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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Cinquenta anos



Na Grécia Clássica, Heráclito de Éfeso disse que “nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem”. É nessa constante mutação que a capacidade de adaptação, ou de adequação, traduz-se em uma constante reinvenção de si próprio, em um processo de renovação de experiências de vida que somente podem ser vividas uma vez só.

Nesses meus cinquenta anos que completo neste mês de janeiro de 2017, posso considerar-me um homem que acumulou alguma experiência de vida. Olhando para trás, em uma rápida contabilidade de minhas andanças, morei em cinco estados deste país, vivendo em oito cidades diferentes, trabalhando em onze empresas distintas, dentre elas, duas do setor financeiro, uma da aviação civil, uma de consultoria empresarial, uma multinacional da indústria de alimentos, uma empresa de logística e cinco instituições de ensino superior. É verdade que algumas adaptações foram necessárias ao longo do tempo, mas se não tivesse a imensa curiosidade que tenho e a enorme vontade de aprender sempre, talvez as coisas fossem um pouco mais penosas e menos divertidas. Sim, a diversão é o tempero principal de qualquer empreitada de vida, pois muitas vezes, por razões profissionais, podemos não escolher onde ir morar, considerando que tenho a plena convicção que a melhor cidade do mundo é aquela onde ganhamos o nosso sustento, na qual temos oportunidade de estudar, cuidar de nossa família e educar os nossos filhos. Pensando assim, considerando essas premissas básicas, procurei ser feliz em cada cidade na qual morei justamente por buscar o que havia de melhor em cada uma delas: a sua gente.

Nesse dia 26 de janeiro está completando um ano em que vivo uma nova experiência, advinda da condição resultante do espólio do fim de um relacionamento de mais de três décadas. Assim, ao completar cinquenta anos e havendo de adaptar-me ao que não pude planejar, ou sequer cogitar, mas simplesmente a aceitar empreender a minha reinvenção mais dolorosa a qual nenhuma experiência passada é conselheira. Se antes tudo que havia de novo transcorria externamente ao que chamamos de lar, agora são as próprias paredes e o silêncio da morada que me constrange. Porém, antes de alquebrar-me com a tristeza, lembrei-me que no período anterior a metaforme a lagarta em metade de sua existência arrasta-se pelo mundo, mas em dado momento, recolhe-se na solidão de crisálida para então sair, ganhar asas e viver a outra metade de sua vida de forma mais livre e gloriosa. Em tempos de crisálida nada melhor que se aconselhar em próprios pensamentos em um derradeiro e necessário retorno a si próprio. Então, se antes o espaço de refúgio era o lar, agora são os espaços externos que abrem suas portas para o acolhimento e novamente vejo-me cercado de gente.

Há dez anos eu escrevi um texto celebrando os meus quarenta anos e ao relê-lo percebi que o mesmo continua irretocável. Não acrescentaria ou suprimiria uma única linha sequer, pois aquele pensamento não se esmaeceu com o tempo, pelo contrário, acabou ganhando novas cores com a adição de mais amigos, companheiros nessa jornada que o tempo de Deus nos permite viver. Assim, neste texto que novamente ressalto a amizade e a importância dos relacionamentos, reitero o quanto foi bom ter conhecido tanta gente e vivido em tantos lugares.

Daqui a dez anos espero novamente escrever uma mensagem para celebrar mais uma década, já não mais como uma lagarta ou na prisão de uma crisálida, mas de asas abertas que sempre me levarão para perto de gente.

João Lago.




Brasília, 29 de janeiro de 2007

Caro(a) Amigo(a).

Nesse último sábado completei quarenta anos e talvez porque eu esteja emocionalmente fragilizado neste momento pela distância que me separa de todos aqueles que amo e quero muito, deparei-me fazendo um balanço dos últimos trinta e seis anos de consciência plena de minha existência, de minhas lembranças de menino, de adolescente e de homem.

Esse balanço, que nada mais é do que reflexões sobre meus relacionamentos e minhas realizações, chegou a constatação lógica que as lembranças de minha história que temos em comum não foi marcada pelo tempo de nossa convivência, mas pela intensidade dessa relação pessoal e como particularmente ficou marcada em minha recordações. Simplificando, se escrevesse um livro de minhas memórias provavelmente não haveria uma correlação entre o tempo de convivência e laudas escritas. A percepção óbvia é que são as intensidades das relações humanas que marcam a nossa memória e não a sua quantidade. Dessa forma, a quantidade exata de páginas que escreveria particularmente sobre ti, seria na proporção do impacto que o fato de ter-te conhecido modificou o homem que sou hoje.

Não falarei muito das conclusões que tive acerca de meus relacionamentos, haja vista que sou feliz com todos os que tenho, pois são muitas histórias para contar e que não vivi esses quarenta anos em uma cidadezinha qualquer e de forma tão besta  (lembrando Drummond). Entretanto, falarei um pouco mais de minhas realizações, cuja conclusão é que foram pífias, mas do ponto de vista estritamente material, que isso seja bem esclarecido.

Não acumulei patrimônios que poderiam fazer-me respeitado por aquilo que possuo. Posso exemplificar isso a partir de um comentário que um amigo me fez no início da semana passada, quando ao passarmos por um sedan lustroso e equipado, parafraseou: “esse é o carro que separa os homens dos meninos”. A dita frase poderia ser estendida para uma casa, uma gorda conta bancária ou qualquer outro bem físico que pudesse representar a posse de um excelente patrimônio.

Não fui uma criança materialmente rica e hoje aos quarenta anos não sou um homem rico. Fui de certa forma incompetente em transformar minha capacidade intelectual em cifras, gordas cifras, revelando em mim certa frustração momentânea. Assim, se fiquei profundamente satisfeito com a primeira parte de meu balanço pessoal (meus relacionamentos), fiquei decepcionado com o segundo (minhas posses). Entretanto, antes que pudesse lamentar-me mais, percebi que se eu gastasse todas as minhas energias para acumular dinheiro seria percebido como homem por itens meramente materiais, e não pela impressão de quem realmente sou. É como se for homem fosse possuir um carro bonito e que isto abrisse as portas para conhecer o amor de uma mulher. Nesse ponto digo que durante toda a minha vida dediquei-me a amar como um menino e não me arrependo um dia sequer disto.

Talvez se tivesse muito dinheiro e, mesmo assim, uma vida besta, enveredaria para a filantropia como forma de redenção, pois esse é o caminho verdadeiramente positivo que qualquer um pode chegar, ficando em paz com a sua consciência, ao invés de somente reclamar que os impostos que se paga não retorna revertido na melhoria da sociedade e ponto. Felizmente a filantropia não se resume somente em fazer doações, já que existe a carência de voluntários nos mais variados projetos sociais, ou seja, o importante é continuar indignando-se e agindo. Assim, de uma forma ou de outra, indignar-se continuará sendo a centelha básica de toda a ação social.

Termino esta mensagem dizendo que me sinto muito feliz e em paz comigo mesmo, na consciência de um homem, na simplicidade de um menino que busca nas pessoas a inspiração necessária para o exercício do amor e da compreensão humana. Portanto, neste momento, tenho um capítulo especial gravado em minha história graças a ti.

Quero muito agradecer-te por ser meu(minha) amigo(a).

João Lago
 

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