Conta-se, mas não se sabe se é
verdade, que a imperatriz Maria Antonieta da França ao ser informada que o povo
não tinha pão para comer aconselhou que comessem brioches. No final do Século
XVIII a França era ass
olada pela mais grave crise política e econômica, na qual
era grande o contingente daqueles que passavam fome e enorme a aristocracia que
vivia dos privilégios de estarem próximos ao poder.
No último domingo (15.3), 1,8
milhão de brasileiros foram às ruas para protestar contra a corrupção e pedir a
saída de Dilma Rousseff. Ainda que famélicos não caminhem em bandos pelas ruas
das grandes metrópoles, em janeiro passado foi noticiado, pela Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), uma reviravolta nos indicadores
de combate à pobreza no Brasil, nos quais 1 milhão tornaram-se miseráveis em
apenas um ano. Os programas de combate à miséria, tão festejados na propaganda
eleitoral de Dilma Rousseff, começavam a patinar e a retroceder. Não somente
isto, nos lares mais modestos, a dona-de-casa sente a carestia de vida na ida ao
supermercado, na conta de luz, nos serviços de transporte público e faz a
necessária associação com os escândalos de corrupção na Petrobras, afinal
durante os governos Lula e Dilma, foi apregoado um período de grande
prosperidade, pois toda a propaganda de marketing do governo estava associada à
descoberta de grandes jazidas de petróleo, que colocaria o Brasil como grande
exportador dessa fonte de energia para o resto do mundo. Tudo parecia ir
relativamente bem, pois o preço das commodities
no mundo favorecia as exportações brasileiras e o governo resolveu que poderia
gastar “por conta” sem se preocupar com o dia de amanhã. Anunciou um grande
plano de investimentos (Programa de Aceleração do Crescimento - PAC), promoveu
uma Copa do Mundo e realizará a Olimpíada ano que vem, transformando o Brasil
em um enorme playground para as
grandes empreiteiras. Aqui justamente se encontra o grande xis da questão: até
que ponto as obras agendadas pelo PAC estavam em sintonia verdadeiramente com o
crescimento do país? Quantas obras necessárias de infraestrutura foram deixadas
para trás, ou tiveram sua entrega comprometida pelo aumento dos custos de
execução? A lista pode parecer interminável, mas podemos citar algumas: a)
transposição do Rio São Francisco; b) o projeto de esgotamento sanitário da
bacia do Cocó, em Fortaleza; c) a ferrovia de integração Oeste-Leste, na Bahia;
d) as linhas de transmissão que liga a hidrelétrica do Rio Madeira ao sistema
interligado nacional. Qualquer pedreiro, com bom conhecimento prático, sabe que
quanto mais se atrasa uma obra, maior o seu custo. Segundo dados da
Confederação Nacional da Indústria (CNI), em maio do ano passado, somente o
atraso na transposição do Velho Chico resultava em um prejuízo de R$ 16,7
bilhões.
A operação Lava Jato confirmou a
suspeita antiga que as empreiteiras no Brasil formam cartel com a conivência de
políticos para inflar preços e financiar campanhas partidárias milionárias.
Logicamente não gastam tudo, e as sobras servem para enriquecer os responsáveis
diretos pelo esquema, assim como alavancam os lucros dos donos das
empreiteiras. Somente para que se tenha um parâmetro, da lista da revista Forbes,
com os cinquenta bilionários brasileiros, figuram representantes da Obedretch (2)
e Camargo Correia (3) que juntos possuem fortuna de R$ 24 bilhões. Portanto,
parece um escárnio e uma obra de cinismo o argumento de Dilma em janeiro que as
grandes empreiteiras envolvidas na operação Lava Jato devam ser preservadas.
Como assim? Os acionistas majoritários não lucraram durante anos com o esquema?
Por que não deveriam responder com o seu patrimônio pessoal, afinal não são
bilionários? Dilma acredita que isso possa afetar a economia brasileira na
eventual quebra de algumas empreiteiras. Ora, então que quebrem e que se dê
lugar às empresas que sejam idôneas.
O cinismo do governo do PT é que
alimenta o povo para ir às ruas protestar. Assim, ao invés de admitir que o
povo está cansado de desculpas e mentiras, o governo petista segue acoitando a
impunidade e insiste em dizer que os insatisfeitos são membros de uma elite
branca e que toda a grande imprensa é golpista. Em sua mensagem pela passagem
do dia internacional da mulher, Dilma aproveitou para falar da situação
econômica do país, pedindo “paciência e compreensão” porque a situação seria passageira.
Concomitantemente, em várias cidades do país a população bateu panelas e
distribuiu sonoras vaias que ecoaram das sacadas de aglomerados residenciais. O
PT ironizou e disse que “madames bateram panelas do alto de suas varandas gourmet”, ao invés de perceber que este
sentimento de intolerância com o PT é justamente fomentado por esse jogo de
dizer que o Brasil vive uma luta entre classes e que eles são os mocinhos. O
governo Dilma, em sua esquizofrenia ideológica, parece viver em um país muito
diferente daqueles que, ao ritmo de apupos descompassados, sibilaram o metal. A
facção do PT que governa o país insiste em não aceitar a verdade, ou a enxerga
sob uma ótica particular que irrita o cidadão minimamente esclarecido. A
diferença entre aquilo que Dilma diz e o que é a realidade dos fatos é tão
gritante que a negação da verdade serve como combustível para os mais variados
tipos de manifestações contrárias ao governo, inclusive as manifestações ocorridas
em várias cidades no dia 15 de março.
A crise econômica que assola o
Brasil é fruto de má gestão e não tem relação com uma “grande crise
internacional” em curso. Muito pelo contrário, a crise iniciada em 2008 está
contornada, pois há a expectativa que a Europa retome seu crescimento e que os
EUA mantenha crescimento acima de 3% em 2015. Após tomar medidas econômicas que
evitaram a recessão em 2014, os países da Zona do Euro apontam um crescimento
1,1% em 2015, enquanto que os EUA já demonstraram recuperação (crescimento nos
segundo e terceiro trimestres de 2014 de 4,6% e 3,5%, respectivamente). A
diferença de perspectiva de crescimento econômico entre EUA, Europa e Brasil
reside que os dois primeiros se favorecem pela queda do preço das commodities no mundo (petróleo,
minérios, grãos, carnes etc.) enquanto que o Brasil se prejudica com isto, por
ser grande exportador dessas commodities.
Assim, todas as medidas que estão sendo tomadas pelo ministro da economia Levy,
embora bastante impopulares, são necessárias para o equilíbrio das contas
públicas. O problema é que justamente quem afirmou que não as tomaria, está
agindo ao contrário do que havia dito. Qualquer novo governo que assumisse a
partir de 2015, se tomasse medidas tão impopulares, teria mais condescendência
da população, pois haveria a expectativa do “choque”. Um exemplo: quando Collor
confiscou a poupança no início de seu governo, apesar de bastante impopular, o
brasileiro mesmo revoltado não saiu às ruas. A maturação dos problemas
econômicos e as evidências de corrupção em dois anos fez com que a população fosse
às ruas e pedisse a saída de Collor, o defenestrando da presidência. Dilma não
poderia se valer da paciência e complacência do brasileiro, pois, repito, criou
um discurso de campanha que era contrário ao “pacotaço” que entregou tão logo
garantiu vitória nas urnas. Portanto, são justas as vozes que a acusam de ter
mentido para seus eleitores e tentar reafirmá-las, como se ainda estivesse em
campanha, soa como cinismo.
Verdadeiro ou não, o cinismo de Maria
Antonieta a fez perder literalmente a cabeça na revolução francesa. Assim, com
a recessão batendo à porta do brasileiro, o que Dilma poderia dizer a um pai de
família profissionalmente qualificado que tenha perdido o seu emprego? Diria:
“Se não tem emprego, que faça um PRONATEC”. Na campanha assim foi, um discurso
alheio às demandas do cidadão que não está sob a égide das mesadas do governo. Os
que foram as ruas, muito além da reivindicação justa contra a corrupção e
impunidade dos corruptos e corruptores, desejam um Brasil para todos os
brasileiros, sejam eles “coxinhas”, “empadinhas” ou quaisquer outros adjetivos
que os partidários de Dilma insistem usar para desqualificar aqueles que clamam
mudanças nas ruas. O povo já não aguenta mais tanto cinismo.
João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
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