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segunda-feira, 24 de junho de 2013

Protestos contra tarifa de ônibus: O Inverno Brasileiro?

A imprensa mundial chamou de Primavera Árabe as manifestações que ocorreram (ou que ocorrem) nos países do Oriente Médio, contra os governos ditatoriais estabelecidos, como aquele que levou à guerra civil a Síria, de Bashar al Assad, cujo destino do conflito ainda é incerto. Mais recentemente, a Turquia, que é um país situado na fronteira da Europa com a Ásia, também enfrenta reiteradas manifestações contra o governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, no poder desde 2002.

O estopim do conflito na Turquia foi a retirada de árvores no parque Gezi, na praça Taksim, em Istambul, a pretexto de realizar-se uma reforma urbanística no local. No entanto, ao meu juízo, às árvores de Taksim representam o símbolo do distanciamento dos valores que defende Recep Erdogan daqueles que são defendidos pela maioria da população turca. O governo do Partido da Justiça e do Desenvolvimento – AKP, ao qual Erdogan representa, é acusado de tentar impor valores islâmicos à população, contrariando a constituição federal turca que define um Estado laico.

Assim, essas manifestações também representam o medo que a população turca tem de um governo fundamentalista islâmico que busque implantar a sharia, a lei dos costumes religiosos muçulmanos. Em terras brasileiras, a polêmica é justamente o contrário, o governo apoiando um laicismo pró-aborto e casamento gay que agride a cultura cristã e os valores tradicionais da família, mas que não tiveram força suficiente para unir a opinião pública em manifestações contrárias em todo o País.

No Brasil, acredito que as manifestações em várias capitais contra o aumento da tarifa dos ônibus não se encerra somente nesta causa. Evidentemente, o precário sistema de transporte público no Brasil é um dos símbolos da ineficiência do Estado em promover serviços de qualidade à população. Os serviços de saúde também são péssimos, assim como os da educação, mas estes somente afetam indivíduos em etapas de vida distintas, ou seja, quando doentes, ou enquanto estudantes. Já o serviço de transporte público é presente, indistintamente, no dia a dia das pessoas para ir à escola, ao hospital, ao trabalho, ao lazer etc.

A insatisfação da população contra um governo não se assevera a partir de uma única causa, mas a partir de uma ruptura sistêmica da confiança que um governo detém face aos anseios da sociedade na condução de soluções dos seus problemas mais emergentes. A ascensão dos regimes totalitários na Europa, pós I Guerra Mundial, obteve o amplo apoio da população devido ao governo instituído demonstrar ser incapaz de vencer o desemprego e a hiperinflação.

Em 1.923 era possível trocar 1 dólar por 8 bilhões de marcos (moeda alemã na época). Por outro lado, a burguesia também temia que o comunismo pudesse chegar ao poder na Alemanha e via no nazismo um meio de solução política para o problema. O restante da história nós conhecemos: a ascensão e queda do nazismo pela derrota de Hitler na II Guerra Mundial.

Na América Latina, onde recentemente governos de orientação socialista chegaram ao poder, o exemplo mais emblemático da divisão de um país em grupos antagônicos é o que ocorreu nas ultimas eleições venezuelanas. Ainda que mal tenha esfriado na cova o corpo de Hugo Chaves, grande líder da revolução socialista bolivariana, a apuração das urnas não deu o aval político que necessitava Nicolás Maduro, sucessor político indicado pelo próprio Chaves. Nicolás Maduro recebeu 50,66% dos votos, enquanto o seu oponente, Henrique Caprilas, 49,07%.

Apesar de Hugo Chaves ter reduzido a pobreza na Venezuela, a revolução bolivariana não conseguiu deter a inflação de 20%, em 2012, e estimular a produção e o emprego no país. A Venezuela é um país rico em petróleo, sua principal fonte de divisas no que exporta, mas o preço do barril do ouro negro está estancado em 100 dólares e não produz riqueza suficiente para cobrir o déficit público de 15% do PIB. O resultado das urnas na Venezuela também pode ser traduzido como a desconfiança que a população tem no socialismo bolivariano, em resolver a inflação e o desemprego.

No Brasil, os programas de farta distribuição dos mais variados tipos de bolsas são o principal trunfo político do governo do PT que, assim como na Venezuela, inicialmente reduziram a miséria de grande parcela da população. No entanto, “nunca antes na história deste país” o aparato estatal foi tão grande como este conduzido por Dilma Roussef. São 39 pastas de governo, entre ministérios e secretarias com status de ministério, sendo a última criada a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, que dará guarida a Guilherme Afif Domingues (PSD), que também ocupa o cargo de vice-governador de São Paulo.

Assim, o PT de Dilma Roussef segue distribuindo bolsas e cargos públicos para manter a sustentação política de seu governo. O problema que a máquina pública custa aproximadamente R$ 58 bilhões ao ano, praticamente mais que o dobro do que consome o orçamento anual do bolsa família, que é de R$ 25 bilhões. Desta forma, com tanta conta para pagar, o Brasil com um crescimento pífio do PIB, em comparação com outros países emergentes, ou mesmo vizinhos sul-americanos, vê-se agora frente ao fantasma da volta da inflação. O aumento das tarifas de transporte público em todo o país é apenas um reflexo desta inflação. Não vou entrar no mérito de descrever como é péssimo o transporte público em minha cidade, pois mesmo que fosse de graça, ainda assim seria caro demais, pelo alto custo psicológico que gera por ser indigno.

O inverno brasileiro não é só pelo aumento das passagens, mas principalmente pela insatisfação da classe média, que se tornou uma pária no governo Dilma, pelo ataque as suas finanças e aos seus valores tradicionais de família. Aquele que trabalha assalariado e paga Imposto de Renda na fonte deve ter percebido como mingou o imposto a restituir, mesmo lançando os gastos com educação, plano de saúde e dependentes.

Falando em causa própria, faz dois anos que deixei de restituir e passei a pagar Imposto de Renda, mas não aumentei meu padrão de vida, pelo contrário, não aumentei minha renda anual e cada vez vivo mais modestamente com o salário que recebo. A explicação para isto é simples: enquanto em 16 anos a tabela do Imposto de Renda foi atualizada em 73,95%, no mesmo período o IPCA/IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 189,54%, segundo um estudo do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco). Assim, nossos salários perderam para a inflação, mas ainda assim pagamos mais impostos, aumentando a arrecadação do governo.

Outro duro golpe na família de classe média foi a introdução das políticas de cotas para a universidade pública (64% das vagas), considerando que todo o investimento e esforço financeiro que famílias fazem em educação privada com os seus filhos não significa mais uma vaga por mérito no ensino superior público. O filho da classe média será empurrado para a faculdade privada, prolongando o sacrifício de famílias com a educação de seus filhos. Agora, para completar a maldade, a ampliação dos direitos trabalhistas para as empregadas domésticas afetou diretamente o orçamento das famílias, que, na impossibilidade de arcarem com o aumento dos custos trabalhistas, optaram por demitir a secretária do lar.

Ora, a família mudou e hoje não é mais regra a mulher em casa cuidando dos afazeres domésticos, dos filhos e o marido no escritório. Modernamente há a dependência da renda do trabalho feminino, principalmente nas famílias de classe média. Assim, mesmo que possa parecer justiça social ampliar os direitos das empregadas domésticas, o governo não proveu antes os benefícios sociais em saúde, educação, transporte que justifique um afrouxo nos gastos que a classe média mantém nesses serviços. Não sobrou dinheiro para pagar o salário da empregada doméstica.

Fernando Henrique Cardoso foi duramente criticado quando, em 2011, sugeriu que a oposição esquecesse o “povão”, dito por ele, já cooptado pelos programas de distribuição de renda do PT e mirassem na classe média. Os críticos subestimaram a análise política de FHC, que talvez hoje faça um “mea culpa” por ter negligenciado o povão durante os oitos anos de seu governo e ter deixado um vasto campo aberto para que o PT o cooptasse. No entanto, o seu legado de estabilização econômica, que colocou a inflação brasileira em patamares civilizados, está ameaçado pela incompetência do governo do PT em conter o aumento do déficit público e incentivar a produção e o emprego.

Em nosso inverno brasileiro, os ditos “baderneiros”, que hoje vão as ruas protestar contra o aumento da tarifa de transporte público, tem o amplo apoio da opinião pública. Neste ponto, a classe média e o povão estão juntos nessa luta, cabendo à oposição ter a inteligência necessária para apontar o real motivo de existirem essas manifestações.

João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont

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