Acabou o segundo turno das eleições e ainda perduram as
discussões acaloradas, principalmente sobre a vitória apertada de Dilma e a
distribuição dos votos entre o Sul, Sudeste, Centro Oeste para Aécio e entre o
Norte e Nordeste para Dilma. No entanto, justiça seja feita, se Minas Gerais e
o Rio de Janeiro decidiram ser os fieis da balança para Dilma, o Acre, Rondônia
e Roraima aparecem como os estados do Norte que destoam do restante dando a
maioria dos votos para o PSDB.
Várias são as explicações e versões para esta divisão, mas as
que mais eu ouço são duas: 1ª. A comparação que se faz com os votos recebidos
por Dilma nas localidades mais assistidas pelo Programa Bolsa Família e; 2ª. A
comparação que se faz com o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH e os votos
recebidos por Aécio. Uma análise açodada diria que o Brasil famélico, assistido
majoritariamente pelo Programa Bolsa Família e com os menores indicadores de
IDH votaram no PT, enquanto que o Brasil produtivo e com os melhores
indicadores de IDH votaram em Aécio. Assim, cresce a ideia que os programas
sociais “compraram os votos dos famélicos incultos” e até já escutei defesas
apaixonadas que aqueles que recebem Bolsa Família deveriam ser impedidos de
votar.
Desde o Império até promulgação da Emenda Constitucional nº
25, de 15 de maio de 1985, só podiam votar os que soubessem ler e escrever, mas
quem não se lembra da polêmica do deputado Tiririca que teve que passar o
vexame de provar que não era analfabeto, submetendo-se a um teste no judiciário
para não ter o diploma caçado. Assim, apesar da Constituição de 1988 ter
ratificado o direito do analfabeto votar, ainda está restrito aos alfabetizados
o direito a candidatar-se a um cargo eletivo. Tiririca passou raspando, tanto
que o ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto no processo movido contra o
deputado no Superior Tribunal Federal – STF declarou que Tiririca tem
"dificuldades típicas" da maioria da população do Brasil ao negar
provimento a ação movida pelo Ministério Público Eleitoral. Ou seja, pela
análise do discurso de Lewandowski, apesar da maioria da população brasileira ser
majoritariamente de baixa educação, ainda assim não deveria ser negado a ela o
direito de eleger-se deputado, senador, prefeito, governador e presidente da
república.
O IDH é um índice criado em 1993 pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e analisa três dimensões básicas do
desenvolvimento humano no mundo: renda, saúde e educação. Nesta eleição chamou
atenção o mapa do IDH brasileiro ser muito parecido com a distribuição de votos
de Dilma e do Bolsa Família, asseverando a ideia da divisão dos votos no Brasil
entre pobres mal instruídos e ricos bem educados. No entanto, a simples análise
do resultado majoritário dos votos em cada estado não reflete a realidade de
uma divisão, pois quando se analisa a distribuição de frequência por região,
não se pode ignorar que o PT também recebeu votos nas regiões nas quais o PSDB
foi mais votado e vice-versa. Faça a seguinte reflexão: Quantos conhecidos que
votaram de maneira diferente a sua não se enquadram dentro dos critérios do IDH
e como beneficiários do Bolsa Família? Pois é, foram justamente esses que
influíram no resultado das urnas.
Na semana passada, em uma discussão entre professores
universitários, ouvi a seguinte pérola: “Professor que recebe bolsa do Programa
Ciências sem Fronteiras não pode reclamar daqueles que recebem dinheiro do
Programa Bolsa Família”. Na hora eu torci o nariz, mas estava tão envolvido na
confecção de uma apresentação de um curso que iria ministrar que não quis entrar
na discussão. É óbvio que a comparação é esdrúxula no que se refere aos
resultados que factualmente um e outro programa entregará a sociedade. O
Programa Ciências sem Fronteiras fomenta a produção de conhecimento em áreas
estratégicas para o país e é concedido de forma transitória, com data de início
e término para o benefício e com critérios específicos de concessão, havendo
ainda a contrapartida da entrega de um trabalho científico. Ora, se o critério
de concessão do Bolsa Família tivesse ao menos a contrapartida da comprovação
da matrícula das crianças das famílias nas escolas, poderíamos acreditar na
possibilidade de uma ação social transformadora, no que se refere ao resgate educacional
das gerações futuras para a não reprodução da realidade sociocultural dos pais.
Absolutamente não existe nenhuma contrapartida, o que justificam as críticas
que o Bolsa Família seja um programa que simplesmente visa manter um
clientelismo político.
Não foram os votos dos beneficiários do Bolsa Família que
decidiram esta eleição, pois há quatro anos, quando o programa já existia, foram
12 milhões de votos que decidiram a favor do PT e neste pleito a diferença diminuiu
para 3,4 milhões. Nesses quatro anos, apesar da base de eleitores ter aumentado
em 5,17%, o percentual de abstenções permaneceu estacionado na casa de 21%
(aproximadamente 30 milhões de eleitores) e o percentual de votos brancos e
nulos não aumentou significativamente. Portanto, o que decidiu esta eleição
foram as pessoas de bem que não foram convencidas que Aécio e o PSDB é menos
pior que Dilma e o PT.
A oposição ao governo Dilma falhou em sua comunicação com os
indecisos, pois avaliações equivocadas, como a que citei na discussão entre
professores, não foram desconstruídas e elucidadas. Por outro lado, algumas
pessoas de bem ainda continuam seduzidas pelo PT romântico e de discurso probo
da década de 80. Faltou-lhes também discernimento para entender que o tempo
passou, o PT já não está mais na oposição há doze anos e que a conduta
antiética do partido não é conversa de “mídia golpista e conservadora”. Esses
são mais difíceis de arrancar as vendas que lhes cegam.
Finalizando, deixo a seguinte metáfora: Quando uma criança
leva para casa algo que não lhe pertence, pais ciosos com a educação moral
dessa criança a repreendem, algumas vezes a castigam e a fazem devolver aquilo
que não é seu. Não vejo pais de conduta ilibada envolvidos neste drama festejar
e presentear seus filhos. Pois bem, foi justamente isto que esses três milhões
de brasileiros fizeram, pois ao invés de educar o PT, agiram que nem descrito
na música de Chico Buarque (que por sinal apoiou Dilma) quando a mãe festeja o
filho bandido: “Olha aí! Ai o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri!”.
João Lago.
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