A
primeira página do sábado, assim como a edição eletrônica deste domingo do
Jornal A Crítica de Manaus, ambas abordam problemas que seguidores de
denominações religiosas tiveram, no que se refere ao respeito à liberdade
individual de crença religiosa, quando esta conflita com o interesse de uma
maioria.
O
primeiro problema diz respeito a recusa de alunos evangélicos da rede pública em
fazerem um trabalho sobre a cultura afro-brasileira sobre a “Preservação da
Identidade Étnico-Cultural Brasileira”, por interpretarem que isto seria fazer
apologia ao “satanismo e ao homossexualismo”, prática contraria as crenças
deles. A outra desavença ficou por conta da prova de vestibular da Universidade
do Estado do Amazonas – UEA que acontece no sábado e, portanto, choca-se com
dogmas de igrejas que têm esse dia como sagrado, cuja orientação é abster-se de
qualquer ato que possa ser considerado “trabalho” do anoitecer de sexta-feira
até o pôr-do-sol do sábado. Fazer prova, ou assistir aula na faculdade sábado,
ou sexta-feira à noite seria uma grande ofensa a Deus, segundo os dogmas dessas
igrejas sabatistas. Por causa disto, para não se criar uma prova de vestibular
exclusiva para essa minoria, a solução foi fazê-los entrar na sala de exame no
mesmo horário dos outros candidatos e fazê-los esperar, sem qualquer contato com
o mundo exterior, até o anoitecer do sábado para enfim entregar-lhes a prova.
Alguns
dos vestibulandos sabatistas reclamaram que ficaram confinados por horas sem
direito a beber água ou comer, sendo o motivo de algumas desistências. Na visão
dessas pessoas, acreditaram que foram discriminadas, mesmo sendo de conhecimento
prévio que assim seria o vestibular para eles, haja vista que a regra está
prevista no edital e não se precaveram levando consigo alimentos ou água de
beber.
No caso
do alunos que se recusaram a fazer o trabalho de história, também não aceitaram
ler, orientados por seus pastores, obras como O Guarany, Macunaíma, Casa Grande
Senzala, sob alegação que os livros versam sobre a pederastia, ubanda e
candoblé, causando reação imediata de grupos de defesa de direitos gays e da
cultura afrodescendente.
Ambos
os casos são exemplos de intolerância recíproca entre grupos, que não se
respeitam e querem impor seus conceitos, ou fazer crer que o brasileiro deva ser
patrulhado ideologicamente sob o pretexto de alcançar a paz social. Isto me faz
lembrar sobre a polêmica da retirada de repartições públicas todos os
crucifixos, com a justificativa de que o Estado é laico e, portanto, não deve
exibir símbolos religiosos. Ora, apesar de laico, um Estado constrói sua
identidade como nação por meio de uma cultura própria, que pode sofrer
influências de outras culturas, como: europeia, africana e indígena, até que uma
cultura hegemônica venha compor a maioria, como é o caso de uma cultura cristã
europeia, que acabou transformando-se no modelo de sincretismo religioso
brasileiro, que é um belo exemplo de convivência pacífica entre as matizes
religiosas africanas e europeia. As obras literárias citadas acima, que agora
estão proscritas pelo obscurantismo de alguns religiosos, abordam justamente a
diversidade étnica e cultural do Brasil.
Os
alunos do ensino médio perderam a oportunidade de aprofundar o conhecimento por
meio da construção de uma visão crítica dos fatos, na qual não necessariamente
devem concordar com tudo aquilo que é exposto, perdendo a oportunidade de
expressar sua liberdade de expressão. Um professor consciente e isento de tentar
impor ideologia não consideraria uma crítica como fuga do tema.
Quanto
aos sabatistas, não é adequado transferir para os outros o ônus de sua opção
religiosa, porque não seria coerente, mesmo porque não seguem todas as regras de
comportamento e de higiene descritas no velho testamento. Se querem seguir a
risca a lei de Moisés, sugiro que leiam Levítico 15 que é um verdadeiro
compêndio do que pode e o que não pode. Em uma sociedade arcaica, sem a medicina
moderna, seguir essas regras fazia sentido, porque era uma orientação de como
preservar a saúde e sobreviver em um mundo sem antibióticos, vacinas
etc.
Quando
usamos nossa fé para realmente agradar a Deus no que Cristo deixou como
orientação, considerando as críticas que fez aos doutores da lei que o acusavam
de heresia, veremos que ao cristão simplesmente se pede que ame ao próximo como
a si mesmo. Isto só basta para que não se mate e furte, que se honre pai e mãe,
não se diga mentiras sobre quem quer que seja, não se explore o trabalho sem dias
de descanso, que não se traia quem nos ama e, principalmente, que não use o nome
de Deus em vão para justificar intolerâncias que contradizem o amor de
Cristo.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
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