Antes de fazer uma reflexão como
leigo sobre a questão do divórcio da forma que afeta os que professam a fé
católica, vou relatar um diálogo que tive com um membro de uma denominação cristã
protestante fundada em meados do Século XIX nos EUA.
Disse-me o sujeito que
vivia na companhia de seus filhos abandonados pela mulher com quem havia casado:
“O motivo de minha separação envolve o desejo de minha ex-mulher em vivenciar novas
aventuras amorosas e por isso deixou o sítio no qual vivíamos fugindo na
companhia de outro homem”. Naquela oportunidade o exaltei por sua coragem em
ficar com os filhos e criá-los sozinhos, quando o mesmo relatou-me que já não
estava mais sozinho. Havia encontrado outra mulher com a qual já estava vivendo
no sítio e o pastor, ciente da situação, já estava providenciando a anulação do
casamento e o encaminhando para celebração de um novo matrimônio tão logo os
papéis do divórcio sejam providenciados. Vi no rosto daquele homem um alívio, primeiro
pelo fato de relatar com naturalidade um fato que causa constrangimento a
qualquer homem quando declara ter sofrido adultério, principalmente pela pecha de
“corno” que invariavelmente haverá de carregar vida a fora. Porém, em face da
felicidade de haver resolvido o seu problema junto a Deus e aos homens,
seguiria sua vida com sua nova esposa e filhos.
Não sou teólogo, mas por
vivenciar a fé católica sei que por aqui as coisas não são tão fáceis assim. No
entanto, imediatamente lembrei-me da passagem do Evangelho de Mateus na qual
quando Cristo incitado pelos fariseus a comentar por que Moisés ordenou dar um
documento de divórcio à mulher, ao rejeitá-la, respondeu-lhes o Salvador: “É
por causa da dureza de vosso coração que Moisés havia tolerado o repúdio das
mulheres; mas no começo não foi assim. Ora, eu vos declaro que todo aquele que
rejeita sua mulher, exceto no caso de matrimônio falso, e desposa uma outra,
comete adultério. E aquele que desposa uma mulher rejeitada, comete também
adultério.” (Mt. 19:8-9).
A única exceção que permite o
divórcio é o tal do matrimônio falso e a interpretação do que seja isto a luz
do direito canônico que é próprio da Igreja Católica. Tive a oportunidade de
conversar com um bispo católico a respeito do que é permitido como alegação de
falso matrimônio e foi-me esclarecido que haveria de ser algo que aconteceu
antes do casamento como premissa que pudesse interferir na livre vontade dos
nubentes de contrair matrimônio, como por exemplo, um homem aceitar casar-se
com uma mulher porque a mesma se encontra grávida. Ou, em casos perdidos no
tempo, uma mulher ser obrigada a casar com um homem por qualquer tipo de
convenção social. Assim, não seria válido para um católico pedir o divórcio
pelo motivo alegado pelo sujeito do início da história, por mais dolorido que
seja o chifre que há de carregar, devendo conformar-se com a pecha pelo resto
da vida. Um católico se desejar permanecer no seio da igreja, recebendo a
Eucaristia não poderá unir-se a uma outra mulher e, portanto, deve fazer-se
eunuco a si mesmo por amor ao Reino dos céus. Isto está registrado na
continuação do Evangelho de Mateus citado anteriormente e deve ser seguido por
católicos abandonados pelo cônjuge.
O papa Francisco chocou o clero
ortodoxo quando propôs uma anulação matrimonial mais célere e uma interpretação
sobre o que seja “falso matrimônio” distante dos muros que cercam o Vaticano. O
Papa Francisco propõe que a sentença de divórcio seja assinada por “um juiz
único sob a responsabilidade do bispo”. Conforme publicado no jornal espanhol El
País, no início de outubro de 2014: “o Papa Francisco criticou duramente o
sistema de anulação matrimonial aplicado pela Igreja, chegando a defini-lo como
longo, custoso, caro e, em algumas ocasiões, corrupto. ‘A Igreja tem que ter
generosidade para fazer justiça gratuitamente’, afirmou o Papa na ocasião”.
Os que são adeptos da ortodoxia
não entendem, ou porque não desejam compreender, que muitas vezes os valores da
moral cristã, que deveria ser suficientemente sólida para unir um casal em um
matrimônio santo, falham. Hoje um sacerdote, que deveria estar atento ao seu
rebanho, está sobrecarregado com treze, vinte, enfim, dezenas de comunidades
que somente tem a presença do pároco muitas vezes pelo menos uma vez no mês.
Assim, como conduzir uma evangelização que possa manter firme a família dentro
dos princípios cristãos e deles não se afaste em face dos apelos de um mundo
secular egoísta e centrado no desejo de satisfação de uma felicidade efêmera e imediata?
Nos primórdios do catolicismo, o Apóstolo Paulo em Romanos 15:14 diz-se
convencido que a Igreja estava cheia de bondade, cheia de um perfeito
conhecimento e, portanto, capaz de uma admoestação recíproca. Isto seria
suficiente para manter um corpo coeso, mas quem hoje deseja sair de sua zona de
conforto e indispor-se com um irmão quando o vê claudicar na fé? Quem poderia
criticar um homem, ou uma mulher, quando deixa de dar o perdão e ao invés de
ser admoestado, tem o apoio de uma comunidade que é incapaz de fazê-lo refletir
sobre sua falta de perdão e amor?
Hoje o que eu percebo é uma
igreja omissa pela negligência ou pela incapacidade de párocos em mediar
conflitos e permitem que membros com graves falhas em sua conduta cristã tenham
participação proeminente nos serviços litúrgicos da igreja e nas pastorais sem
que sejam admoestados em sua conduta moral e afastados de suas funções. Porém,
pergunto-me até que ponto a visão ortodoxa realmente serve como amálgama da fé,
ou presta-se justamente ao efeito contrário de afastar o fiel da Igreja? Na criação do mundo (Genesis 2:18) Deus disse
que não seria bom que o homem estivesse só e proveu-lhe uma companheira e o
primeiro casamento foi celebrado por Deus no Jardim do Éden. Ambos sob a
tutela de Deus, mas com livre arbítrio, viviam em harmonia até que o pecado
interrompeu a felicidade de ambos, sendo expulsos e desde então homens e
mulheres buscam o retorno ao jardim celeste por meio da palavra de Deus.
O Papa Francisco quando busca
simplificar o divórcio não o faz para membros da Igreja que estejam sob a égide
do olhar da comunidade, desde que essa exerça o seu papel de admoestar seus
pares, mas voltada para aqueles que se tornam párias pela ação do outro e assim
condenados a viverem como eunucos não por vontade própria. Se uma igreja viva
faz o seu papel de manter os casais unidos, também deve ter compaixão quando vê
o outro abandonado e infeliz. É nesses casos que a ação da simplificação do
divórcio proposta pelo Papa Francisco tem guarida. Não estamos aqui tratando da
complacência a um ser casamenteiro ao estilo do cantor Fábio Júnior, nem do
poeta Vinícius de Moraes, célebres pelos inúmeros matrimônios. Abordamos que o Papa
Francisco busca agir com compaixão para com casais harmoniosos que em segundo
matrimônio desejam voltar ao seio da Igreja, mas seguem como pária em face da
interpretação ortodoxa da palavra “falso matrimônio”.
A evangelização sempre será um
ato coletivo porque a Igreja de Cristo é um corpo coeso alicerçado em princípios
que visam à salvação humana do pecado. A salvação é individual, particular, mas
ao viver em comunidade temos a obrigação de amar o próximo e conceder-lhe
misericórdia quando todas as tentativas em manter o seu casamento santo
estiverem esgotadas pela ação do outro. Ninguém pode ser condenado ad eternum pela empáfia e a ignomínia de
quem deseja estar alheio aos princípios que unem a família e os cristãos. A
Igreja de Cristo é essencialmente misericordiosa.
João Lago.
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