O atual “padrão Fifa” dos estádios, e a
forma que foram vendidos os ingressos, transformaram o desejo de
assistir aos jogos em uma verdadeira loteria, que desfez a ingênua
pretensão da possibilidade do residente das cidades sede participarem
nos estádios de uma Copa do Mundo, não sendo somente o valor do ingresso
um condicionante. Segundo pesquisa do Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br), apenas 44% dos
domicílios localizados em área urbana têm acesso à internet, o que de
imediato exclui mais da metade da população a possibilidade de sonhar
com um ingresso, já que os bilhetes só podem ser comprados pela web.
Para quem frequentou os estádios do Maracanã e Mineirão, ambos construídos para a Copa de 1950, sabe que atualmente esses estádios, pela imposição do padrão Fifa, foram remodelados e foram extintas a geral e a arquibancada, e todos os ingressos vendidos para o mundial deste ano são para cadeiras numeradas. No entanto, os antigos estádios eram mais condizentes com a proporcionalidade da divisão de classes da sociedade brasileira, pois era possível encontrar a caminho do jogo o porteiro, o jornaleiro, o professor, o empresário etc. Enfim, todos juntos, em um só local, como exemplo que era democrático assistir uma partida de futebol. Todos podiam pleitear a compra de uma entrada e quantas vezes esse “arranjo democrático” permitiu a venda de mais ingressos que a capacidade oficial do estádio. Na final da copa de 50 estima-se que couberam 200 mil pessoas no Maracanã, ou seja, na final da copa do mundo deste ano ficarão de fora 121 mil torcedores devido a atual capacidade daquele estádio.
No cinema, na época da ditadura militar, era comum antes do filme a plateia assistir a um curto documentário com lances de partidas de futebol (era o Canal 100), geralmente no Maracanã e em câmera lenta. Invariavelmente a torcida era focalizada e as lentes cinematográficas filmavam o povão, registrando algum popular com radinho de pilha ao ouvido e um desdentado sorriso de alegria na hora do gol. Era a “geral”, que ficava praticamente na mesma linha do gramado, na qual todos assistiam em pé e muito pouco se podia ver do que acontecia em campo. Já a arquibancada, logo acima da geral, o local era mais favorável para assistir ao futebol, mas com assento de concreto e sem divisão de espaço com o vizinho do lado. Em dias de estádio lotado não se podia ter pudor, ou ojeriza, ao contato físico. Assim, sem dúvida, o lugar mais privilegiado era a “cadeira numerada” que, diferentemente da geral e da arquibancada, estava estrategicamente posicionada defronte a linha central do gramado e as cadeiras apartando o contato físico forçado entre torcedores. A cadeira numerada como local mais “civilizado” e privilegiado tinha o seu preço proporcional ao conforto e a visão do campo.
Como não cabe toda a população do Brasil nos estádios da Copa, então se inventou que mesmo aqueles que não fossem aos estádios de alguma maneira seriam privilegiados, daí se criou a expressão “legado Copa”, que nos últimos tempos virou palavrão na boca de jornalista quando dirigida aos políticos responsáveis pela organização do evento.
O que se discute, e não podemos levar a questão para o ufanismo, é que o dito legado não poderá ser somente um estádio “padrão Fifa”, principalmente nas cidades sede que sequer possuem tradição de lotar seus antigos palcos de futebol, como é o caso do Manaus. Não é mentira que o Amazonas tem um campeonato regional insipiente, que não há um clube amazonense sequer na terceira divisão do campeonato brasileiro, assim como não é falácia que o manauara torce majoritariamente para os times cariocas. Assim, se o “legado da Copa” é um problema de tema nacional, devemos aproveitar o interesse da imprensa sulista em nosso canteiro para que os governantes locais sintam-se motivados a dar uma resposta à questão: e o legado da Copa?
Olha, se os amazonenses fossem negar esse interesse e realmente levassem a sério essa xenofobia aos “de fora”, não teríamos um governador paulista e três senadores forasteiros, já que um é potiguar, uma é catarinense e o outro é paraense (só não sei se é torcedor do Remo ou Paysandu). E também, vale a pena lembrar, que foi por meio do interesse da imprensa sulista, seja por qual motivação, que os casos de corrupção e de exploração de crianças e adolescentes em Coari saíram do marasmo. Se hoje finalmente Adail Pinheiro foi para a cadeia e afastado da prefeitura é porque o caso foi parar no noticiário nacional. Se um assunto banal como um acidente na marginal Tietê é motivo de atenção do noticiário hegemônico, por que os assuntos mais escabrosos do Amazonas não podem merecer nota em rede nacional?
Os gastos estratosféricos nas construções dos estádios no Amazonas, Cuiabá e Distrito Federal, sem a contrapartida de melhorias para a população em forma de legados, devem ser de interesse da imprensa nacional.
No mais, ainda há ingressos para assistir aos jogos da Copa do Mundo aqui em Manaus, pois algumas operadoras de turismo estão oferecendo lugares nos camarotes, para qualquer jogo, ao preço módico de quatro mil dólares (9,4 mil reais), valor este que me faz sentir saudades das antigas e caóticas geral e arquibancada.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
Para quem frequentou os estádios do Maracanã e Mineirão, ambos construídos para a Copa de 1950, sabe que atualmente esses estádios, pela imposição do padrão Fifa, foram remodelados e foram extintas a geral e a arquibancada, e todos os ingressos vendidos para o mundial deste ano são para cadeiras numeradas. No entanto, os antigos estádios eram mais condizentes com a proporcionalidade da divisão de classes da sociedade brasileira, pois era possível encontrar a caminho do jogo o porteiro, o jornaleiro, o professor, o empresário etc. Enfim, todos juntos, em um só local, como exemplo que era democrático assistir uma partida de futebol. Todos podiam pleitear a compra de uma entrada e quantas vezes esse “arranjo democrático” permitiu a venda de mais ingressos que a capacidade oficial do estádio. Na final da copa de 50 estima-se que couberam 200 mil pessoas no Maracanã, ou seja, na final da copa do mundo deste ano ficarão de fora 121 mil torcedores devido a atual capacidade daquele estádio.
No cinema, na época da ditadura militar, era comum antes do filme a plateia assistir a um curto documentário com lances de partidas de futebol (era o Canal 100), geralmente no Maracanã e em câmera lenta. Invariavelmente a torcida era focalizada e as lentes cinematográficas filmavam o povão, registrando algum popular com radinho de pilha ao ouvido e um desdentado sorriso de alegria na hora do gol. Era a “geral”, que ficava praticamente na mesma linha do gramado, na qual todos assistiam em pé e muito pouco se podia ver do que acontecia em campo. Já a arquibancada, logo acima da geral, o local era mais favorável para assistir ao futebol, mas com assento de concreto e sem divisão de espaço com o vizinho do lado. Em dias de estádio lotado não se podia ter pudor, ou ojeriza, ao contato físico. Assim, sem dúvida, o lugar mais privilegiado era a “cadeira numerada” que, diferentemente da geral e da arquibancada, estava estrategicamente posicionada defronte a linha central do gramado e as cadeiras apartando o contato físico forçado entre torcedores. A cadeira numerada como local mais “civilizado” e privilegiado tinha o seu preço proporcional ao conforto e a visão do campo.
Como não cabe toda a população do Brasil nos estádios da Copa, então se inventou que mesmo aqueles que não fossem aos estádios de alguma maneira seriam privilegiados, daí se criou a expressão “legado Copa”, que nos últimos tempos virou palavrão na boca de jornalista quando dirigida aos políticos responsáveis pela organização do evento.
O que se discute, e não podemos levar a questão para o ufanismo, é que o dito legado não poderá ser somente um estádio “padrão Fifa”, principalmente nas cidades sede que sequer possuem tradição de lotar seus antigos palcos de futebol, como é o caso do Manaus. Não é mentira que o Amazonas tem um campeonato regional insipiente, que não há um clube amazonense sequer na terceira divisão do campeonato brasileiro, assim como não é falácia que o manauara torce majoritariamente para os times cariocas. Assim, se o “legado da Copa” é um problema de tema nacional, devemos aproveitar o interesse da imprensa sulista em nosso canteiro para que os governantes locais sintam-se motivados a dar uma resposta à questão: e o legado da Copa?
Olha, se os amazonenses fossem negar esse interesse e realmente levassem a sério essa xenofobia aos “de fora”, não teríamos um governador paulista e três senadores forasteiros, já que um é potiguar, uma é catarinense e o outro é paraense (só não sei se é torcedor do Remo ou Paysandu). E também, vale a pena lembrar, que foi por meio do interesse da imprensa sulista, seja por qual motivação, que os casos de corrupção e de exploração de crianças e adolescentes em Coari saíram do marasmo. Se hoje finalmente Adail Pinheiro foi para a cadeia e afastado da prefeitura é porque o caso foi parar no noticiário nacional. Se um assunto banal como um acidente na marginal Tietê é motivo de atenção do noticiário hegemônico, por que os assuntos mais escabrosos do Amazonas não podem merecer nota em rede nacional?
Os gastos estratosféricos nas construções dos estádios no Amazonas, Cuiabá e Distrito Federal, sem a contrapartida de melhorias para a população em forma de legados, devem ser de interesse da imprensa nacional.
No mais, ainda há ingressos para assistir aos jogos da Copa do Mundo aqui em Manaus, pois algumas operadoras de turismo estão oferecendo lugares nos camarotes, para qualquer jogo, ao preço módico de quatro mil dólares (9,4 mil reais), valor este que me faz sentir saudades das antigas e caóticas geral e arquibancada.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
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