Inicialmente, em meados dos anos 2000, quando a rede social Orkut ainda engatinhava e era praticamente desconhecida no Brasil, eu mantinha contato com os meus amigos distantes por meio de resenhas enviadas regularmente por e-mail.
A que segue é uma delas, escrita enquanto morava em Brasília e estava todo envolvido com a pesquisa do mestrado, o que explica o interesse pelo tema.
Brasília, 11 de novembro de 2005.
Amigos pesquisadores,
Detesto andar de avião, principalmente em
vôos curtos quando inexoravelmente o bólido não alcança altura de cruzeiro,
pois logo ali tem que descer. Fui premiado com isto, numa viagem a trabalho de
Brasília a Goiânia (20 minutos de puro êxtase às avessas), mas já passei por
situações piores (Viracopos x Congonhas é um exemplo disto). Entretanto, como
se tem que relaxar quando o desagradável acontece, peguei a revista de bordo da
GOL nº. 43 (sim, fui bem apertado de GOL) em sua página 84, onde Luiz Alberto
Marinho (especialista em marketing) faz o questionamento que é o assunto desta
mensagem (reportagem anexa).
O especialista Marinho faz um
"apud" no trecho de uma entrevista publica na revista americana
Advertising Age de 8.11.2005 das palavras de Malcolm Gladwell, autor de ``The
Tipping Point'' e ``Blink", que segundo interpretação de Marinho, põe em
dúvida a eficácia do grupo focal (ou grupo de foco, ou "focus
groups") como fonte primária para pesquisas de marketing, citando o trecho
da palestra que aborda a escolha de um quadro de forma silenciosa e espontânea
que perdura, da outra que é feita quando se tem que justificar a escolha que é
descartada com o tempo. Concluindo nas palavras de Marinho: "muitas vezes
o consumidor está apenas repetindo aquilo que se espera que ele diga".
Quando cheguei a Brasília, olhei para a
prateleira onde estão os livro do Malhotra(1) , do Mattar(2) e até do Hair(3) e
pensei arremessá-los pela janela do quarto, pois que me valeria estudar os
métodos de pesquisa de marketing se não poderia contar com a coleta de dados
primários que o grupo focal proporciona.
Não gosto de "apud", então
resolvi que deveria ir atrás dessa reportagem publicada na Advertising Age e
ler na integra o teor desse discurso que estaria por revolucionar e respingar
feito orégano em pizza na boca daqueles que assim como eu leram a revista da
GOL e assim
reproduzir: "Focus group acabou!
Existem várias pesquisas que provam isto!".
Felizmente não é bem assim. Principalmente
porque estamos tratando de outra cultura, outra língua, em que o próprio
Malcolm Gladwell adverte que o viés existe justamente porque falta vocabulário
que possa exprimir a real percepção quando se é chamado a relatá-la. Ou seja,
no exemplo citado pelo Marinho, faltou explicar que a escolha era entre um
quadro impressionista e um quadro de gatos.
Para o americano médio, talvez seja mais
fácil dizer porque gosta de um angorá peludo do que "Campos de Trigo com
Corvos" de Van Gogh.
Agora cá para nós latinos, sinceramente
escolher uma foto de um gato é deveras estranho. Sem qualquer pecha de
preconceito, gostar de gato e criar gatos esta para o "macho latino"
brasileiro que vai a um jogo de beisebol, assim como ir assistir a um "soccer"
está para o "macho"
norte americano (onde lá o nosso futebol é
popular entre as mulheres).
Quanto a mim, sairia muito satisfeito com
quadros de Van Gogh, Monet, Renoir, Degas ou Gauguin do que com uma coleção de
felinos caseiros e saberia sim contextualizar muito bem minha escolha. Acredito
que independentemente se gostas de gato ou de pinturas impressionistas também
saberias explicar tua escolha, senão não teria enviado para ti esta mensagem.
Não gosto de "apuds" e cada vez
me convenço que é sempre melhor, por mais "especialista" que seja a
fonte do apud, pesquisar e "beber na fonte". Tanto que no momento
estou me convencendo a comprar o livro de Malcolm Gladwell, "Blink",
ou aceitá-lo como presente do Papai Noel.
Um grande abraço.
João Lago
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