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domingo, 24 de março de 2013

O Casamento Gay na França


A Assembleia Nacional Francesa, que se assemelha à Câmara dos Deputados em Brasília, em 12 de fevereiro, aprovou o projeto de lei que estabelece na França o casamento gay, mas ainda terá que ser analisado pelo senado francês para figurar no ordenamento jurídico daquele país, previsto para ser feito a partir de 2 de abril próximo.

No entanto, cinco meses atrás, em importantes cidades da França, milhares de ativistas foram às ruas em manifestações contra o casamento gay. O mais interessante nisto tudo é que importantes personalidades homossexuais francesas, como o prefeito de Chasselas, Jean Marc Veyron la Croix, o produtor de documentários Jean-Pier Delaume-Myard, o militante gay Xavier Bongibault, dentre outros, apoiam essas manifestações por serem contrárias ao casamento de pessoas do mesmo sexo, havendo consenso que o termo “casamento” remete a formação de família, neste caso fazendo a importante ressalva para a presença de crianças na relação que não combina como o estilo de vida homossexual. Para validar este pensamento, o produtor Jean-Pier, em entrevista a revista Le Nouvel Observateur1, afirma que se considera uma pessoa séria em seus relacionamentos e que teve vários companheiros durante sua vida. Assim, se aos vinte e cinco anos ele tivesse adotado uma criança, como hoje ele tem 50 anos, seu filho teria convivido com uma dezena de padastros. Jean-Pier salienta que é muito pouco provável que uma mulher possa ter comportamento semelhante, afirmando que no máximo ela teria três parceiros estáveis. Neste ponto, Jean-Pier demonstra extrema lucidez, pois de maneira geral, na separação de um casal os filhos via de regra coabitam com a mulher. Portanto, poeticamente alguns afirmam que uma criança adotada por dois homens teriam dois “pais”, mas no caso de uma separação, qual deles assumiria o papel de mãe? Assim, pela regra exposta por Jean-Pier, quem assumiria comportamento comedido em relação a quantidade de parceiros? Será que essa exposição à dezenas de relacionamentos paternos não seria prejudicial a sanidade emocional e psicológica dessa criança? Jean-Pier, sendo homossexual, não acredita que tudo se possa resolver na poesia e portanto se opõem ao casamento gay na França.

Dentre outros argumentos de homossexuais franceses contrários ao casamento gay, há o do professor de espanhol Philippe Arino2 que considera a lei do casamento gay homofóbica, porque um casal homossexual pode imitar um par heterossexual, mas é incapaz de imitar um homem, uma mulher e seu filho, por ser impossível o casal homossexual procriar. Philippe diz que a lei não considera o homossexual em sua especificidade, em sua identidade. No entanto, para melhor compreender o pensamento de Philippe, vale a pena ressaltar o que diz o prefeito homossexual Jean-Marc3: “Eu penso que não podemos colocar em um mesmo plano a homossexualidade e a heterossexualidade (…) Eu tenho a convicção que o ideal para uma criança é ser criada dentro de uma família composta por um pai e uma mãe”. Assim, ao meu juízo, ambos concordam que não será por meio de um lei que as questões que envolvem a especificidade sexual do indivíduo serão resolvidas pela sociedade, pois da forma proposta apenas acentuam ainda mais a discriminação, porque não será por meio de uma lei que se fará dois homossexuais procriarem. Jean-Marc diz “que a lei deveria reconhecer o que há de bom e desejável, e não encorajar as práticas minoritárias. A lei deve proteger o mais fraco, neste caso a criança”. Já Xavier Bongibault4, diz que não precisa colocar avante de seu nome a alcunha “homossexual” para expressar sua opinião contrária ao casamento gay, mas que isto foi necessário para que ele pudesse ser ouvido. Diz Xavier que considera profundamente homofóbico achar que os homossexuais pensam em função de sua orientação sexual e, por causa de seu pensamento contrário, sofre com ameaças de morte e agressão. Segundo Xavier existem 360 homossexuais, de todas as idades, que se juntam ao grupo “Plus Gay Sans Mariage” (mais gay sem casamento, em livre tradução), portanto não se trata de uma voz isolada. Militantes como Xavier afirmam que apenas uma minoria gay na França é a favor do casamento gay, sendo que a maioria “se moquent éperdument”, que traduzo aqui como “não está nem aí”. Outros dizem que o movimento LGBT não os representam, mesmo porque nem mesmo gostam de ser chamados de gays. Dizem-se homossexuais e que não precisam empunhar bandeiras para serem reconhecidos na sociedade como cidadãos plenamente capazes de exercer seus direitos.

De uma maneira geral a esquerda heterossexual francesa segue uma tendência a assumir a relatividade dos relacionamentos afetivos como uma forma de garantir igualdades de direitos e, com isto, ganhar votos do eleitor. Pesquisas de opinião demonstram que os franceses são a favor da união de casais do mesmo sexo, mas são contrários a adoção de crianças por homossexuais cujas razões acredito que foram bem expostas aqui.

Sempre fui a favor da liberdade individual, de um homem (ou mulher), por seu livre arbítrio decidir o que melhor convém para sua vida, na escolha de seu modo de vida, sua religião, sua ideologia política, seus amores. No entanto, tenho convicção que nossas escolhas, por mais livres que sejam, devem sempre buscar mitigar o sofrimento alheio e, muitas vezes, quando o mal já está feito, as cicatrizes restam como sequelas. Para ilustrar isto, vou contar uma experiência própria.

Manifestação contra o casamento gay no Champs Elysees em Paris (Foto France Press)
Em uma fase de minha vida trabalhei com colegas que deixaram seus filhos e esposas para trabalhar em outra cidade, mas com o compromisso de retornarem todo o final de semana. Foram alguns casos de lares desfeitos, ou mesmo do desajuste no comportamento dos filhos, principalmente pelo uso de drogas, pois uma importante referência fica ausente, ainda mais quando a mulher também se ausenta do lar para o trabalho. Vi isto tudo acontecer e não desejava aquilo para mim. No entanto, alguns anos mais tarde, abracei uma oportunidade de trabalhar como consultor em Brasília em uma importante e festejada empresa de consultoria de atuação nacional. Minha família ficou em Belo Horizonte e, de repente, vi-me em idêntica situação desses antigos colegas. Nessas ocasiões a gente pensa: “comigo vai ser diferente, tenho o controle da situação!”. Passou o tempo e certa vez o meu filho do meio de oito anos pediu-me que o acompanhasse em um sábado em uma apresentação de judô na qual ele iria participar, fazendo uma intensa campanha durante toda a semana para que eu não faltasse. Dei minha palavra e fui. Quando lá estava, pouco antes dele entrar no tatâmi, eis que ele me aparece segurando fortemente um colega pelo quimono, colocando o menino na minha frente e dizendo: “fulano, quero te apresentar meu pai. Este é o meu pai!”. Como era inusitada a forma enfática de meu filho, depois do evento perguntei o que tinha ocorrido, quando ele me disse que durante minhas ausências, no buscar e deixá-lo na escola, esse colega fazia troça dizendo que ele não tinha pai, fazendo-o sofrer com a situação. Naquele momento, por mais que fosse importante para minha carreira trabalhar como consultor naquela empresa, lembrei-me das consequências de nossas ações face aos filhos, principalmente quando crianças, e o trabalho começou a ficar desinteressante. Em outro momento, nessas minhas reflexões, escrevi: A criança exerce sua crueldade para com outra criança com inocência, já o adulto é cruel com outro por sua própria perversidade. Ninguém que ama, deseja ser cruel com a pessoa amada.

A perversidade pode existir de várias maneiras, mas a pior é aquela voltada exclusivamente para o nosso egoísmo, na satisfação de interesses pessoais, seja material ou psicológico, quando de maneira contundente pode vir a prejudicar a vida de inocentes. Por isso, sou a favor da união homossexual, mas o casamento, com sua identidade biológica de gerar filhos e criá-los, deve continuar restrita a união entre um homem e uma mulher.

João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont


NOTAS:

  1. Entrevista disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=Pl1W9xlc1k4
  2. L'Actualité des Militants du Front, 10 dez 2012, disponível em: http://fninfos.fr/?tag=jean-marc-veyron-lacroix

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