Imaginemos dois indivíduos
passando por qualquer cruzamento de uma grande cidade e nele encontre algumas crianças pedindo esmolas. O primeiro resolve baixar o vidro do carro e
tão logo depois de deixar alguns trocados passa a criticar quem colocou aquelas
criaturas no mundo, chamando-os de irresponsáveis e coisa e tal. O segundo
simplesmente segue em frente sem se importar e sem olhar para trás. Nesses dois
casos eu tenho a convicção que o mais autêntico seja aquele que seguiu em
frente, justamente porque não carrega em si responsabilidade alguma, seja por
qualquer demência moral que tenha. Já o primeiro julgou o outro do alto de sua
superioridade e talvez para atenuar sua própria culpa tenha decidido dar a
esmola, mesmo sabendo que tal ato não mudará em nada a realidade daquelas
crianças, tão pouco as críticas proferidas. Poucos poderiam decidir parar o
carro, conversar com as crianças e procurar entender porque elas estão ali.
Isto seria realmente importar-se com outro, perdoando o descaso dos pais e buscando
uma solução para o problema. Porém, pode ser muito difícil agir assim, mas um
primeiro passo é deixar que nossas ações não sejam simplesmente na direção de
mitigar nossa culpa e descaso, mas que sirvam verdadeiramente para promover o bem.
O perdão é uma concessão do ser
humano muito difícil de ser auferida verdadeiramente, ou seja, perdoar apagando
de si todas as mágoas e colocando-as no esquecimento. Digo isso, pois é comum
ouvirmos de algumas pessoas: “eu perdoo, mas não esqueço”. Assim, desta forma,
perdoar sem esquecer significa que aquela mágoa ficará latente, assim como um
vírus quiescente nas células nervosas a espreita de uma baixa na imunidade para
agir. Interessante que do mesmo modo que algumas úlceras virulentas despertam
em situação de estresse e fadiga, da mesma forma as mágoas latentes despertam
no primeiro desconforto emocional, emergindo na carne e a escarnecer o outro.
Perdoar sem esquecer o mal se traduz do mesmo modo que dar a esmola, mas
escarnecer o pedinte.
O ensinamento cristão apregoa o
perdão e pede tão somente como reciprocidade o reconhecimento do erro. Traz o
Evangelho (Jo 8, 10-11) que Cristo salvou a adúltera do apedrejamento, em
seguida perdoou os seus pecados dizendo-lhe: “vai, e de agora em diante não
peques mais”. Embora nossa natureza humana não esteja isenta do pecado, sendo
certo que pecaremos mais adiante, reconhecer o erro e desejar não mais
incorrê-lo é a condição necessária para o perdão, principalmente quando a luz
de nossa consciência nos sentimos julgados e condenados. Do ponto de vista de
quem perdoa a remissão somente acontece quando o mal é expulso da consciência e
existe a esperança que um novo caminho será trilhado que não passe pelos mesmos
erros cometidos. Nesse sentido, a parábola do “filho pródigo” (Lc 15, 11-31) ou
“do pai misericordioso” como desejam alguns, ensina justamente estar de braços
abertos para o arrependido, ainda contrariando quem quer que seja. Pois,
imaginemos que fosse, ao invés do pai, o filho invejoso a recepcionar o irmão e
ao ouvi-lo implorar perdão e o tivesse expulsado dizendo: “eu te perdoo, mas
vai para bem longe daqui”. A boa nova de Cristo não é para aqueles que se
acreditem escolhidos de Deus, mesmo porque a esses Jesus chamou de hipócritas por
desejarem fazer crer ao outro sua superioridade. Pelo contrário, a mensagem de
Cristo é para os pecadores e humilhados e não devemos fazer de uma pretensa
virtude cristã motivo de exaltação pessoal, pois dos dois tesouros que devemos
carregar no coração, a caridade e a fé, diz o Evangelho (Mt 6) que a ambas
devem ser feitas em segredo, pois se feito de outro modo são apenas hipocrisia
e vaidade que foram tão criticadas nos fariseus (Mt 23, 1-12). A vaidade e o
orgulho são vendas que não permitem os nossos olhos concederem o perdão, pois nos
impedem de olhar o outro e só enxergamos a nós mesmos naquilo que acreditamos
serem as nossas virtudes.
Perdoar absolutamente não significa
afastar-nos de nossas convicções e visão de mundo, principalmente quando elas
estão solidificadas na caridade e na Fé em Deus. Porém, essas mesmas convicções
jamais podem dar causa ao impedimento da compaixão pelo grande paradoxo que
isso representa. Assim, como exemplo que a caridade e a fé nos acompanham,
mesmo quando atacados pela ignomínia de alguns quando perdoamos o mal que nos fazem,
não devemos esmorecer e sempre acreditar que o perdão deve ser concedido a quem
arrependido deseja absolvição, pois esta é a justiça de Deus que jamais deve
ser confundida com a justiça dos homens.
O perdão verdadeiro sempre será
uma graça de Deus que frutifica da fé e da caridade (amor) presente em nosso
coração.Portanto, há sempre tempo para o
perdão.
João Lago.