A Assembleia Nacional
Francesa, que se assemelha à Câmara dos Deputados em Brasília, em
12 de fevereiro, aprovou o projeto de lei que estabelece na França o
casamento gay, mas ainda terá que ser analisado pelo senado francês
para figurar no ordenamento jurídico daquele país, previsto para
ser feito a partir de 2 de abril próximo.
No entanto, cinco meses
atrás, em importantes cidades da França, milhares de ativistas
foram às ruas em manifestações contra o casamento gay. O mais
interessante nisto tudo é que importantes personalidades
homossexuais francesas, como o prefeito de Chasselas, Jean Marc
Veyron la Croix, o produtor de documentários Jean-Pier
Delaume-Myard, o militante gay Xavier Bongibault, dentre outros,
apoiam essas manifestações por serem contrárias ao casamento de
pessoas do mesmo sexo, havendo consenso que o termo “casamento”
remete a formação de família, neste caso fazendo a importante
ressalva para a presença de crianças na relação que não combina
como o estilo de vida homossexual. Para validar este pensamento, o
produtor Jean-Pier, em entrevista a revista Le Nouvel Observateur1,
afirma que se considera uma pessoa séria em seus relacionamentos e
que teve vários companheiros durante sua vida. Assim, se aos vinte e
cinco anos ele tivesse adotado uma criança, como hoje ele tem 50
anos, seu filho teria convivido com uma dezena de padastros.
Jean-Pier salienta que é muito pouco provável que uma mulher possa
ter comportamento semelhante, afirmando que no máximo ela teria três
parceiros estáveis. Neste ponto, Jean-Pier demonstra extrema
lucidez, pois de maneira geral, na separação de um casal os filhos
via de regra coabitam com a mulher. Portanto, poeticamente alguns
afirmam que uma criança adotada por dois homens teriam dois “pais”,
mas no caso de uma separação, qual deles assumiria o papel de mãe?
Assim, pela regra exposta por Jean-Pier, quem assumiria comportamento
comedido em relação a quantidade de parceiros? Será que essa
exposição à dezenas de relacionamentos paternos não seria
prejudicial a sanidade emocional e psicológica dessa criança?
Jean-Pier, sendo homossexual, não acredita que tudo se possa
resolver na poesia e portanto se opõem ao casamento gay na França.
Dentre outros
argumentos de homossexuais franceses contrários ao casamento gay, há
o do professor de espanhol Philippe Arino2 que considera a
lei do casamento gay homofóbica, porque um casal homossexual pode
imitar um par heterossexual, mas é incapaz de imitar um homem, uma
mulher e seu filho, por ser impossível o casal homossexual procriar.
Philippe diz que a lei não considera o homossexual em sua
especificidade, em sua identidade. No entanto, para melhor
compreender o pensamento de Philippe, vale a pena ressaltar o que diz
o prefeito homossexual Jean-Marc3: “Eu penso que não
podemos colocar em um mesmo plano a homossexualidade e a
heterossexualidade (…) Eu tenho a convicção que o ideal para uma
criança é ser criada dentro de uma família composta por um pai e
uma mãe”. Assim, ao meu juízo, ambos concordam que não será por
meio de um lei que as questões que envolvem a especificidade sexual
do indivíduo serão resolvidas pela sociedade, pois da forma
proposta apenas acentuam ainda mais a discriminação, porque não
será por meio de uma lei que se fará dois homossexuais procriarem.
Jean-Marc diz “que a lei deveria reconhecer o que há de bom e
desejável, e não encorajar as práticas minoritárias. A lei deve
proteger o mais fraco, neste caso a criança”. Já Xavier
Bongibault4, diz que não precisa colocar avante de seu
nome a alcunha “homossexual” para expressar sua opinião
contrária ao casamento gay, mas que isto foi necessário para que
ele pudesse ser ouvido. Diz Xavier que considera profundamente
homofóbico achar que os homossexuais pensam em função de sua
orientação sexual e, por causa de seu pensamento contrário, sofre
com ameaças de morte e agressão. Segundo Xavier existem 360
homossexuais, de todas as idades, que se juntam ao grupo “Plus
Gay Sans Mariage” (mais gay sem casamento, em livre tradução),
portanto não se trata de uma voz isolada. Militantes como Xavier
afirmam que apenas uma minoria gay na França é a favor do casamento
gay, sendo que a maioria “se moquent éperdument”, que
traduzo aqui como “não está nem aí”. Outros dizem que o
movimento LGBT não os representam, mesmo porque nem mesmo gostam de
ser chamados de gays. Dizem-se homossexuais e que não precisam
empunhar bandeiras para serem reconhecidos na sociedade como cidadãos
plenamente capazes de exercer seus direitos.
De uma maneira geral a
esquerda heterossexual francesa segue uma tendência a assumir a
relatividade dos relacionamentos afetivos como uma forma de garantir
igualdades de direitos e, com isto, ganhar votos do eleitor.
Pesquisas de opinião demonstram que os franceses são a favor da
união de casais do mesmo sexo, mas são contrários a adoção de
crianças por homossexuais cujas razões acredito que foram bem
expostas aqui.
Sempre fui a favor da
liberdade individual, de um homem (ou mulher), por seu livre arbítrio
decidir o que melhor convém para sua vida, na escolha de seu modo de
vida, sua religião, sua ideologia política, seus amores. No
entanto, tenho convicção que nossas escolhas, por mais livres que
sejam, devem sempre buscar mitigar o sofrimento alheio e, muitas
vezes, quando o mal já está feito, as cicatrizes restam como
sequelas. Para ilustrar isto, vou contar uma experiência própria.
Manifestação contra o casamento gay no Champs Elysees em Paris (Foto France Press) |
Em uma fase de minha
vida trabalhei com colegas que deixaram seus filhos e esposas para
trabalhar em outra cidade, mas com o compromisso de retornarem todo o
final de semana. Foram alguns casos de lares desfeitos, ou mesmo do
desajuste no comportamento dos filhos, principalmente pelo uso de
drogas, pois uma importante referência fica ausente, ainda mais
quando a mulher também se ausenta do lar para o trabalho. Vi isto
tudo acontecer e não desejava aquilo para mim. No entanto, alguns
anos mais tarde, abracei uma oportunidade de trabalhar como consultor
em Brasília em uma importante e festejada empresa de consultoria de
atuação nacional. Minha família ficou em Belo Horizonte e, de
repente, vi-me em idêntica situação desses antigos colegas. Nessas
ocasiões a gente pensa: “comigo vai ser diferente, tenho o
controle da situação!”. Passou o tempo e certa vez o meu filho
do meio de oito anos pediu-me que o acompanhasse em um sábado em uma
apresentação de judô na qual ele iria participar, fazendo uma
intensa campanha durante toda a semana para que eu não faltasse. Dei
minha palavra e fui. Quando lá estava, pouco antes dele entrar no
tatâmi, eis que ele me aparece segurando fortemente um colega pelo
quimono, colocando o menino na minha frente e dizendo: “fulano,
quero te apresentar meu pai. Este é o meu pai!”. Como era
inusitada a forma enfática de meu filho, depois do evento perguntei
o que tinha ocorrido, quando ele me disse que durante minhas
ausências, no buscar e deixá-lo na escola, esse colega fazia troça
dizendo que ele não tinha pai, fazendo-o sofrer com a situação.
Naquele momento, por mais que fosse importante para minha carreira
trabalhar como consultor naquela empresa, lembrei-me das
consequências de nossas ações face aos filhos, principalmente
quando crianças, e o trabalho começou a ficar desinteressante. Em
outro momento, nessas minhas reflexões, escrevi: A criança
exerce sua crueldade para com outra criança com inocência, já o
adulto é cruel com outro por sua própria perversidade. Ninguém que
ama, deseja ser cruel com a pessoa amada.
A perversidade pode
existir de várias maneiras, mas a pior é aquela voltada
exclusivamente para o nosso egoísmo, na satisfação de interesses
pessoais, seja material ou psicológico, quando de maneira
contundente pode vir a prejudicar a vida de inocentes. Por isso, sou
a favor da união homossexual, mas o casamento, com sua identidade
biológica de gerar filhos e criá-los, deve continuar restrita a
união entre um homem e uma mulher.
João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont
NOTAS:
- Le Nouvel Observateur, 22 nov 2012, disponível em: http://leplus.nouvelobs.com/contribution/710831-je-suis-homosexuel-pas-gay-cessez-cette-confusion.html
- Entrevista disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=Pl1W9xlc1k4
- L'Actualité des Militants du Front, 10 dez 2012, disponível em: http://fninfos.fr/?tag=jean-marc-veyron-lacroix
- Direct Matin, 13 jan 2013, disponível em: http://www.directmatin.fr/france/2013-01-13/xavier-bongibault-peut-etre-homo-et-contre-le-mariage-gay-332716
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