No início da semana passada, aqui mesmo nesta coluna,
escrevi que a multidão que estava nas ruas era representante da classe
média. Depois disto, com o acirramento das manifestações pipocando em
várias capitais e cidades do País, outros também afirmaram que a “cara
da multidão” era da classe média. Não quero aqui colher louros pelo
esclarecimento do óbvio, mas colocar minha preocupação a respeito da
caça de eleger-se uma liderança para este movimento. A imprensa de modo
geral mostra-se ávida por encontrar alguém, sem efetivamente encontrar
alguma consistência em representatividade, que possa catalisar todos os
anseios e reivindicações estampadas nas faixas e cartazes das ruas.
Em um primeiro momento apareceu um grupo de São Paulo chamado “Passe Livre”, cuja pauta de reivindicações teve o mérito, como escrevi, de ser o estopim da insatisfação popular com o aumento das tarifas públicas, em especial a de transporte urbano, cujo problema não afeta somente aquela capital, mas se reflete em todo o país. A pergunta é: Por que pagar mais por um serviço que prima por ser péssimo e indigno? Do mesmo modo, vimos a imprensa internacional destacar que o brasileiro tinha despertado para o fato dos altos impostos que paga em contraposição aos péssimos serviços públicos, como saúde e educação. O culpado disto tem um nome: Corrupção.
O movimento Passe Livre, nem qualquer outro que a imprensa busque eleger, será aceito como porta-voz dessa multidão que foi às ruas mostrar sua indignação contra a carestia de vida que afeta a classe média, assim como quer essa multidão solução para as outras mazelas já citadas. Antes de dizer o porquê da dificuldade de se eleger uma liderança para as manifestações, vou destacar porque a classe média saiu às ruas e qual sua motivação.
Não é o preço da farinha, nem tão pouco o do tomate, que doi no bolso de uma populaça de faixa de renda entre R$ 7.475 e R$ 50.000, considerada pelo IPEA como sendo a classe média tradicional que representa 11,2% da população brasileira. No entanto, são as famílias mais próximas a ponta inferior dessa faixa de renda que sofrem de forma mais contundente com aquilo que se chama de “inflação de serviços”.
Enquanto que as famílias com renda inferior a R$ 7.475 são mais penalizadas com os aumentos de produtos de primeira necessidade, as famílias da classe média tradicional sofre com o aumento dos serviços em geral, como a mensalidade da escola particular, dos cursos de idiomas, do plano de saúde, do cabeleireiro, do aluguel, dos encargos trabalhistas das empregas domésticas, dos impostos em geral (IPVA, IPTU, Imposto de Renda etc.) que sobem muito acima daqueles indicadores da inflação brasileira. Por exemplo, o Índice de Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE), que citei em minha última resenha, compõe apenas 20% de seu índice com o aumento dos serviços, ficando 80% pela variação dos produtos de cesta básica. Assim, enquanto os índices de inflação ficaram em 35% nos últimos 5 anos, a inflação sobre os serviços foi de 45%. E quem são as pessoas que integram essa classe média? A resposta é relativamente simples: Médicos, advogados, engenheiros, professores universitários, empresários donos de médias empresas, funcionários públicos de médio e alto escalão, executivos de grandes empresas privadas dentre outros.
Os rostos imberbes e com acnes da puberdade são o que mais se destacam na multidão pela beleza que carrega a juventude, mas não será esta a cara da liderança que terá este movimento. O primeiro problema é a aversão que se instalou no meio da multidão contra a presença de partidos políticos, ou mesmo de políticos na passeata. Não que eu acredite que as bandeiras vermelhas que foram tomadas, rasgadas e queimadas venham ao encontro dos anseios que deseja a classe média tradicional. Pelo contrário, existe um sentimento refratário que não combina a ideologia socialista com os valores dessa classe média e foram bem vindos os gritos de “oportunistas” que ecoaram na multidão.
Por outro lado, o movimento das Diretas Já e o do impeachment do presidente Collor de Mello tiveram o apoio dessa mesma classe média, mas ambas capitaneadas por uma liderança política que conduziu a termo os anseios populares. Reveja as imagens dessa época e não faltarão nos palanques figuras políticas. Nas Diretas Já como não destacar Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Franco Montoro, Dante de Oliveira e Mário Covas todos já falecidos. Alguns continuam vivos como o próprio Lula, Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Suplicy, Roberto Freire, Pedro Simon dentre outros.
No caso de Collor de Mello a Associação Brasileira de Imprensa, liderada por Barbosa Lima Sobrinho, e a Ordem dos Advogados do Brasil, presidida por Marcello Laveniére, apresentam à Câmara Federal o pedido de impeachment do presidente. Assim, a Câmara referendou o impedimento de Collor com 441 votos a favor e 33 contra, e o Senado ratificou a perda de mandato de Collor por 76 votos a favor e 3 contra. As vozes das ruas em ambos os casos tiveram ressonância na classe política.
Hoje não vemos uma pauta que seja apresentada, a partir do que se viu estampado nas faixas e cartazes das ruas, assim como nenhum documento foi redigido por uma entidade de classe que resuma essas reivindicações. Pelo contrário, os portais na internet dão destaque a OAB condenando a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, presidida por Marcos Feliciano, no que se refere a proposta que permite que psicólogos tratem quem se sinta em conflito com sua sexualidade, no que parcela da imprensa chamou tendenciosamente de “cura gay”. Parece que a OAB e parte da imprensa mais se preocupam em garantir o gozo individual de uma parcela da população, ao invés de registrar o que pensa a maioria brasileira sobre a corrupção, altos impostos e os péssimos serviços públicos. Do mesmo modo, vejo atônito Douglas Belome, uma liderança do Movimento Passe Livre, dizer que não haveria mais convocação de novas manifestações porque o objetivo do movimento já havia sido conquistado. Decididamente deste mato não sairá coelho.
A resposta em mudanças que clamam as vozes das ruas deverá passar pela política, sendo uma imaturidade, para não dizer imbecilidade, acreditar que se possa obter algum ganho palpável sem o apoio de parcela da Câmara, da colaboração de parte do Senado e da força das entidades de classes. A falta desta representatividade, ou deste apoio, faz com que Renan Calheiros, um dos pivôs da insatisfação popular contra a política, por sua biografia política não ser condizente com a envergadura moral que necessita um presidente do senado, declarar que espera lideranças do movimento das ruas para conversar em seu gabinete, justamente enquanto a policia militar do Distrito Federal mandava balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral sobre os manifestantes defronte o Congresso Nacional. Não se enganem, esse escárnio vem da constatação que esse movimento é acéfalo e que não havendo o apeamento do movimento das ruas para a esfera política nada será resolvido.
Temos na Câmara Federal 513 deputados e no Senado 81 representantes e não acredito que todos sejam “picaretas”, mas ao mesmo tempo não se vê um grupo que diga que aceita as reivindicações das ruas e emitam um documento com propostas de mudança. Para começar, pedir a renúncia de Renan Calheiros, engavetar a PEC 37, retirar da Comissão de Justiça da Câmara os mensaleiros e pedir celeridade no julgamento dos fichas sujas que hoje ocupam cargos públicos.
Se isto não for feito, e a continuar esses movimentos nas ruas, abre-se um janela de oportunidade para que os inimigos da democracia ganhem força, pois podem dizer que agem com o aval da população.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
Em um primeiro momento apareceu um grupo de São Paulo chamado “Passe Livre”, cuja pauta de reivindicações teve o mérito, como escrevi, de ser o estopim da insatisfação popular com o aumento das tarifas públicas, em especial a de transporte urbano, cujo problema não afeta somente aquela capital, mas se reflete em todo o país. A pergunta é: Por que pagar mais por um serviço que prima por ser péssimo e indigno? Do mesmo modo, vimos a imprensa internacional destacar que o brasileiro tinha despertado para o fato dos altos impostos que paga em contraposição aos péssimos serviços públicos, como saúde e educação. O culpado disto tem um nome: Corrupção.
O movimento Passe Livre, nem qualquer outro que a imprensa busque eleger, será aceito como porta-voz dessa multidão que foi às ruas mostrar sua indignação contra a carestia de vida que afeta a classe média, assim como quer essa multidão solução para as outras mazelas já citadas. Antes de dizer o porquê da dificuldade de se eleger uma liderança para as manifestações, vou destacar porque a classe média saiu às ruas e qual sua motivação.
Não é o preço da farinha, nem tão pouco o do tomate, que doi no bolso de uma populaça de faixa de renda entre R$ 7.475 e R$ 50.000, considerada pelo IPEA como sendo a classe média tradicional que representa 11,2% da população brasileira. No entanto, são as famílias mais próximas a ponta inferior dessa faixa de renda que sofrem de forma mais contundente com aquilo que se chama de “inflação de serviços”.
Enquanto que as famílias com renda inferior a R$ 7.475 são mais penalizadas com os aumentos de produtos de primeira necessidade, as famílias da classe média tradicional sofre com o aumento dos serviços em geral, como a mensalidade da escola particular, dos cursos de idiomas, do plano de saúde, do cabeleireiro, do aluguel, dos encargos trabalhistas das empregas domésticas, dos impostos em geral (IPVA, IPTU, Imposto de Renda etc.) que sobem muito acima daqueles indicadores da inflação brasileira. Por exemplo, o Índice de Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE), que citei em minha última resenha, compõe apenas 20% de seu índice com o aumento dos serviços, ficando 80% pela variação dos produtos de cesta básica. Assim, enquanto os índices de inflação ficaram em 35% nos últimos 5 anos, a inflação sobre os serviços foi de 45%. E quem são as pessoas que integram essa classe média? A resposta é relativamente simples: Médicos, advogados, engenheiros, professores universitários, empresários donos de médias empresas, funcionários públicos de médio e alto escalão, executivos de grandes empresas privadas dentre outros.
Os rostos imberbes e com acnes da puberdade são o que mais se destacam na multidão pela beleza que carrega a juventude, mas não será esta a cara da liderança que terá este movimento. O primeiro problema é a aversão que se instalou no meio da multidão contra a presença de partidos políticos, ou mesmo de políticos na passeata. Não que eu acredite que as bandeiras vermelhas que foram tomadas, rasgadas e queimadas venham ao encontro dos anseios que deseja a classe média tradicional. Pelo contrário, existe um sentimento refratário que não combina a ideologia socialista com os valores dessa classe média e foram bem vindos os gritos de “oportunistas” que ecoaram na multidão.
Por outro lado, o movimento das Diretas Já e o do impeachment do presidente Collor de Mello tiveram o apoio dessa mesma classe média, mas ambas capitaneadas por uma liderança política que conduziu a termo os anseios populares. Reveja as imagens dessa época e não faltarão nos palanques figuras políticas. Nas Diretas Já como não destacar Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Franco Montoro, Dante de Oliveira e Mário Covas todos já falecidos. Alguns continuam vivos como o próprio Lula, Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Suplicy, Roberto Freire, Pedro Simon dentre outros.
No caso de Collor de Mello a Associação Brasileira de Imprensa, liderada por Barbosa Lima Sobrinho, e a Ordem dos Advogados do Brasil, presidida por Marcello Laveniére, apresentam à Câmara Federal o pedido de impeachment do presidente. Assim, a Câmara referendou o impedimento de Collor com 441 votos a favor e 33 contra, e o Senado ratificou a perda de mandato de Collor por 76 votos a favor e 3 contra. As vozes das ruas em ambos os casos tiveram ressonância na classe política.
Hoje não vemos uma pauta que seja apresentada, a partir do que se viu estampado nas faixas e cartazes das ruas, assim como nenhum documento foi redigido por uma entidade de classe que resuma essas reivindicações. Pelo contrário, os portais na internet dão destaque a OAB condenando a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, presidida por Marcos Feliciano, no que se refere a proposta que permite que psicólogos tratem quem se sinta em conflito com sua sexualidade, no que parcela da imprensa chamou tendenciosamente de “cura gay”. Parece que a OAB e parte da imprensa mais se preocupam em garantir o gozo individual de uma parcela da população, ao invés de registrar o que pensa a maioria brasileira sobre a corrupção, altos impostos e os péssimos serviços públicos. Do mesmo modo, vejo atônito Douglas Belome, uma liderança do Movimento Passe Livre, dizer que não haveria mais convocação de novas manifestações porque o objetivo do movimento já havia sido conquistado. Decididamente deste mato não sairá coelho.
A resposta em mudanças que clamam as vozes das ruas deverá passar pela política, sendo uma imaturidade, para não dizer imbecilidade, acreditar que se possa obter algum ganho palpável sem o apoio de parcela da Câmara, da colaboração de parte do Senado e da força das entidades de classes. A falta desta representatividade, ou deste apoio, faz com que Renan Calheiros, um dos pivôs da insatisfação popular contra a política, por sua biografia política não ser condizente com a envergadura moral que necessita um presidente do senado, declarar que espera lideranças do movimento das ruas para conversar em seu gabinete, justamente enquanto a policia militar do Distrito Federal mandava balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral sobre os manifestantes defronte o Congresso Nacional. Não se enganem, esse escárnio vem da constatação que esse movimento é acéfalo e que não havendo o apeamento do movimento das ruas para a esfera política nada será resolvido.
Temos na Câmara Federal 513 deputados e no Senado 81 representantes e não acredito que todos sejam “picaretas”, mas ao mesmo tempo não se vê um grupo que diga que aceita as reivindicações das ruas e emitam um documento com propostas de mudança. Para começar, pedir a renúncia de Renan Calheiros, engavetar a PEC 37, retirar da Comissão de Justiça da Câmara os mensaleiros e pedir celeridade no julgamento dos fichas sujas que hoje ocupam cargos públicos.
Se isto não for feito, e a continuar esses movimentos nas ruas, abre-se um janela de oportunidade para que os inimigos da democracia ganhem força, pois podem dizer que agem com o aval da população.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
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