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quinta-feira, 3 de março de 2016

Memórias de ensaios - Parte 1

Já faz mais de dez anos que escrevo reflexões sobre inquietações que me tocam e por isso tenho a necessidade de colocá-las em um texto.

Inicialmente, em meados dos anos 2000, quando a rede social Orkut ainda engatinhava e era praticamente desconhecida no Brasil, eu mantinha contato com os meus amigos distantes por meio de resenhas enviadas regularmente por e-mail.

A que segue é uma delas, escrita enquanto morava em Brasília e estava todo envolvido com a pesquisa do mestrado, o que explica o interesse pelo tema.



Brasília, 11 de novembro de 2005.

Amigos pesquisadores,

Detesto andar de avião, principalmente em vôos curtos quando inexoravelmente o bólido não alcança altura de cruzeiro, pois logo ali tem que descer. Fui premiado com isto, numa viagem a trabalho de Brasília a Goiânia (20 minutos de puro êxtase às avessas), mas já passei por situações piores (Viracopos x Congonhas é um exemplo disto). Entretanto, como se tem que relaxar quando o desagradável acontece, peguei a revista de bordo da GOL nº. 43 (sim, fui bem apertado de GOL) em sua página 84, onde Luiz Alberto Marinho (especialista em marketing) faz o questionamento que é o assunto desta mensagem (reportagem anexa).

O especialista Marinho faz um "apud" no trecho de uma entrevista publica na revista americana Advertising Age de 8.11.2005 das palavras de Malcolm Gladwell, autor de ``The Tipping Point'' e ``Blink", que segundo interpretação de Marinho, põe em dúvida a eficácia do grupo focal (ou grupo de foco, ou "focus groups") como fonte primária para pesquisas de marketing, citando o trecho da palestra que aborda a escolha de um quadro de forma silenciosa e espontânea que perdura, da outra que é feita quando se tem que justificar a escolha que é descartada com o tempo. Concluindo nas palavras de Marinho: "muitas vezes o consumidor está apenas repetindo aquilo que se espera que ele diga".

Quando cheguei a Brasília, olhei para a prateleira onde estão os livro do Malhotra(1) , do Mattar(2) e até do Hair(3) e pensei arremessá-los pela janela do quarto, pois que me valeria estudar os métodos de pesquisa de marketing se não poderia contar com a coleta de dados primários que o grupo focal proporciona.

Não gosto de "apud", então resolvi que deveria ir atrás dessa reportagem publicada na Advertising Age e ler na integra o teor desse discurso que estaria por revolucionar e respingar feito orégano em pizza na boca daqueles que assim como eu leram a revista da GOL e assim
reproduzir: "Focus group acabou! Existem várias pesquisas que provam isto!".

Felizmente não é bem assim. Principalmente porque estamos tratando de outra cultura, outra língua, em que o próprio Malcolm Gladwell adverte que o viés existe justamente porque falta vocabulário que possa exprimir a real percepção quando se é chamado a relatá-la. Ou seja, no exemplo citado pelo Marinho, faltou explicar que a escolha era entre um quadro impressionista e um quadro de gatos.

Para o americano médio, talvez seja mais fácil dizer porque gosta de um angorá peludo do que "Campos de Trigo com Corvos" de Van Gogh.
Agora cá para nós latinos, sinceramente escolher uma foto de um gato é deveras estranho. Sem qualquer pecha de preconceito, gostar de gato e criar gatos esta para o "macho latino" brasileiro que vai a um jogo de beisebol, assim como ir assistir a um "soccer" está para o "macho"
norte americano (onde lá o nosso futebol é popular entre as mulheres).

Quanto a mim, sairia muito satisfeito com quadros de Van Gogh, Monet, Renoir, Degas ou Gauguin do que com uma coleção de felinos caseiros e saberia sim contextualizar muito bem minha escolha. Acredito que independentemente se gostas de gato ou de pinturas impressionistas também saberias explicar tua escolha, senão não teria enviado para ti esta mensagem.

Não gosto de "apuds" e cada vez me convenço que é sempre melhor, por mais "especialista" que seja a fonte do apud, pesquisar e "beber na fonte". Tanto que no momento estou me convencendo a comprar o livro de Malcolm Gladwell, "Blink", ou aceitá-lo como presente do Papai Noel.

Um grande abraço.

João Lago



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