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domingo, 16 de dezembro de 2012

As praias de Dubai

Em Dubai, face ao iminente esgotamento do petróleo previsto para menos de 20 anos, o sheikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum, monarca do Eimirados Árabes Unidos, em seu projeto de transformar seu país em um paraíso turístico mundial, manda aterrar uma imensa extensão de mar em forma de palmeira, criando praias artificiais para dobrar sua extensão de litoral para abrigar turistas ávidos para conhecer o que a engenharia humana pode conceber como realização. No outro lado do mundo, diferentemente de Dubai que somente tem a oferecer petróleo, praia e deserto, em Manaus, no meio da maior reserva de biodiversidade do mundo, o “xeque” Amazonino Mendes manda aterrar a praia de Ponta Negra de forma a deixá-la perene, aumentando os dias de exposição de corpo moreno ao sol sobre a areia branca. Para quem não mora em Manaus, saiba que o rio Negro oscila em quase 15 metros, entre a vazante e cheia, escondendo as areias brancas da praia da Ponta Negra em boa parte do ano, ou pelo menos escondia.
Praias em Dubai em forma de palmeira


O projeto de aterramento da Ponta Negra foi chamado de “revitalização”, cuja palavra ironicamente incorpora o “vita” que em latim quer dizer “vida”, muito diferente do que se lê nos jornais locais, chamando a Ponta Negra de praia da “morte”. Isto porque, desde o aterramento 16 manauaras morreram afogados nas águas negras do rio, devido aos buracos traiçoeiros que se formaram na faixa rasa e submersa de areia. Assim, logo que começaram as mortes, criou-se o mito que, ao invés de vítimas, existiam na verdade potenciais suicidas que enchiam a cara de cachaça e seguiam para uma autoimolação voluntariosa simplesmente para “melar” um dia de lazer de sol e afastar os banhistas. No entanto, diferentemente disto, laudos do IML nem sempre comprovam a ingestão de álcool de banhistas adultos, sim porque quando são crianças os culpados são os pais que não cuidam de seus filhos como deveriam.

Existem semelhanças e diferenças entre Dubai e Manaus, sendo a parte igual a cobrança que a natureza faz das intervenções que o homem pratica no meio ambiente. Na ilha em forma de palmeira em Dubai, as correntes marítimas mudam a areia de lugar ao longo da costa, sendo necessário a constante recomposição da orla, além do fato que imagens de satélite apontam que a outra ilha artificial construída, em forma de mapa múndi, pode estar afundando devido ao quase completo abandono da obra desde a crise financeira que abalou o mundo a partir de 2008.

Em Manaus, ainda não está muito claro o motivo dos buracos abertos na faixa de areia submersa, mas um leigo pode prever que a natureza, com a própria força da correnteza do rio, pode mover areia, pedras e tudo mais que possa ser colocado em seu caminho. É bom que se diga que a maioria das vítimas do lazer da morte são gente de baixa renda, sendo essa a principal diferença entre as areias de Dubai e as de Manaus. Enquanto nas arábias o aterro foi feito para atrair banhistas endinheirados, aqui no Amazonas a frequência é de moradores da periferia, como uma das poucas alternativas de lazer barato disponível. Como resultado disto, a praia da Ponta Negra está interditada a espera da liberação de estudos e das obras que prometem resolver o problema.
Aterramento da Praia de Ponta Negra


Os Emirados Árabes Unidos são a denominação uma nação islâmica governada por uma família que é dona de tudo, mas que se mostra liberal aos costumes ocidentais devido ao projeto de turismo que visa substituir a receita do petróleo, mas não deixa de ser um país islâmico que pouca liberdade permite a quem se opõe ao governo. Assim, a vontade do Sheikh Rashid Al Maktoum é a que prevalece, ou seja, mesmo quando os engenheiros holandeses precisavam de tempo para concluir os estudos necessários para dar segurança ao projeto das ilhas artificiais, o soberano de Dubai mandou iniciar as obras. Os engenheiros ocidentais agiram como mercenários sucumbindo ao desejo da visão megalomaníaca do sheikh árabe, pois poderiam assumir que não se tratava de uma obra particular, mas de um projeto que afetaria toda uma população. Venceu a lógica do dinheiro e ninguém poderia dizer não ao monarca, pois afinal um rei não tem amigos, tem súditos.

No mundo ocidental, assim como no Brasil, alguns governantes após vários anos no poder acreditam ter poderes imperiais e, assim, não conquistam amigos, mas sim vassalos sempre prontos a dizer sim, desde que possam continuar na órbita do poder. Quando não são bajuladores, são mercenários, tais como gafanhotos que vem, devoram e vão embora. No entanto, no meio disto tudo está a população ordinária, que pode se revoltar por meio do voto nas nações democráticas, ou por meio de revoluções nos países árabes. Em Dubai o Sheikh controla a população com o seu projeto de governo de uma nação moderna e próspera, como uma joia do oriente médio. No Amazonas, o projeto de governo atualmente também se sustenta com grandes obras, também sob o mesmo apelo da modernidade e assim foi construída a ponte sobre o Rio Negro, os aterros dos igarapés sepultando as favelas sobre o leito dos rios e o aterramento recente da Ponta Negra. Todas são obras controversas, mas a que mais rapidamente demonstrou sua face negativa foi o aterro da Ponta Negra que convenhamos não surpreendeu porque era previsível. Do mesmo modo não é de surpreender que ninguém tenha aconselhado a não fazer, porque parece que se cercam de gente incapaz de dizer não, pois toda a lógica do poder no Brasil parece estar envolta para sustentar vassalos e mercenários, tanto faz que seja nas praias tropicais ou nas praias do Oriente Médio. Infelizmente essa gente de pouca qualificação, mas de alto poder de bajulação é que são chamadas para “colaborar”.

Dezesseis famílias choram a morte de entes queridos, todas vítimas de uma tragédia cujo o algoz é a nossa própria ignorância.

Prometo que até o Natal escrevo uma reflexão mais alentadora, isto se o mundo não acabar no próximo dia 21 de Dezembro.

João Lago
Administrador e professor

Um comentário:

  1. Amigo, como o mundo não vai acabar no dia 21, aguardarei para ler seu próximo comentário. Obrigada, muito bom e verdadeiro.

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