Em Dubai, face ao
iminente esgotamento do petróleo previsto para menos de 20 anos, o
sheikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum, monarca do Eimirados Árabes
Unidos, em seu projeto de transformar seu país em um paraíso
turístico mundial, manda aterrar uma imensa extensão de mar em
forma de palmeira, criando praias artificiais para dobrar sua
extensão de litoral para abrigar turistas ávidos para conhecer o
que a engenharia humana pode conceber como realização. No outro
lado do mundo, diferentemente de Dubai que somente tem a oferecer
petróleo, praia e deserto, em Manaus, no meio da maior reserva de
biodiversidade do mundo, o “xeque” Amazonino Mendes manda aterrar
a praia de Ponta Negra de forma a deixá-la perene, aumentando os
dias de exposição de corpo moreno ao sol sobre a areia branca. Para
quem não mora em Manaus, saiba que o rio Negro oscila em quase 15
metros, entre a vazante e cheia, escondendo as areias brancas da
praia da Ponta Negra em boa parte do ano, ou pelo menos escondia.
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Praias em Dubai em forma de palmeira |
O projeto de
aterramento da Ponta Negra foi chamado de “revitalização”, cuja
palavra ironicamente incorpora o “vita” que em latim quer dizer
“vida”, muito diferente do que se lê nos jornais locais,
chamando a Ponta Negra de praia da “morte”. Isto porque, desde o
aterramento 16 manauaras morreram afogados nas águas negras do rio,
devido aos buracos traiçoeiros que se formaram na faixa rasa e
submersa de areia. Assim, logo que começaram as mortes, criou-se o
mito que, ao invés de vítimas, existiam na verdade potenciais
suicidas que enchiam a cara de cachaça e seguiam para uma
autoimolação voluntariosa simplesmente para “melar” um dia de
lazer de sol e afastar os banhistas. No entanto, diferentemente
disto, laudos do IML nem sempre comprovam a ingestão de álcool de
banhistas adultos, sim porque quando são crianças os culpados são
os pais que não cuidam de seus filhos como deveriam.
Existem semelhanças e
diferenças entre Dubai e Manaus, sendo a parte igual a cobrança que
a natureza faz das intervenções que o homem pratica no meio ambiente.
Na ilha em forma de palmeira em Dubai, as correntes marítimas mudam
a areia de lugar ao longo da costa, sendo necessário a constante
recomposição da orla, além do fato que imagens de satélite
apontam que a outra ilha artificial construída, em forma de mapa
múndi, pode estar afundando devido ao quase completo abandono da
obra desde a crise financeira que abalou o mundo a partir de 2008.
Em Manaus, ainda não
está muito claro o motivo dos buracos abertos na faixa de areia
submersa, mas um leigo pode prever que a natureza, com a própria
força da correnteza do rio, pode mover areia, pedras e tudo mais que
possa ser colocado em seu caminho. É bom que se diga que a maioria
das vítimas do lazer da morte são gente de baixa renda, sendo essa
a principal diferença entre as areias de Dubai e as de Manaus.
Enquanto nas arábias o aterro foi feito para atrair banhistas
endinheirados, aqui no Amazonas a frequência é de moradores da
periferia, como uma das poucas alternativas de lazer barato
disponível. Como resultado disto, a praia da Ponta Negra está
interditada a espera da liberação de estudos e das obras que
prometem resolver o problema.
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Aterramento da Praia de Ponta Negra |
Os Emirados Árabes
Unidos são a denominação uma nação islâmica governada por uma
família que é dona de tudo, mas que se mostra liberal aos costumes
ocidentais devido ao projeto de turismo que visa substituir a receita
do petróleo, mas não deixa de ser um país islâmico que pouca
liberdade permite a quem se opõe ao governo. Assim, a vontade do
Sheikh Rashid Al Maktoum é a que prevalece, ou seja, mesmo quando os
engenheiros holandeses precisavam de tempo para concluir os estudos
necessários para dar segurança ao projeto das ilhas artificiais, o
soberano de Dubai mandou iniciar as obras. Os engenheiros ocidentais
agiram como mercenários sucumbindo ao desejo da visão megalomaníaca
do sheikh árabe, pois poderiam assumir que não se tratava de uma
obra particular, mas de um projeto que afetaria toda uma população.
Venceu a lógica do dinheiro e ninguém poderia dizer não ao
monarca, pois afinal um rei não tem amigos, tem súditos.
No mundo ocidental,
assim como no Brasil, alguns governantes após vários anos no poder
acreditam ter poderes imperiais e, assim, não conquistam amigos, mas
sim vassalos sempre prontos a dizer sim, desde que possam continuar
na órbita do poder. Quando não são bajuladores, são mercenários,
tais como gafanhotos que vem, devoram e vão embora. No entanto, no
meio disto tudo está a população ordinária, que pode se revoltar
por meio do voto nas nações democráticas, ou por meio de
revoluções nos países árabes. Em Dubai o Sheikh controla a
população com o seu projeto de governo de uma nação moderna e
próspera, como uma joia do oriente médio. No Amazonas, o projeto de
governo atualmente também se sustenta com grandes obras, também sob
o mesmo apelo da modernidade e assim foi construída a ponte sobre o
Rio Negro, os aterros dos igarapés sepultando as favelas sobre o
leito dos rios e o aterramento recente da Ponta Negra. Todas são
obras controversas, mas a que mais rapidamente demonstrou sua face
negativa foi o aterro da Ponta Negra que convenhamos não surpreendeu
porque era previsível. Do mesmo modo não é de surpreender que
ninguém tenha aconselhado a não fazer, porque parece que se cercam
de gente incapaz de dizer não, pois toda a lógica do poder no
Brasil parece estar envolta para sustentar vassalos e mercenários,
tanto faz que seja nas praias tropicais ou nas praias do Oriente
Médio. Infelizmente essa gente de pouca qualificação, mas de alto
poder de bajulação é que são chamadas para “colaborar”.
Dezesseis famílias
choram a morte de entes queridos, todas vítimas de uma tragédia
cujo o algoz é a nossa própria ignorância.
Prometo que até o
Natal escrevo uma reflexão mais alentadora, isto se o mundo não
acabar no próximo dia 21 de Dezembro.
João Lago
Administrador e professor