Quando voltava para casa, na companhia de meu filho, no
início da tarde, travamos uma conversa que me inspirou este texto.
Conversávamos da responsabilidade de nossas escolhas.
Abordei o seguinte fato: Dois irmãos, criados pelos mesmos
pais, que lhes dedicaram a mesma atenção e recursos, mas ainda assim, trilharam
caminhos tão opostos em personalidade e na construção de sua vida familiar. Se
a influência do ambiente que ambos compartilharam não poderia ser considerada
como fator de construção dessa diferença brutal, resta-nos então concluir que
são tão opostos pela razão de suas escolhas pessoais. Exemplificando, um dos
irmãos, que sempre viveu dentro de modo de vida individualista, no qual
colocava a satisfação pessoal acima de qualquer outra necessidade, ao
constituir uma família abdicou de participar da educação dos filhos. O outro
irmão desenvolveu um modo de vida totalmente contrário, desde cedo buscando ser
empático e ponderando até que ponto sua satisfação individual poderia fazer
infeliz o outro, e ao constituir uma família quis estar próximo aos filhos, os
acompanhado em sua vida em família e na escola. Ambos fizeram suas escolhas
pessoais que tiveram consequências no longo prazo em suas famílias que serão
discutidas ao final desta resenha.
A vida familiar em sua modernidade empurrou a mulher para o
mercado de trabalho, assim hoje já não é comum encontrarmos uma mãe exclusiva do
lar, cuidando da educação dos filhos, enquanto o marido está fora de casa
buscando o sustento do lar. Na verdade, hoje este modelo é considerado arcaico
e até estigmatizado como depreciador da mulher. No entanto, com a ausência da
mãe na família, não se estabeleceu tacitamente que a presença paterna deveria
desdobrar-se na mesma intensidade que se predispõe a mulher com os filhos, quando
esta vai ao mercado de trabalho. Ou melhor, na maioria das vezes a discussão de
uma responsabilidade compartilhada dos filhos somente entra na discussão de um
casal nas varas de família, no momento da separação.
Encontramos quem faça festa para os filósofos como Heidegger
e Sartre que atribuiem a possibilidade do homem, na sua temporalidade, seguir por
caminhos diferentes de comportamento a partir de novas oportunidades que
surjam, pois seria natural do ser humano a possibilidade de renovar suas escolhas.
Isto significa que a escolha feita hoje não deve anular possibilidades de
escolhas futuras, mesmo que essas possam ser contraditórias ao caminho seguido
anteriormente. Assim, por meio dessa
filosofia da fenomenologia, ou existencialista, exigir que o homem escolha
somente uma vez seria anular a distância necessária de si mesmo que não
permitiria uma reflexão profunda de seu “ser”. Nietzsche, outro filósofo do
individualismo moderno, representou o homem na figura de um camelo que carrega
nas costas todas suas verdades sem a mínima visão crítica sobre as mesmas, cujo
peso metafórico dessa corcova limitaria a sua liberdade. O homem para ser livre
deveria distanciar-se de suas verdades para descobrir sua própria essência (o
ser). O peso maior a que se referem esses filósofos é o limite moral arraigado
na sociedade que restringiria a liberdade humana. Então, como se daria “essa
tal liberdade”? Geralmente esses conceitos de liberdade colidem com dogmas
vindos da moral cristã, como por exemplo, o divórcio e o aborto.
No caso do divórcio, não poderia o homem ser refém da
decisão de unir-se a uma mulher, pois tal decisão, aos olhos da moral cristã,
não caberia o arrependimento. Sartre, o pai do existencialismo, não se casou,
mas manteve um amor romântico com Simone de Beauvoir, no qual a única
fidelidade que existia era a ideologia existencialista. Mesmo considerados um
casal pela sociedade da época, concomitantemente tiveram vários romances
paralelos e nunca tiveram filhos. Neste ponto Sartre foi fiel ao que defendia,
pois ao não assumir a responsabilidade civil do casamento, poderia cotejar
tantos amores quanto fosse possível ter, sob os olhos complacentes de sua
namorada. Porém, o divórcio vem como uma solução para quem deseja ficar no
meio-termo, ou seja: Posso assumir um compromisso por enquanto, podendo mudar
de opinião, pois nenhuma escolha humana deve ser para sempre. Porém, não
podemos nos esquecer de que essas relações passageiras, mantenedoras da
“integridade do ser”, podem gerar filhos e a decisão de ser pai (ou mãe) não
pode ser encarada como uma decisão revogável sem qualquer trauma. Neste caso,
não se trata apenas de uma obrigação moral opressora, mas uma responsabilidade que
deve ser considerada no momento da escolha, pois envolve terceiros a quem não
se dá o direito de escolher ter um pai, ou uma mãe presente. Dizem eles: não é fácil
descartar um filho, justamente pelos princípios morais repressores contidos na
corcova da sociedade.
Em casos extremos, a reação ao “peso do fardo do camelo”
produz aberrações morais como o assassinato, por sua madrasta, do menino
Bernardo Boldrini com a suspeita da conivência do pai. Ainda temos o caso da
menina Isabella Nardoni, assassinada pelo pai e madrasta. Nesses casos, assim
como em tantos casos de abandono parental, a escolha em ser pai (ou mãe) não
deveria ser facultada a determinados indivíduos, pois resulta na destruição intelectual,
moral, psicológica ou física de uma criança. Melhor seria se pudessem ter refletido
sobre o limite individual de cada um em aceitar responsabilidades, evitando
assumir compromissos que não possam cumprir. Porém, a possibilidade do divórcio
é uma alternativa que evita a reflexão sobre a importante decisão de dividir a
vida ao lado de uma pessoa, pois coloca o outro como descartável a qualquer
momento. Assim, um “amor sartriano” seria a solução, mas não nem todos os
casais aceitam um “amor livre”, o que daria margem para que um, à revelia do
outro, siga por esse caminho.
No caso do aborto, o relativismo recai na subjetivação do
conceito de vida e busca justificar sua prática como profilaxia para que
crianças não sofram de desamor, pois uma gravidez indesejada produziria uma
“criança rejeitada”. No entanto, minha experiência ao conhecer a história de
vida de mulheres que buscavam o aborto, faz com que as classifique em dois
grupos: (1) Aquelas que buscam abortar por motivos exclusivamente pessoais e;
(2) Aquelas que buscam abortar por motivos que se estendem a outras pessoas. O
primeiro grupo de mulheres, em sua decisão de abortar, o motivo era a gravidez em
um momento que não coadunava com o momento profissional, acadêmico, ou qualquer
outro que a mulher acredite ser incompatível com sua vida presente, no sentido
de atrapalhá-la em seus projetos atuais. Já no segundo grupo, a decisão de
abortar estava relacionada com o companheiro não desejar a gravidez, ou o medo
da não aceitação (reprovação) da família, amigos etc.
Em minhas observações, as mulheres que buscaram o aborto por
motivos que se estendem a outras pessoas, quando chamadas para refletir sobre o
ato de destruição de um ser vivo em potencial, revela-se que não havia rejeição
da mãe em relação à gravidez. Na verdade, se retirasse do horizonte a objeção
daquelas pessoas contrárias à gravidez, a mulher desistia de abortar. Assim, esse
segundo grupo continham mulheres que buscavam apoio para gravidez, não para
destruí-la, mas que necessitavam juntar forças para vencer a desesperança. Por
outro lado, no primeiro grupo haviam mulheres extremamente decididas em abortar
e desejavam apoio para isto.
O relativismo, ou o niilismo que grupos desejam incutir para
a gravidez, busca colocar os dois grupos de mães no mesmo balaio, argumentando
que não se trata de um ser vivo, portanto não merecendo consideração, ou
reflexão. Dizem: “é o meu corpo, é o meu útero”. Porém Aristóteles, um filósofo
muito anterior a Nietzsche, Heidegger e Sartre, descreveu o conceito de ato e potência,
no qual o ser humano (a mãe) é ato, pois é um indivíduo pronto em sua
plenitude. Já o feto seria potência, pois está ainda em um estado transitório,
mas tem toda a potencialidade de tornar-se um indivíduo pleno, afinal um dia todos
nós já vivemos nesse estado de potência. Assim, um indivíduo a partir da
fecundação é um ser humano em potência e tem tanto direito à vida quanto
qualquer um de nós, que somos atos e temos consciência de nossa existência. É
bom lembrar que Sylvie le Bon, seguidora que Simone de Beauvoir adotou no final
da vida, relatou que a mãe jamais abortou, mesmo se declarando a favor do
aborto em 1949. A feminista Simone de Beauvoir não gerou filhos, não abortou,
não criou uma criança e teve uma vida sexual livre em uma época que não existia
a pílula anticoncepcional. Assim, a responsabilidade de sua escolha pela
liberdade sexual jamais recaiu sobre terceiros, tão pouco sobre sua filha
adotada aos 72 anos, seis anos antes de sua morte. Contudo, as mulheres que
defendem o aborto não desejam seguir o exemplo do ícone maior do feminismo, que
se absteve de gerar um filho indesejado para não ter que abortar, justamente em
uma época que não existia todas as possibilidades de contraconcepção. Ao invés
disso, em uma época que se tem toda informação e possibilidade de evitar-se uma
gravidez, relativizam a vida e ignoram o direito do nascituro de ser considera
um humano em potencial, pois não aceitam assumir esta responsabilidade.
Retornando ao início do texto, os dois irmãos citados nesta
resenha fizeram suas escolhas, mas um deles foi responsável por criar condições
inóspitas para o desenvolvimento intelectual e moral de seus filhos,
praticamente deixando-os a mercê da própria sorte. Aliás, quando o indivíduo
não amadurece o raciocínio, na verdade tiramos o direito do mesmo de exercer a
sua liberdade de escolha responsável que é conquistada com o seu amadurecimento
cultural e intelectual. Por sua vez, quando escolhemos ter filhos, devemos
assumir a responsabilidade de criar condições ambientais e materiais para tal,
ou simplesmente optemos por não gerar descendentes.
O filósofo Sócrates não separou o indivíduo de seus
pensamentos e atos. Na verdade, a conduta humana na visão socrática é indissociável
de suas ações e pensamentos, crítica feroz que fazia aos sofistas que estavam
sempre prontos a defenderem ideias por encomenda, usando fortes argumentos para
convencer alguém mais fraco de raciocínio. Modernamente o filósofo Heidegger, que
atuou como partidário de Hitler, foi resgatado por Sartre que o coloca como
precursor do pensamento existencialista. Aqui vemos como essa nova filosofia dissocia
o pensamento das ações do indivíduo, pois jamais Heidegger negou o nazismo.
O relativismo é coberto de sofismas que agem de encomenda por
aqueles que não desejam assumir suas responsabilidades. No final, acredito que
todos sejam livres para fazer o que bem quiserem de suas vidas, desde que jamais
comprometam a vida de terceiros, ou no ditado popular: “minha liberdade termina
quando inicia a do outro”. Simples assim!
João Lago
Administrador, professor, pai e morador do Conjunto Santos Dumont.
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