Nesse último final de semana,
parado na sacada em que me encontrava, observava o apartamento do prédio do
andar abaixo, defronte ao meu bloco, no qual uma criança ajudava a mãe na
ornamentação de uma árvore de Natal. Essa visão, como se olhasse através de uma
janela aberta para o passado, eu revivi a semelhança da inocência pueril de
meus filhos e senti revigorada em mim a certeza da importância da presença de
crianças como personagens importantes no Natal. É como se o Natal só tivesse
sentido por causa delas e abusamos em deixá-las ainda mais excitadas com promessas
face a aproximação do dia 25 de dezembro, dia de ganhar aquele brinquedo tão
desejado.
Não tenho aqui a pretensão de
ditar uma denúncia moral de fundo religioso sobre comportamento de famílias
quando transformam o Natal em uma festa de confraternização com trocas de
presentes, principalmente quando envolvem as crianças na asseveração da
fantasia de um ser mágico que entrega presentes, haja vista que todos os anos se
faz a mesma crítica da falta da menção da principal criança que motiva a festa:
O menino Jesus. Na verdade, o Natal é uma época repleta de alegorias que o
representa, mas basta olhar ao redor para sentir a ausência na decoração de
representações do nascimento de Cristo. E o que mais triste, deixa-se de contar
a história para as crianças que crescem com o significado abstrato que o Natal
é simplesmente uma época de ganhar presentes.
Em algumas famílias cristãs que
tem o hábito de montar o presépio, a figura central somente é colocada no berço
na véspera do dia de Natal, logo depois da meia-noite, em uma pequena cerimônia
para demonstrar que Jesus novamente nasceu. Porém, é muito difícil encontrar
essa representação da forma descrita aqui nas decorações que antecedem o Natal,
sendo mais comum ver a representação de Cristo criança já na manjedoura e assim
se perde a oportunidade de demonstrar que o milagre esperado no Natal não é o
presente mágico descido pela chaminé, mas Jesus renascido em nossos corações.
As crianças deixam de serem envolvidas no verdadeiro significado do Natal e
tendem a reproduzir somente aquilo que presenciam desde sempre em família e o
comportamento segue adiante apesar de todas as críticas que se possam fazer.
Não se iludam, se existe a intenção de mudar valores na sociedade eles devem
começar com prover exemplos para que as próximas gerações possam seguir e é por
isso que se deve dar especial atenção as nossas crianças.
Na imensa sensibilidade poética e
na generosidade em promover novos talentos, a cantora Elis Regina revelou Belchior
que na segunda canção do compositor cantada por ela diz: “minha dor é perceber
que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os
mesmos e vivemos como os nossos pais”. Eu interpreto essa canção como a divisão
da vida em três fases, sendo que a primeira, durante nossa infância,
internalizamos a cultura e valores transmitidos em família. Logo depois,
durante a adolescência, fazemos descobertas que levam a contestação de todos os
valores apreendidos e buscamos uma via alternativa de uma nova identidade que
possa nos definir como pessoa. Contudo, quando novamente reunidos em família
com toda a responsabilidade de educar nossos próprios filhos, recordamos
inconscientemente dos exemplos positivos herdados de nossos pais e reproduzimos
a conduta que teimamos insistentemente em nos afastar durante a entrada de
nossa vida adulta. A explicação pode ser bem simples, pois se crescemos
crianças bem cuidadas e resolvidas emocionalmente com os nossos pais na
adolescência, quando adultos responsáveis pela condução de outras vidas,
retornamos a fórmula de sucesso ensinada pelos nossos pais. Por que mudaríamos?
Não há motivos para isto.
Essencialmente o Natal é uma
expressão de amor de um Deus que oferece o seu Filho para a redenção do homem,
sendo necessário que ela venha ao mundo com a inocência e pureza que vive no
coração de cada menino e menina. Não há uma forma melhor de conhecer o amor de
Deus senão por meio dos olhos de uma criança e Cristo deixou bem claro isto
quando ensinou: “Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos
tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos céus” (Mt 18:3). Isto
significa que em cada família na qual habita uma criança tem-se a tutela do
olhar que vislumbra o sagrado e o quanto é importante deixarmos a criança viver
sua meninice em total plenitude, pois assim nos purificamos em sua inocência e
nos tornamos pessoas melhores.
Toda criança merece cuidados e a
oportunidade de conhecer o amor para que quando adulto for possa retribuir
afeto e repetir o que os nossos pais nos deixaram de melhor como herança para
com ela: a semelhança do amor de Deus.
Feliz Natal.
João Lago.
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