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domingo, 7 de julho de 2024

A criação, a criatura, o pecado e a revolta dos animais

Então um dos anjos querubim, depois de expulsarem Adão e Eva do paraíso com suas espadas flamejantes, foi incumbido de reunir com todos os bichos para anunciar que também deveriam deixar o jardim do Éden. É certo que os animais não queriam seguir com os dois pecadores, pois não achavam justo ter que pagar por um pecado que não foi cometido por eles. Assim, a fim de reivindicar a permanência no Éden de todos os animais, em assembleia nomearam o cachorro e o leão como seus representantes para conversar com os querubins.

Desde o início dos tempos, o cachorro, dentre as criaturas de Deus postas no paraíso, afeiçoou-se ao homem muito antes da mulher surgir da costela de Adão. Por outro lado, o leão sempre foi considerado pelos outros animais como mais próximo dos seres da floresta, portanto era necessário que um bicho que não fosse tão fiel ao homem também pudesse ter voz ativa.

Ao amanhecer do vigésimo dia, a primeira a cruzar as portas do paraíso foi a serpente e, logo em seguida, saíram sem olhar para trás, com passos apressados e em silêncio, Adão e Eva ouviram os portões do empíreo fecharem às suas costas. Ao longe os bichos observam com ar de incredulidade e revolta, enquanto aguardavam saber qual seria o destino deles. Coube ao arcanjo Gabriel, conhecido como porta-voz do divino, conversar com os animais.

Frente a ansiedade dos bichos ali reunidos, Gabriel resolveu não dourar a pílula e foi logo dizendo:

- Pessoal é o seguinte, deu ruim, a cobra pisou na bola e convenceu a mulher a comer do fruto proibido e, ato contínuo, Eva persuadiu o Adão a comer também. Assim infelizmente o Éden vai ser evacuado.

Ouviram-se rugidos, granidos, uivos, grasnados etc., mas o cachorro pedindo calma e silêncio argumentou:

- Meu querido Arcanjo Gabriel, não poderia o Todo Poderoso em sua infinita bondade e misericórdia perdoá-los? Sei que isso é novidade aqui no paraíso, mas errar pode ser considerado doravante como uma característica humana. Fica assim, errar é humano e passamos uma borracha nisso tudo!

Gabriel como se já estive aguardando por essa argumentação respondeu:

- Olha, muito cá entre nós, o Criador até cogitou somente admoestar a serpente e dar uma boa penitência para os outros dois. No entanto, o que realmente irritou o Onipotente foi o jogo de empurra-empurra do homem culpando a mulher, a mulher culpando a cobra e essa última insinuando que fez o que fez porque estava possuída pelo demônio. Ninguém quis assumir a sua própria culpa e não dá para perdoar a falta de caráter.

O leão já bastante incomodado com o tom diplomático do cachorro pediu a palavra e falou:

- Veja bem Gabriel, nós todos aqui absolutamente não coadunamos com absolutamente nada com o que fizeram esses três. Não comemos do fruto proibido e sequer pode-se atribuir aos nossos instintos como produtos de maldade, pois não fazemos discernimento entre o bem e o mal. Nascemos nu e morremos sem roupa!

O anjo balançando a cabeça resmungou: - eu sei como é que é.

O leão então, elevando ainda mais a voz disse:

- Podemos não diferenciar o bem do mal, podemos agir por instinto e não por inteligência, mas sabemos que nada fizemos para receber o castigo divino de sermos expulsos do paraíso!

A bicharada ficou em êxtase com a eloquência do leão e como podiam ovacionaram suas palavras.

O anjo Gabriel percebendo que não seria uma tarefa fácil convencer sozinho todos aqueles animais a saírem, chamou e pediu ajuda de mais dois de seus colegas, os arcanjos Miguel e Rafael. O pedido de ajuda não foi tão somente para conter os ânimos, mas em consideração as especialidades específicas da personalidade de cada arcanjo. O anjo Miguel é conhecido no céu como protetor e líder do exército de Deus e também nomeado como advogado da humanidade. Já o anjo Rafael no firmamento é considerado o arcanjo da cura dos males do corpo e do espírito.

Tanto Rafael quanto Miguel, percebendo o alvoroço, já chegaram dizendo:

- O que podemos fazer para resolver esta questão da melhor maneira, pois a ordem já foi proferida, pois manda quem pode e obedece quem tem juízo.

O cachorro pedindo calma a todos e retornando ao tom diplomático argumentou:

- Tudo bem, se o Todo Poderoso escalou sua tropa de elite para falar conosco não seremos nós a nos rebelarmos contra os preceitos divinos, mas o que gostaríamos de compreender é porque temos que deixar o jardim do Éden também, considerando que somos inocentes na questão.

O arcanjo Miguel então falou:

- Todos vós podeis desconhecer, mas tudo já está escrito em um livro chamado Bíblia. Nele, em um livro chamado Gênesis, Deus deixa claro que a existência de todos vós está desde o princípio submetida a criação do homem e sois indissociáveis da presença e da vontade humana.

O arcanjo Rafael, também pediu a palavra e disse:

- Sim, é verdade o que o Miguel acabou de dizer e, devo acrescentar, que essa não será a última decepção de Deus terá com a raça humana. Vós não sabeis, mas daqui alguns anos surgirá um cidadão chamado Noé que vai precisar construir uma arca e colocar todos vós dentro dela. Já está escrito e se ficardes aqui o que está no livro sagrado não se cumprirá.

O leão demonstrando toda sua impaciência perguntou:

- Ora, ora, se tudo já estava escrito antes mesmo de nos existirmos, por que o Todo Poderoso resolveu mesmo assim criar tudo? Não teria sido melhor haver desistido do homem e, por exemplo, colocar no Éden outros seres que não fossem tão corruptíveis?

O anjo Gabriel fez o sinal da cruz, percebendo que a conversa caminhava para rumos tortuosos, bradou a pleno pulmões:

- Vade reto Satanás, essa tua conversa não vem do Espírito Santo, não cabe a ninguém discutir ou questionar os desígnios do Senhor. Nunca coube a Deus reescrever a história, mas a própria criação e para isso deu ao homem o “livre arbítrio”. Virão os profetas a apontar caminho, mas, mesmo assim, apesar de todos os alertas, a humanidade seguirá incrédula e negacionista. Aliás o negacionismo será “carne de vaca” daqui a 6.000 anos. Então não tem jeito, o vaticínio sempre existirá, ainda assim a humanidade ignorará os sinais e fará tudo errado.

Neste momento, ouviu-se uma voz em forma de trovão dizendo:

- Gabriel, Rafael e Miguel, subam agora aqui comigo!


Os arcanjos voaram para o céu e encontraram o Onipotente com cara de poucos amigos. Sem delongas Ele falou:

- Precisamos fechar o Jardim do Éden e essa conversa já demorou demais, todas as explicações já foram dadas e mais que suficiente para o discernimento. Embora os argumentos do leão e do cachorro tenham certa coerência, Eu já tomei minha decisão. Para facilitar a evacuação do paraíso, a partir desta data todos os animais da terra ficaram mudos, obedecerão apenas os seus instintos, não se comunicarão diretamente entre si, perderão a capacidade de compreender a própria existência e serão caçados, explorados e domesticados pelo homem. Agora desçam, voltem lá e façam todos sair imediatamente.

E assim se fez e todos os animais deixaram o paraíso. A natureza e os animais desde sempre foram mais sensatos que o homem, mas chegará a hora que o meio ambiente com todas as suas criaturas vai ser rebelar contra a humanidade. Essa catástrofe será conhecida como “mudanças climáticas” e infelizmente a raça humana seguirá incrédula, negacionista e, como sempre, não escutará os profetas de Deus.

 João Lago


Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto. Me parece que o diálogo entre Deus e o humano é constante e nunca perde a esperança nas suas criaturas. Assim sendo a maneira atual da sua manifestação é bastante evidente e objetiva: foge da maneira tradicional do fazer teologia até então conhecida. Podemos pensar então em uma eco-teologia? O Espírito Santo clama nos fenômenos devastadores que temos acompanhado, se sim, como? Como temos cuidado do nosso Éden? Evoluímos? Regressamos? Perdemos a consciência da nossa própria existência e da participação divina da criação? O que nos tornamos diante do vazio existencial?

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