vivem a luta de classes, os adeptos contemporâneos
da fisiocracia, por sua vez, ainda estão perdidos no final do século
XVIII e não passaram pelas agruras sociais advindas com a revolução
industrial ocorrida no século XIX e que proporcionaram que as ideias
de Karl Marx fossem “ideologizadas”. O estudo empírico da
Ciência Política por ela mesma seria suficiente para deduzir que
pouco temos a ganhar com essa discussão interminável que se
assemelha ao sexo dos anjos.
A
capacidade de abstração não deveria estar tão somente restrita as
ciências naturais, mas deveria ser capaz de modernamente inspirarem
os cientistas sociais a elucubrarem novos caminhos que levem a uma
sociedade economicamente sustentável, socialmente justa e
respeitando a individualidade de seus membros ao limite do que é
aceitável para uma convivência coletiva. Porém, aqui não se
deseja afirmar que a dominação de uma maioria sectária seja
justificável pelo simples fato de ser maioria. Para exemplificar,
levando o exemplo ao extremo, imaginemos hipoteticamente que no
Brasil exista um grupo que esteja muito preocupado com o
comportamento afetivo de casais homossexuais em público e que não
suporte vê-los andando de mãos dadas e beijando-se. A reflexão a
qual se deve ater é se todos os membros dessa sociedade estariam
dispostos a abdicar de namorar em público para que exista paz
social, deixando seus comportamentos lascivos para o âmbito privado.
Não se pode construir privilégios individuais, tão poucos
coletivos, quando esses atentam contra a liberdade e a isonomia de
seus membros. A ofensa que um indivíduo possa fazer ao outro tem que
ir além da subjetividade, pois no âmbito privado qualquer um pode
acumular lixo em sua casa e viver na imundice, desde que isso não
traga risco a saúde de seus vizinhos. Quando vive em sociedade, o
dever que o indivíduo tem como compromisso de respeito ao semelhante
é agir e respeitar as campanhas de combate as endemias (dengue,
sarampo etc.) vacinando-se e limpando o seu quintal, buscando o
conhecimento e fugindo do obscurantismo. Assim, se cada um agir com
responsabilidade e estiver disposto a ter as mesmas obrigações e
direitos de seu semelhante, estaremos no caminho do equilíbrio
social que todos desejam.
Estamos
vivendo um período muito difícil, no qual os princípios básicos
que nos definem como civilizados estão sendo postos à prova.
Parcelas significativas da sociedade trava uma luta contra a ciência
e mostra-se desfavorável às liberdades individuais que colocam em
risco qualquer possibilidade de encontrarmos um caminho de
conciliação. A continuarmos travados no discurso mais raso de todas
as possibilidades que nos definem como nação, muito provável
seremos incapazes de proporcionar as próximas gerações o mínimo
necessário para grandes abstrações.
João
Lago
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