Nesse último sábado fui convidado
por um amigo para participar de um debate na Escola do Legislativo da
Assembleia Legislativa do Amazonas, cujo propósito é discutir, por meio de rodadas
de palestras, o futuro de Manaus. Trata-se de um ciclo de debates promovido pelo
deputado Luiz Castro e coordenadas pelo advogado Marcelo Ramos (ex-deputado)
que foi o terceiro mais votado na última eleição para o governo do Estado do
Amazonas. O tema em pauta era mobilidade urbana e abriu o debate a palestra do
professor Geraldo Alves de Souza, doutor em engenharia de transportes (UFRJ), e
na plenária representantes da sociedade civil organizada e cidadãos
interessados no tema.
É importante perceber que algumas
de nossas convicções e de nossa visão sobre a cidade de Manaus em seu passado,
presente e futuro, são compartilhadas por muitos, pois foram várias as
manifestações de consonância em pontos importantes que pretendo sintetizar nesta
resenha em três eixos chaves.
O primeiro ponto é que a solução
para a mobilidade urbana não virá somente de um único tipo de modal e que é
necessário que se privilegie o transporte de massa em detrimento do transporte
individual, elitista e egoísta que deve ser desestimulado. Este primeiro eixo
tem por base o crescimento desordenado de Manaus, no qual tipos de modais, como
é o caso do BRT(1), não poderiam ser implantados sem um elevado custo de
desapropriação de áreas, haja vista que Manaus cresceu nos últimos trinta anos sob
a égide da invasão de terras e sem qualquer planejamento viário, resultando em
ruelas estreitas e de difícil circulação. Ao mesmo tempo, uma profunda campanha
de conscientização deve ser feita para que o modelo populista e irresponsável
da invasão não se reproduza mais no entorno de Manaus, pois não é possível
qualquer planejamento urbano sem que haja repúdio à indústria de invasões e para
com aqueles que se servem dela política-financeiramente.
É importante que outras formas de
modais, como o VLT(2), o BRS(3) e também o transporte aquaviário de passageiros,
para as localidades que se possam introduzir este tipo de modal de transporte,
possam ser viabilizados respeitando as características urbanas da cidade. Porém,
todos os tipos de meios de transporte de massa citados devem estar interligados
e integrados, pois não se pode pensar em modelo de mobilidade urbana sem
interdependência entre os modais de transporte. Um ponto importante abordado
pelo professor Geraldo Souza, no qual concordo plenamente, é o absurdo que no corredor
do BRS os taxis possam transitar, pois fere o dever do Estado em promover a
justiça social. Aqueles que podem pagar o taxi privilegiam-se e tal acerto está
favorecendo uma minoria abastada que pode se dar ao luxo de deixar o carro em
casa e ainda assim seguir de automóvel para os seus destinos mais rapidamente do
que aqueles que buscam o transporte coletivo. Podem até argumentar que no Rio
de Janeiro é assim, mas seríamos nós obrigados a seguir um arremedo mal feito, errado
e injusto da capital carioca?
O segundo tópico é que não se
pode pensar em mobilidade urbana sem um planejamento centralizado que pense a
cidade como um organismo sistêmico. Portanto, é crucial que se tire do
empresário do ônibus o papel de arrecadador da tarifa. Não se trata de simples
retórica ideológica contra os capitalistas do transporte, mas devemos olhar os
casos exitosos de Curitiba e Bogotá, nos quais o papel de arrecadar foi passado
para o controle da prefeitura, seja por meio de uma empresa pública (Curitiba),
ou de economia mista (Bogotá). Desta maneira, o empresário passou a ser
remunerado pelo quilômetro rodado, pois assim fica mais evidente o papel do dono
do coletivo como um simples prestador de serviço, não cabendo ao mesmo o
planejamento de quantos ônibus colocar no sistema. Contudo, sistemas de
informação amplamente utilizados no rastreamento de veículos devem ser agregados
na gestão, controle e informação ao usuário, que a partir de paradas
inteligentes, ou por meio de aplicativos no celular, saberia precisamente o
tempo de espera até a chegada de seu ônibus. É bom que se diga que isto não é
peça de ficção científica, pois a tecnologia de comunicação usada pela
telefonia celular forneceria suporte a este tipo de sistema.
Outro ponto favorável para a
centralização da arrecadação e gestão do sistema nas mãos da prefeitura é a
possibilidade da manutenção de modais de transporte de baixa demanda, até mesmo
deficitários, mas extremamente úteis para desafogar outros tipos de transporte.
Por exemplo, o serviço de transporte aquaviário poderia ligar a Zona Leste ao
Centro de Manaus em menos tempo que as vias tradicionais Altaz Mirim e Cosme
Ferreira que ficam congestionadas em horário de pico, desde que os modais
ônibus-barca estejam interligados.
Por último, a sociedade deve
escolher governantes que não se resumam aos seus projetos de governo e de
interesse pessoal, mas que assumam projetos de Estado. Essa diferença pode ser
explicada pela briga havida entre prefeitura e governo do estado, enquanto
Amazonino Mendes e Eduardo Braga ocupavam a cadeira do executivo municipal e
estadual respectivamente, pois ambos lutavam para impor seus projetos de
governo face aos milhões prometidos pelo governo federal para projetos de
modalidade urbana para a Copa do Mundo de 2014. Um desejava o BRT e o outro o
caro e limitado monotrilho, mas ambos os projetos não estavam interligados
entre si, tão pouco com o ônibus comum, ou seja, não havia planejamento
unificado que pensasse mobilidade urbana como processo sistêmico para a cidade
de Manaus. Porém, muito antes disso, o projeto Expresso iniciado em 2000 com o
prefeito Alfredo Nascimento (ex-aliado de Amazonino e Braga) naufragou e foi
abandonado por completo pelos governos que o sucedeu. Neste aspecto, contrariando
essa tendência, Athur Virgílio Neto em 2014 deu o exemplo ao recuperar o que
restou do Expresso para o BRS, e mesmo que passível de críticas, ainda assim é
uma alternativa concreta que deve ser aprimorada por quem vier a assumir a
prefeitura de Manaus em 2016. Porém, não vejo ventos favoráveis a este espírito
republicano, pois a partir das críticas que leio de opositores de Arthur Neto, tanto
para o projeto BRS quanto para as ciclovias, são uma demonstração que ainda está
em vigor simplesmente a luta do poder, pelo poder e que se dane a população de
Manaus.
As iniciativas promovidas para o
debate sobre o futuro de Manaus, como essa que participei nesse último sábado, além
de bem vindas, são como uma luz no fim do túnel e uma porta aberta para uma
Manaus mais humana, democrática e de espírito republicano. Cabe a nós
identificarmos quem poderá abrir essa porta e, após transpassá-la,
definitivamente fechá-la para os promotores do atraso e arautos da mesmice de
trinta anos de equívocos.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.
Notas:
((1) BRT
- Bus Rapid Transit, transporte realizado por ônibus articulados em corredores
exclusivos.
((2) VLT
- Veículo leve sobre trilhos, tipo bonde articulado e de baixa velocidade para
circular em áreas urbanas consolidadas, como o centro da cidade de Manaus.
((3) BRS
- Bus Rapid Service, no qual circulam ônibus em faixas determinadas, assim como
ocorre no modelo que está sendo implantado em Manaus (av. Constantino Nery).
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