domingo, 6 de novembro de 2011
Opinião: Família e Sociedade
Um certo dia, ouvindo uma conversa de uma mãe, eu escutei a seguinte história: “Eu reclamava muito com minha filha adolescente a respeito do quarto constantemente desarrumado, até que um dia ela me falou : - ‘mãe, quem dorme no quarto sou eu, assim é só eu manter a porta de meu quarto fechada e isto deixará de te incomodar, portanto não precisa se importar com isto’.” A mãe ao ouvir isto, pensou: - “é verdade, porque eu me estressar e ficar constantemente brigando com ela por causa disto? É melhor aceitar o que ela disse e deixar para lá”.
Há um bom tempo venho tentando escrever este texto, mas sempre não o finalizo porque não me satisfaz o resultado, haja vista que não desejo passar uma visão de fundamentalista religioso, alcunha que dispenso, muito menos ser considerado machista e, ou, moralista, pois não deito minhas convicções neste berço. Na verdade, reflito sobre os costumes, passados e presentes, buscando traçar não uma visão saudosista do que seria correto, mas trazer a luz da reflexão dos ganhos e perdas que hoje se tem da construção de nossa visão de moderna de família e o viver em sociedade.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos temos o seguinte preceito: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.” Esta declaração foi escrita em 1948, mas tem antecedentes históricos no pensamento universal que se refere a família como a célula mater da construção de uma nação. Acerca da família, o antropólogo Lévis Strauss escreveu: “O que diferencia verdadeiramente o mundo humano do mundo animal é que, na humanidade, uma família não poderia existir sem existir a sociedade, isto é, uma pluralidade de famílias dispostas a reconhecer que existem outros laços para além dos consanguíneos e que o processo natural de descendência só pode levar-se a cabo através do processo social da afinidade”. Lévis Strauss com isto quis dizer que uma família só existe em função da existência de outra família, e que esta troca é que dá nome de sociedade.
Em minha rasa leitura sobre o viver em sociedade, toda a construção da identidade de um povo inicia-se com as famílias e na forma como se organizam em torno de valores e objetivos. Por exemplo, existe uma discussão sobre a raiz da lasciva brasileira, baseada em nosso inconsciente coletivo, construída a partir de nossa colonização, que em muito se difere da formação das treze colônias inglesas na América. Isto é, enquanto o Brasil recebia homens aventureiros que vinham para esta terra com sonhos de riqueza e sem família, valendo-se de emprenhar as índias, a colonização dos Estados Unidos da América se deu por meio de família puritanas, que vieram para este continente para trabalhar, procriar e criar seus filhos. Não se precisa ir muito a fundo para afirmar que o aventureiro estrangeiro no Brasil tinha sua continuidade de vida focada em sua terra natal, enquanto que o colono inglês na América do Norte chegou por lá com o desejo fixar residência e construir uma nação.
Retornando ao caso da adolescente desleixada com o seu quarto, se eu pudesse interferir naquela conversa eu teria dito: - Mãe, não existe atitude de uma mãe (ou pai) para com o seu filho que enseje consequencias inócuas, portanto toda decisão deve partir de uma reflexão profunda, haja vista que estamos contribuindo para a formação de um caráter. Veja, que uma criança que se vê estimulada a não compartilhar seus espaços, ou mesmo de não considerar a visão do outro, que é parte passiva de seus atos, como fator importante em regras de convivência, como poderá, por exemplo, saber considerar as críticas na escola, no trabalho com a necessidade da partilha em sua vida pessoal, afetiva e profissional, ou seja, em sua vivência em sociedade marcada pelos conflitos das relações humanas? Será que uma simples concessão não poderá fortalecer um traço de egoísmo tão comum em adolescentes? Dar essa resposta não é tão fácil, pois não conhecemos suficientemente o outro (mesmo que seja nosso filho), assim prefiro pecar pelo excesso de zelo do que por uma camaradagem leniente.
Não faz muito tempo as famílias numerosas eram um exercício de concessões, tanto por parte da ação dos pais, como das atitudes dos filhos. De minha experiência pessoal, de uma família de quatro filhos, no Natal era comum recebermos um só presente que era compartilhado por todos. Certa vez ganhamos um pebolim (ou totó) que poderia ser manejado a oito mãos, ou mesmo quando ganhamos um dos primeiros video-games e assim por diante. Naturalmente administrávamos nossos desejos de brincar barganhando como os irmãos e os amigos (convidados), enriquecendo nossa capacidade de abrir concessões. Compartilhávamos (os homens) um mesmo quarto e assim construímos nossa individualidade a partir da convivência mútua e, talvez, devo muito a visão de mundo plural que tenho em virtude da partilha forçada que advém de viver em família. No entanto, hoje as famílias estão cada vez mais reduzidas e a ditadura dos dois filhos é a que se impõem aos casais, até como necessidade de assegurar conforto, bem-estar e oportunidades aos filhos. Não obstante, outra modernidade é ausência do pai no lar, sendo natural um espécie de núcleo familiar que é órfão de pai vivo. Ou seja, pais que abandonam seus filhos porque não se uniram a uma mulher com o intuito de formar família e procriar, portanto fogem quando a mulher aparece grávida, ou porque não conseguem (incluindo a mulher) administrar as concessões necessárias que devemos fazer em uma convivência afetiva. Ao mesmo tempo, mulheres financeiramente independentes e com elevado poder aquisitivo, vendem um modelo de arranjo familiar que exclui a responsabilidade masculina, aliado a um movimento feminista de classe média (portanto minoria), que consegue impor um padrão de “liberdade sexual” que ao meu ver é insustentável para a grande maioria de mulheres que não se encaixam neste modelo. Assim, nos cortiços e nas favelas é comum encontramos “famílias”, nas quais as mulheres são provedoras moral e financeira do lar, muitas vezes ausentes de casa em jornadas de trabalho que as alijam da convivência dos filhos.
Neste cenário, ao invés de avançarmos em medidas protetoras da família, construímos paliativos jurídicos que assegurem compensações materiais, motivos pelos quais as varas de família se enchem de ações de alimentos, onde mães buscam assegurar legalmente o sustento da prole acionando o pai da criança. Desta forma, quantos são os casos que os meus amigos advogados relatam que o pai se abstém de visitar a criança, ou mesmo de querer participar da educação do filho, deixando de assumir a paternidade responsável que a fria letra do direito ingenuamente impõe como verdadeira. A mulher fica sozinha e acredito que este modelo é o que mais se repete hoje em dia, não somente restrito a mulher pobre, mas decididamente é esta que mais sofre com o abandono paternal. Sinceramente não sei se é esta a igualdade de direitos que a mulher buscou em sua luta tenaz pela causa, ou se tudo isto é muito conveniente ao homem quando muitas mulheres foram persuadidas a desassociar o papel masculino como importante na vida familiar.
Finalizando, apesar de todos os rodeios que faço para escrever sobre este assunto, um ponto central permeia esta reflexão, que reside no tipo de família que desejamos para a construção deste país para as próximas gerações e qual é o nosso papel na sociedade como arquitetos deste modelo. O que eu vejo não me agrada, mas acredito que há tempo de revermos os nossos conceitos.
João Lago
Administrador, professor e morador do Cj. Santos Dumont
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