Durante
toda a semana eu estive a brincar sobre os presságios do fim do mundo, que
deveria ter ocorrido nessa última sexta-feira, e pacientemente li e vi na TV
várias explicações alentadoras de astrônomos e historiadores que seria
impossível haver uma catástrofe mundial sem que soubéssemos disto com alguns
anos de antecedência, pelo menos naquilo que afirma o pragmatismo científico.
Assim, por enquanto, o fim do mundo está previsto pela ciência para daqui a um
bilhão de anos, quando o nosso sol começar a esgotar o seu combustível nuclear,
ou quando por acidente algum cometa entrar em rota de colisão com a terra. No
mais, todas as demais teorias ficam para que Hollywood, com seus efeitos
especiais, fature milhões de dólares explorando o tema.
O final
do mundo que se anunciou trouxe desesperança a muitas pessoas ao redor do mundo,
levando a mesma angústia que acomete à alguém que sabe, por meio de uma sentença
de morte, que tem os seus dias de vida determinados. No entanto, tenho alguns
exemplos de pessoas que fizeram do anúncio da morte uma oportunidade de
vingar-se dela, primeiro por juntar forças para lutar pela vida e, depois,
quando desenganadas, levar esperança àqueles que eventualmente chorariam sua
ausência. Essa proximidade com o inevitável os fizeram pessoas espiritualizadas,
sejam elas cristãs ou não.
Frei Leonardo Boff |
Dos ateus célebres, Oscar Niemeyer com o
avançar da idade em sua biografia diz que “gostaria de acreditar em Deus”. Neste
mesmo sentido, Darcy Ribeiro quando soube que o seu câncer era inoperável mandou
chamar Frei Leonardo Boff e Frei Beto, porque queria ardentemente respostas
sobre a existência de Deus. Conta Leonardo Boff que quando foi recebido por
Darcy Ribeiro, ele declarou: "Boff, quero ter uma conversa metafísica. Quero
abordar a questão da morte, o que vem depois da morte, e não tem nenhum
interlocutor, entre os meus amigos, que possa sustentar o discurso que eu
quero". Os amigos materialistas não poderiam consolá-lo, assim precisaria de
alguém espiritualizado, pois ainda restava-lhe a lembrança da mãe que morreu
cheia de fé e tranquila e diz: “eu invejo você (Boff), que é um homem
inteligente e de fé. Eu não tenho fé. Como gostaria que fosse verdade".
Porém, é bem verdade que também tenho exemplos de pessoas que enfrentaram um
câncer, apegando-se firmemente na fé por causa da doença, mas quando curadas
voltaram a sua mesquinhez e a viver por elas mesmas. Por enquanto todos nós
teremos o nosso fim de mundo, não como comorientes, mas em nosso fim de mundo
individual.
Darcy Ribeiro |
Durante muito tempo eu dizia que chegávamos ao fim
solitários, haja vista que por anos me perseguia a imagem da morte ilustrada
pela música “Uma Ilha” (Une Île), que é cantada por Nana Mouskouri, no refrão
que diz: “Ce serait là face à la mer immense / Là pour venger mes vengeances
/ Toute seule avec mes souvenirs / Plus seule qu'au moment de mourir”. Em
minha livre tradução fica assim: “Isto será ali defronte ao mar imenso / Muito
só com as minhas lembranças / ali para vingar minhas vinganças / Completamente
sozinho, como no instante de minha morte”. A música toda é melancólica e retrata
a desesperança esboçada na face da morte como o fim de tudo. A visão de estar
completamente sozinho na hora da morte não era compatível com minha busca por
respostas metafísicas, até que um amigo uma vez me disse: “você não está
sozinho, porque o sacramento da comunhão, que é o Deus vivo, é acolhido no teu
corpo, assim você nunca estará sozinho”. Desta forma, acredito que tenha
encontrado a resposta que precisava e toda vez que recebo a comunhão, em minha
oração particular digo sempre: “meu Senhor e meu Deus” (Jo 20, 27) e peço a Ele
que aumente a minha fé.
O mundo
da forma que nós conhecemos ainda persiste, assim como a esperança em nossos
corações ainda vigora, por saber que nem tudo está resumido naquilo que é
material aos sentidos humanos. Não sou um ser materialista, mas também estou
muito distante de ser exemplo de fé, talvez jamais me transforme em um. Sou um
profundo sabedor de quem sou e busco ser uma pessoa melhor, como se cada dia de
minha existência fosse o último e a mim fosse necessário estar preparado para
uma partida imediata. Assim, se vou a qualquer momento não preciso carregar-me
de muitas coisas, sendo suficiente para mim minha dignidade, minhas lembranças e
o amor a Deus. A vida é uma chama tênue, exposta as intempéries do mundo e dos
homens. Não odeio a morte assim como não maldigo a vida.
Neste
final de ano não há símbolo maior de esperança que a lembrança do nascimento de
Cristo, pois agora sabemos, por meio dele, que a vida não se resume somente
neste mundo.
Feliz
Natal, feliz ano novo.
João
Lago
Administrador e professor.
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