Certo
dia, caminhando pela praça congresso, no centro de Manaus, encontrei um grupo
de vira-latas e um dos mais novos da matilha passou a seguir-me. Não entendo
muito da psicologia canina, mas acredito que tal comportamento é motivado pela
busca de segurança, pois é verdade que esse comensalismo entre cães e humanos
remonta do período paleolítico, sendo natural um cão nascido vadio e abandonado
procurar um dono.
Na
próxima quarta-feira (30.4), o Nacional receberá o Corinthians pela Copa do
Brasil e o jogo acontecerá no estádio da Copa do Mundo em Manaus, sendo este o
quarto teste e o segundo com a utilização da capacidade máxima do estádio.
Porém, esse jogo de quarta terá um significado especial, pois será o primeiro
que verdadeiramente mostrará como se divide a torcida dos nascidos no Amazonas.
Diferentemente do jogo inaugural entre Nacional e Remo, bem como do embate
regional entre Fast Clube e Princesa do Solimões (pelo campeonato amazonense) e
do jogo caça-níquel entre Vasco e Rezende, o jogo contra o Corinthians levará
ao estádio amazonenses que irão torcer contra o Nacional. Trata-se de um
fenômeno sociológico que merece uma reflexão profunda e racional.
Já tive
oportunidade de presenciar, em outros estádios do Brasil, torcedores do time
rival caseiro (os mais fanáticos) juntarem forças com o time visitante na
tentativa de obstaculizar o sucesso do adversário. No entanto, não é isto que
acredito que esteja motivando a expectativa de casa cheia, quando provavelmente
a torcida para o time paulista poderá ser até maior que a do time local. Se
realmente isto acontecer, apenas ratificaremos a apatia do futebol regional,
não somente pela falta de incentivo de políticas públicas, mas porque o público
local, tal qual um cachorrinho nascido sem dono, abana o rabo e segue para o
primeiro time que possa chamar de seu.
Não sou
um profundo conhecedor de futebol, assim conheço bem minhas limitações. No
entanto, precisamos tentar descobrir como uma cidade de pouco mais de 200 mil
habitantes pode abrigar um clube que forma um time capaz de vencer as grandes
equipes paulistas e conquistar o campeonato estadual. Trata-se do Ituano, uma
agremiação fundada em 1947, que possui um estádio com capacidade para 19 mil
torcedores, e que hoje acumula duas taças de campeão paulista. Se hoje o Ituano
foi a sensação da primeira temporada do futebol brasileiro, outros pequenos já
estiveram nos píncaros da glória.
O
Juventude, um time da serra gaúcha e estabelecido em uma cidade com menos de
500 mil habitantes, conquistou a Copa Brasil de 1999 e disputou a Copa
Libertadores das Américas no ano seguinte. No currículo, o Juventude foi
campeão da Série B do brasileirão em 1994, estando na elite do futebol em 1995.
Durante os anos de glória do Juventude, compreendido entre 1993 e 2004, o clube
foi reconhecido como possuindo umas das melhores categorias de base do Brasil,
nas quais os craques são descobertos.
Ter categorias
de base, ou seja, ter as portas abertas para propiciar que adolescentes possam
despontar talento, é a forma mais barata para construir um elenco competitivo e
vencedor. Porém, nos causa espécie saber que as categorias de base de alguns
clubes de Manaus foram tomadas por pedófilos, conforme denúncias do ex-jogador
Antônio Piola que agora são investigadas pela CPI da pedofilia, pelo Ministério
Público do Trabalho e pela polícia civil. Homossexuais, na condição de
técnicos, aliciavam adolescentes trocando sexo por uma oportunidade de jogar no
time principal. Assim, não é somente o futebol do Amazonas que perde, mas toda
a sociedade, porque se ensina aos jovens que nada se ganha por mérito pessoal,
pois tudo se faz na base do “toma lá dá cá”, mesmo que seja trocar sua própria
dignidade pela submissão aos caprichos de um opressor sexual.
Manaus,
uma cidade de 2 milhões de habitantes, são vários os campos de grama sintética
espalhados pela cidade que não tem filiação a nenhum clube e já tive
oportunidade de constatar que existe forte demanda de crianças e
adolescentes (filhos de classe média) que ocupam esses espaços. A diferença é
que um pai quando coloca seu filho para jogar nesses campos, não tem a
pretensão de transformar seu guri em um craque, mas deseja tão somente
proporcionar uma atividade física e de lazer para a criança. É possível que se
crie grandes talentos, mas que passam as escuras aos olhos de um técnico
profissional de verdade, pois nenhum pai cuidadoso se atreveria a deixar seu
filho nas mãos de um pedófilo para que lhe corrompa o espírito e viole o seu
corpo.
Nessa
quarta vou com a esperança que o Nacional faça uma grande partida contra o
Corinthians, torcendo fervorosamente pelo futebol do Amazonas, pois acho que já
está na hora de sermos lúcidos e ir para um estádio milionário não para abanar
o rabo para um time de fora, mas pedir dias melhores para o futebol amazonense,
mesmo sendo rionegrino.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont