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domingo, 10 de maio de 2015

Mobilidade Urbana e Justiça Social

Nesse último sábado fui convidado por um amigo para participar de um debate na Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa do Amazonas, cujo propósito é discutir, por meio de rodadas de palestras, o futuro de Manaus. Trata-se de um ciclo de debates promovido pelo deputado Luiz Castro e coordenadas pelo advogado Marcelo Ramos (ex-deputado) que foi o terceiro mais votado na última eleição para o governo do Estado do Amazonas. O tema em pauta era mobilidade urbana e abriu o debate a palestra do professor Geraldo Alves de Souza, doutor em engenharia de transportes (UFRJ), e na plenária representantes da sociedade civil organizada e cidadãos interessados no tema.

É importante perceber que algumas de nossas convicções e de nossa visão sobre a cidade de Manaus em seu passado, presente e futuro, são compartilhadas por muitos, pois foram várias as manifestações de consonância em pontos importantes que pretendo sintetizar nesta resenha em três eixos chaves.

O primeiro ponto é que a solução para a mobilidade urbana não virá somente de um único tipo de modal e que é necessário que se privilegie o transporte de massa em detrimento do transporte individual, elitista e egoísta que deve ser desestimulado. Este primeiro eixo tem por base o crescimento desordenado de Manaus, no qual tipos de modais, como é o caso do BRT(1), não poderiam ser implantados sem um elevado custo de desapropriação de áreas, haja vista que Manaus cresceu nos últimos trinta anos sob a égide da invasão de terras e sem qualquer planejamento viário, resultando em ruelas estreitas e de difícil circulação. Ao mesmo tempo, uma profunda campanha de conscientização deve ser feita para que o modelo populista e irresponsável da invasão não se reproduza mais no entorno de Manaus, pois não é possível qualquer planejamento urbano sem que haja repúdio à indústria de invasões e para com aqueles que se servem dela política-financeiramente.

É importante que outras formas de modais, como o VLT(2), o BRS(3) e também o transporte aquaviário de passageiros, para as localidades que se possam introduzir este tipo de modal de transporte, possam ser viabilizados respeitando as características urbanas da cidade. Porém, todos os tipos de meios de transporte de massa citados devem estar interligados e integrados, pois não se pode pensar em modelo de mobilidade urbana sem interdependência entre os modais de transporte. Um ponto importante abordado pelo professor Geraldo Souza, no qual concordo plenamente, é o absurdo que no corredor do BRS os taxis possam transitar, pois fere o dever do Estado em promover a justiça social. Aqueles que podem pagar o taxi privilegiam-se e tal acerto está favorecendo uma minoria abastada que pode se dar ao luxo de deixar o carro em casa e ainda assim seguir de automóvel para os seus destinos mais rapidamente do que aqueles que buscam o transporte coletivo. Podem até argumentar que no Rio de Janeiro é assim, mas seríamos nós obrigados a seguir um arremedo mal feito, errado e injusto da capital carioca?

O segundo tópico é que não se pode pensar em mobilidade urbana sem um planejamento centralizado que pense a cidade como um organismo sistêmico. Portanto, é crucial que se tire do empresário do ônibus o papel de arrecadador da tarifa. Não se trata de simples retórica ideológica contra os capitalistas do transporte, mas devemos olhar os casos exitosos de Curitiba e Bogotá, nos quais o papel de arrecadar foi passado para o controle da prefeitura, seja por meio de uma empresa pública (Curitiba), ou de economia mista (Bogotá). Desta maneira, o empresário passou a ser remunerado pelo quilômetro rodado, pois assim fica mais evidente o papel do dono do coletivo como um simples prestador de serviço, não cabendo ao mesmo o planejamento de quantos ônibus colocar no sistema. Contudo, sistemas de informação amplamente utilizados no rastreamento de veículos devem ser agregados na gestão, controle e informação ao usuário, que a partir de paradas inteligentes, ou por meio de aplicativos no celular, saberia precisamente o tempo de espera até a chegada de seu ônibus. É bom que se diga que isto não é peça de ficção científica, pois a tecnologia de comunicação usada pela telefonia celular forneceria suporte a este tipo de sistema.

Outro ponto favorável para a centralização da arrecadação e gestão do sistema nas mãos da prefeitura é a possibilidade da manutenção de modais de transporte de baixa demanda, até mesmo deficitários, mas extremamente úteis para desafogar outros tipos de transporte. Por exemplo, o serviço de transporte aquaviário poderia ligar a Zona Leste ao Centro de Manaus em menos tempo que as vias tradicionais Altaz Mirim e Cosme Ferreira que ficam congestionadas em horário de pico, desde que os modais ônibus-barca estejam interligados.

Por último, a sociedade deve escolher governantes que não se resumam aos seus projetos de governo e de interesse pessoal, mas que assumam projetos de Estado. Essa diferença pode ser explicada pela briga havida entre prefeitura e governo do estado, enquanto Amazonino Mendes e Eduardo Braga ocupavam a cadeira do executivo municipal e estadual respectivamente, pois ambos lutavam para impor seus projetos de governo face aos milhões prometidos pelo governo federal para projetos de modalidade urbana para a Copa do Mundo de 2014. Um desejava o BRT e o outro o caro e limitado monotrilho, mas ambos os projetos não estavam interligados entre si, tão pouco com o ônibus comum, ou seja, não havia planejamento unificado que pensasse mobilidade urbana como processo sistêmico para a cidade de Manaus. Porém, muito antes disso, o projeto Expresso iniciado em 2000 com o prefeito Alfredo Nascimento (ex-aliado de Amazonino e Braga) naufragou e foi abandonado por completo pelos governos que o sucedeu. Neste aspecto, contrariando essa tendência, Athur Virgílio Neto em 2014 deu o exemplo ao recuperar o que restou do Expresso para o BRS, e mesmo que passível de críticas, ainda assim é uma alternativa concreta que deve ser aprimorada por quem vier a assumir a prefeitura de Manaus em 2016. Porém, não vejo ventos favoráveis a este espírito republicano, pois a partir das críticas que leio de opositores de Arthur Neto, tanto para o projeto BRS quanto para as ciclovias, são uma demonstração que ainda está em vigor simplesmente a luta do poder, pelo poder e que se dane a população de Manaus.

As iniciativas promovidas para o debate sobre o futuro de Manaus, como essa que participei nesse último sábado, além de bem vindas, são como uma luz no fim do túnel e uma porta aberta para uma Manaus mais humana, democrática e de espírito republicano. Cabe a nós identificarmos quem poderá abrir essa porta e, após transpassá-la, definitivamente fechá-la para os promotores do atraso e arautos da mesmice de trinta anos de equívocos.

João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.

Notas:
((1)    BRT - Bus Rapid Transit, transporte realizado por ônibus articulados em corredores exclusivos.
((2)    VLT - Veículo leve sobre trilhos, tipo bonde articulado e de baixa velocidade para circular em áreas urbanas consolidadas, como o centro da cidade de Manaus.
((3)    BRS - Bus Rapid Service, no qual circulam ônibus em faixas determinadas, assim como ocorre no modelo que está sendo implantado em Manaus (av. Constantino Nery).

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