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terça-feira, 27 de maio de 2014

Nós somos o resultado de nossas escolhas

Quando voltava para casa, na companhia de meu filho, no início da tarde, travamos uma conversa que me inspirou este texto. Conversávamos da responsabilidade de nossas escolhas.

Abordei o seguinte fato: Dois irmãos, criados pelos mesmos pais, que lhes dedicaram a mesma atenção e recursos, mas ainda assim, trilharam caminhos tão opostos em personalidade e na construção de sua vida familiar. Se a influência do ambiente que ambos compartilharam não poderia ser considerada como fator de construção dessa diferença brutal, resta-nos então concluir que são tão opostos pela razão de suas escolhas pessoais. Exemplificando, um dos irmãos, que sempre viveu dentro de modo de vida individualista, no qual colocava a satisfação pessoal acima de qualquer outra necessidade, ao constituir uma família abdicou de participar da educação dos filhos. O outro irmão desenvolveu um modo de vida totalmente contrário, desde cedo buscando ser empático e ponderando até que ponto sua satisfação individual poderia fazer infeliz o outro, e ao constituir uma família quis estar próximo aos filhos, os acompanhado em sua vida em família e na escola. Ambos fizeram suas escolhas pessoais que tiveram consequências no longo prazo em suas famílias que serão discutidas ao final desta resenha.

A vida familiar em sua modernidade empurrou a mulher para o mercado de trabalho, assim hoje já não é comum encontrarmos uma mãe exclusiva do lar, cuidando da educação dos filhos, enquanto o marido está fora de casa buscando o sustento do lar. Na verdade, hoje este modelo é considerado arcaico e até estigmatizado como depreciador da mulher. No entanto, com a ausência da mãe na família, não se estabeleceu tacitamente que a presença paterna deveria desdobrar-se na mesma intensidade que se predispõe a mulher com os filhos, quando esta vai ao mercado de trabalho. Ou melhor, na maioria das vezes a discussão de uma responsabilidade compartilhada dos filhos somente entra na discussão de um casal nas varas de família, no momento da separação.

Encontramos quem faça festa para os filósofos como Heidegger e Sartre que atribuiem a possibilidade do homem, na sua temporalidade, seguir por caminhos diferentes de comportamento a partir de novas oportunidades que surjam, pois seria natural do ser humano a possibilidade de renovar suas escolhas. Isto significa que a escolha feita hoje não deve anular possibilidades de escolhas futuras, mesmo que essas possam ser contraditórias ao caminho seguido anteriormente.  Assim, por meio dessa filosofia da fenomenologia, ou existencialista, exigir que o homem escolha somente uma vez seria anular a distância necessária de si mesmo que não permitiria uma reflexão profunda de seu “ser”. Nietzsche, outro filósofo do individualismo moderno, representou o homem na figura de um camelo que carrega nas costas todas suas verdades sem a mínima visão crítica sobre as mesmas, cujo peso metafórico dessa corcova limitaria a sua liberdade. O homem para ser livre deveria distanciar-se de suas verdades para descobrir sua própria essência (o ser). O peso maior a que se referem esses filósofos é o limite moral arraigado na sociedade que restringiria a liberdade humana. Então, como se daria “essa tal liberdade”? Geralmente esses conceitos de liberdade colidem com dogmas vindos da moral cristã, como por exemplo, o divórcio e o aborto.

No caso do divórcio, não poderia o homem ser refém da decisão de unir-se a uma mulher, pois tal decisão, aos olhos da moral cristã, não caberia o arrependimento. Sartre, o pai do existencialismo, não se casou, mas manteve um amor romântico com Simone de Beauvoir, no qual a única fidelidade que existia era a ideologia existencialista. Mesmo considerados um casal pela sociedade da época, concomitantemente tiveram vários romances paralelos e nunca tiveram filhos. Neste ponto Sartre foi fiel ao que defendia, pois ao não assumir a responsabilidade civil do casamento, poderia cotejar tantos amores quanto fosse possível ter, sob os olhos complacentes de sua namorada. Porém, o divórcio vem como uma solução para quem deseja ficar no meio-termo, ou seja: Posso assumir um compromisso por enquanto, podendo mudar de opinião, pois nenhuma escolha humana deve ser para sempre. Porém, não podemos nos esquecer de que essas relações passageiras, mantenedoras da “integridade do ser”, podem gerar filhos e a decisão de ser pai (ou mãe) não pode ser encarada como uma decisão revogável sem qualquer trauma. Neste caso, não se trata apenas de uma obrigação moral opressora, mas uma responsabilidade que deve ser considerada no momento da escolha, pois envolve terceiros a quem não se dá o direito de escolher ter um pai, ou uma mãe presente. Dizem eles: não é fácil descartar um filho, justamente pelos princípios morais repressores contidos na corcova da sociedade.

Em casos extremos, a reação ao “peso do fardo do camelo” produz aberrações morais como o assassinato, por sua madrasta, do menino Bernardo Boldrini com a suspeita da conivência do pai. Ainda temos o caso da menina Isabella Nardoni, assassinada pelo pai e madrasta. Nesses casos, assim como em tantos casos de abandono parental, a escolha em ser pai (ou mãe) não deveria ser facultada a determinados indivíduos, pois resulta na destruição intelectual, moral, psicológica ou física de uma criança. Melhor seria se pudessem ter refletido sobre o limite individual de cada um em aceitar responsabilidades, evitando assumir compromissos que não possam cumprir. Porém, a possibilidade do divórcio é uma alternativa que evita a reflexão sobre a importante decisão de dividir a vida ao lado de uma pessoa, pois coloca o outro como descartável a qualquer momento. Assim, um “amor sartriano” seria a solução, mas não nem todos os casais aceitam um “amor livre”, o que daria margem para que um, à revelia do outro, siga por esse caminho.

No caso do aborto, o relativismo recai na subjetivação do conceito de vida e busca justificar sua prática como profilaxia para que crianças não sofram de desamor, pois uma gravidez indesejada produziria uma “criança rejeitada”. No entanto, minha experiência ao conhecer a história de vida de mulheres que buscavam o aborto, faz com que as classifique em dois grupos: (1) Aquelas que buscam abortar por motivos exclusivamente pessoais e; (2) Aquelas que buscam abortar por motivos que se estendem a outras pessoas. O primeiro grupo de mulheres, em sua decisão de abortar, o motivo era a gravidez em um momento que não coadunava com o momento profissional, acadêmico, ou qualquer outro que a mulher acredite ser incompatível com sua vida presente, no sentido de atrapalhá-la em seus projetos atuais. Já no segundo grupo, a decisão de abortar estava relacionada com o companheiro não desejar a gravidez, ou o medo da não aceitação (reprovação) da família, amigos etc.

Em minhas observações, as mulheres que buscaram o aborto por motivos que se estendem a outras pessoas, quando chamadas para refletir sobre o ato de destruição de um ser vivo em potencial, revela-se que não havia rejeição da mãe em relação à gravidez. Na verdade, se retirasse do horizonte a objeção daquelas pessoas contrárias à gravidez, a mulher desistia de abortar. Assim, esse segundo grupo continham mulheres que buscavam apoio para gravidez, não para destruí-la, mas que necessitavam juntar forças para vencer a desesperança. Por outro lado, no primeiro grupo haviam mulheres extremamente decididas em abortar e desejavam apoio para isto.
O relativismo, ou o niilismo que grupos desejam incutir para a gravidez, busca colocar os dois grupos de mães no mesmo balaio, argumentando que não se trata de um ser vivo, portanto não merecendo consideração, ou reflexão. Dizem: “é o meu corpo, é o meu útero”. Porém Aristóteles, um filósofo muito anterior a Nietzsche, Heidegger e Sartre, descreveu o conceito de ato e potência, no qual o ser humano (a mãe) é ato, pois é um indivíduo pronto em sua plenitude. Já o feto seria potência, pois está ainda em um estado transitório, mas tem toda a potencialidade de tornar-se um indivíduo pleno, afinal um dia todos nós já vivemos nesse estado de potência. Assim, um indivíduo a partir da fecundação é um ser humano em potência e tem tanto direito à vida quanto qualquer um de nós, que somos atos e temos consciência de nossa existência. É bom lembrar que Sylvie le Bon, seguidora que Simone de Beauvoir adotou no final da vida, relatou que a mãe jamais abortou, mesmo se declarando a favor do aborto em 1949. A feminista Simone de Beauvoir não gerou filhos, não abortou, não criou uma criança e teve uma vida sexual livre em uma época que não existia a pílula anticoncepcional. Assim, a responsabilidade de sua escolha pela liberdade sexual jamais recaiu sobre terceiros, tão pouco sobre sua filha adotada aos 72 anos, seis anos antes de sua morte. Contudo, as mulheres que defendem o aborto não desejam seguir o exemplo do ícone maior do feminismo, que se absteve de gerar um filho indesejado para não ter que abortar, justamente em uma época que não existia todas as possibilidades de contraconcepção. Ao invés disso, em uma época que se tem toda informação e possibilidade de evitar-se uma gravidez, relativizam a vida e ignoram o direito do nascituro de ser considera um humano em potencial, pois não aceitam assumir esta responsabilidade.

Retornando ao início do texto, os dois irmãos citados nesta resenha fizeram suas escolhas, mas um deles foi responsável por criar condições inóspitas para o desenvolvimento intelectual e moral de seus filhos, praticamente deixando-os a mercê da própria sorte. Aliás, quando o indivíduo não amadurece o raciocínio, na verdade tiramos o direito do mesmo de exercer a sua liberdade de escolha responsável que é conquistada com o seu amadurecimento cultural e intelectual. Por sua vez, quando escolhemos ter filhos, devemos assumir a responsabilidade de criar condições ambientais e materiais para tal, ou simplesmente optemos por não gerar descendentes.

O filósofo Sócrates não separou o indivíduo de seus pensamentos e atos. Na verdade, a conduta humana na visão socrática é indissociável de suas ações e pensamentos, crítica feroz que fazia aos sofistas que estavam sempre prontos a defenderem ideias por encomenda, usando fortes argumentos para convencer alguém mais fraco de raciocínio. Modernamente o filósofo Heidegger, que atuou como partidário de Hitler, foi resgatado por Sartre que o coloca como precursor do pensamento existencialista. Aqui vemos como essa nova filosofia dissocia o pensamento das ações do indivíduo, pois jamais Heidegger negou o nazismo.

O relativismo é coberto de sofismas que agem de encomenda por aqueles que não desejam assumir suas responsabilidades. No final, acredito que todos sejam livres para fazer o que bem quiserem de suas vidas, desde que jamais comprometam a vida de terceiros, ou no ditado popular: “minha liberdade termina quando inicia a do outro”. Simples assim!

João Lago
Administrador, professor, pai e morador do Conjunto Santos Dumont.

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