Recentemente li uma resenha do autor de novelas
Walcyr Carrasco, intitulada “A mentira vai à mesa”, na qual ele afirma
que existe uma certa “hipocrisia tácita” de não querer saber como o
alimento chega à nossa mesa ou, melhor dizendo, alimentamo-nos de
animais criados com o intuito de serem fontes de proteínas para nós
humanos, mas não nos importamos de como são criados e mortos para tal.
Também, ao ler Walcyr Carrasco, logo de imediato lembrei-me do livro “O menino no espelho”, de Fernando Sabino, que talvez tenha servido de inspiração para Carrasco ou apenas tenha sido uma dessas coincidências literárias. Na obra de Sabino, encontra-se a estória de Alzira, a cozinheira que matava as galinhas torcendo-lhes o pescoço. Face ao destino inevitável das galinhas que chegavam à casa do menino, o mesmo toma a decisão de salvá-las, tão logo uma nova vítima aportasse em sua casa. Desta forma, assim que uma outra galinha chegou trazida por sua mãe, o menino afeiçoou-se ao animal, batizando-a como Fernanda, com todo o rito católico da água na cabeça do animal e preservando-a do destino de ser servida em um banquete de galinha ao molho pardo.
Nessa semana que passou, um grupo de “ativistas”, desses que se proliferam em Facebook, instigados para fazer justiça com as próprias mãos, invadiram o Instituto Royal, em São Roque, região de Sorocaba, em São Paulo, para libertar pelo menos dezenas de cães da raça Beagle, usados como cobaias em testes de medicamentos. Além de retirarem os animais do centro de pesquisa, também promoveram destruição de equipamentos e de materiais que estavam sendo estudados pelos pesquisadores, causando prejuízo material e atrasos nas pesquisas. Nos noticiários que foram feitos, antes e depois, vê-se declarações acaloradas de defesa dos animais, seguidos de desmentidos de participação no ato de vandalismo ou, ainda, da constatação de abandono dessas cães em via pública.
Esses ativistas eu poderia chamá-los de Black Dog (parodiando os estúpidos Black Bloc), pois destruíram importantes pesquisas e eventualmente atrapalharam qualquer iniciativa sensata de investigação de maus-tratos aos animais, que já vinha sendo conduzida pelo Ministério Público de São Paulo, haja vista que havia denúncias contra o Instituto Royal, mas que as possíveis provas de maus-tratos foram destruídas com a intempestiva invasão.
Os novos medicamentos inicialmente são testados em animais, para análise dos efeitos colaterais e possível implicações medicamentosas em nosso organismo, na tentativa de oferecer medicamentos seguros. Não há possibilidade de aprimoramento dos medicamentos sem testes em animais vivos, ou seja, ou são feitos em animais ou devem ter o ser humano como cobaia. Assim, seria uma atitude de maior impacto se esses “ativistas” tivessem se oferecido como cobaias no lugar de cada Beagle ali alojado.
Neste momento, talvez eu tenha passado uma impressão de ser totalmente insensível à questão de maus-tratos aos animais, pelo fato do cachorro em nossa sociedade ser considerado (com certo exagero) como membro da família. Que o diga Rogério Magri, ministro de Collor de Mello, que, flagrado usando carro oficial para levar seu animal de estimação ao veterinário disse: “O cachorro é um ser humano como outro qualquer”.
Aqui no Brasil não nos alimentamos de carne de cachorro, mas é possível encontrar essa iguaria em um restaurante vietnamita ou chinês ou em outra cultura asiática. Aqui nos alimentamos de carne de vaca, mas é impensável comer esse animal em regiões da Índia, onde a vaca é sagrada. Assim, em países que as fontes de proteínas um dia foram escassas, é possível que se tenha desenvolvido relativa tolerância do que pode vir a ser alimento ou não. Do mesmo modo, fatores culturais, como a religião, podem limitar o que podemos considerar como fonte de proteína. Judeus, muçulmanos e adventistas do sétimo dia não comem carne de porco. Neste ponto vale salientar que pesquisas em medicamentos também são testadas em suínos, mas os porcos não têm a mesma face carinhosa de um cão da raça Beagle.
A pergunta que me faço é: quantos desses Black Dog, ou ativistas de última hora, desprezam em uma refeição um suculento bife, uma apetitosa coxinha de frango ou um tambaqui assado ao molho de tucupi? Não sei, mas a hipocrisia tácita, ou não tácita, reside no fato de não querermos enxergar além do que os nossos próprios olhos nos permitem ver.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
Também, ao ler Walcyr Carrasco, logo de imediato lembrei-me do livro “O menino no espelho”, de Fernando Sabino, que talvez tenha servido de inspiração para Carrasco ou apenas tenha sido uma dessas coincidências literárias. Na obra de Sabino, encontra-se a estória de Alzira, a cozinheira que matava as galinhas torcendo-lhes o pescoço. Face ao destino inevitável das galinhas que chegavam à casa do menino, o mesmo toma a decisão de salvá-las, tão logo uma nova vítima aportasse em sua casa. Desta forma, assim que uma outra galinha chegou trazida por sua mãe, o menino afeiçoou-se ao animal, batizando-a como Fernanda, com todo o rito católico da água na cabeça do animal e preservando-a do destino de ser servida em um banquete de galinha ao molho pardo.
Nessa semana que passou, um grupo de “ativistas”, desses que se proliferam em Facebook, instigados para fazer justiça com as próprias mãos, invadiram o Instituto Royal, em São Roque, região de Sorocaba, em São Paulo, para libertar pelo menos dezenas de cães da raça Beagle, usados como cobaias em testes de medicamentos. Além de retirarem os animais do centro de pesquisa, também promoveram destruição de equipamentos e de materiais que estavam sendo estudados pelos pesquisadores, causando prejuízo material e atrasos nas pesquisas. Nos noticiários que foram feitos, antes e depois, vê-se declarações acaloradas de defesa dos animais, seguidos de desmentidos de participação no ato de vandalismo ou, ainda, da constatação de abandono dessas cães em via pública.
Esses ativistas eu poderia chamá-los de Black Dog (parodiando os estúpidos Black Bloc), pois destruíram importantes pesquisas e eventualmente atrapalharam qualquer iniciativa sensata de investigação de maus-tratos aos animais, que já vinha sendo conduzida pelo Ministério Público de São Paulo, haja vista que havia denúncias contra o Instituto Royal, mas que as possíveis provas de maus-tratos foram destruídas com a intempestiva invasão.
Os novos medicamentos inicialmente são testados em animais, para análise dos efeitos colaterais e possível implicações medicamentosas em nosso organismo, na tentativa de oferecer medicamentos seguros. Não há possibilidade de aprimoramento dos medicamentos sem testes em animais vivos, ou seja, ou são feitos em animais ou devem ter o ser humano como cobaia. Assim, seria uma atitude de maior impacto se esses “ativistas” tivessem se oferecido como cobaias no lugar de cada Beagle ali alojado.
Neste momento, talvez eu tenha passado uma impressão de ser totalmente insensível à questão de maus-tratos aos animais, pelo fato do cachorro em nossa sociedade ser considerado (com certo exagero) como membro da família. Que o diga Rogério Magri, ministro de Collor de Mello, que, flagrado usando carro oficial para levar seu animal de estimação ao veterinário disse: “O cachorro é um ser humano como outro qualquer”.
Aqui no Brasil não nos alimentamos de carne de cachorro, mas é possível encontrar essa iguaria em um restaurante vietnamita ou chinês ou em outra cultura asiática. Aqui nos alimentamos de carne de vaca, mas é impensável comer esse animal em regiões da Índia, onde a vaca é sagrada. Assim, em países que as fontes de proteínas um dia foram escassas, é possível que se tenha desenvolvido relativa tolerância do que pode vir a ser alimento ou não. Do mesmo modo, fatores culturais, como a religião, podem limitar o que podemos considerar como fonte de proteína. Judeus, muçulmanos e adventistas do sétimo dia não comem carne de porco. Neste ponto vale salientar que pesquisas em medicamentos também são testadas em suínos, mas os porcos não têm a mesma face carinhosa de um cão da raça Beagle.
A pergunta que me faço é: quantos desses Black Dog, ou ativistas de última hora, desprezam em uma refeição um suculento bife, uma apetitosa coxinha de frango ou um tambaqui assado ao molho de tucupi? Não sei, mas a hipocrisia tácita, ou não tácita, reside no fato de não querermos enxergar além do que os nossos próprios olhos nos permitem ver.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
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